quarta-feira, 25 de julho de 2018

"A nova pedagogia promove a antiescola"

Na continuação de post anterior e como forma de o completar, reproduzimos abaixo uma entrevista dada por Inger Enkvist há um ano a Ana Torres Menárguez, também do jornal EL PAÍS (aqui). O título é retirado do texto.
Maria Helena Damião e Isaltina Martins 

"Não é fácil encontrar uma opinião como a de Inger Enkvist. Enquanto a maioria dos gurus da educação advoga mudar a disposição da sala de aula em filas para dar mais liberdade aos alunos, ela defende a necessidade de recuperar a disciplina e a autoridade dos professores: As crianças têm de desenvolver hábitos sistemáticos de trabalho e para isso precisam que um adulto os guie. Aprender requer esforço e, se isso é deixado ao critério dos alunos, não acontece”.

Pergunta. As novas correntes de inovação educativa reclamam um papel mais activo por parte dos alunos. Acabar com as aulas magistrais e usar metodologias que impliquem acção por parte do estudante. Por que é que se opõe a esse modelo? 
Resposta. A nova pedagogia promove a antiescola. As escolas foram criadas com o objectivo de os alunos aprenderem o que a sociedade havia decidido que era útil. Qual é o propósito da escola se o estudante decide o que quer fazer? Estas correntes querem enfatizar ao máximo a liberdade do aluno, quando este do que necessita é de um ensino sistemático e muito estruturado, sobretudo se tivermos em conta os seus problemas de distracção. Se não se aprende na primária a ser organizado e a aceitar a autoridade do professor, é difícil que se faça mais tarde. O aluno nem sempre está motivado para aprender. Faz falta esforço. 
Pergunta. No seu livro questiona a crença de que todos os alunos querem aprender e, portanto, é uma boa opção deixar que tomem a iniciativa e aprendam sozinhos. Quais são os seus argumentos contra isso?  
Resposta. Isso nunca foi assim. É uma ideia romântica que vem de Rousseau; considerar que o ser humano é inocente, bem intencionado e bom. Uma criança pode concentrar-se numa tarefa por iniciativa própria, mas normalmente será num jogo. Aprender a ler e a escrever ou matemática básica requer trabalho e ninguém se sente chamado a dedicar um esforço tão grande para assimilar uma matéria tão complicada. É necessário apoio, estímulos e algum tipo de recompensa, como o sorriso do professor (…).  
Pergunta. O que se deveria recuperar do antigo modelo de educação? 
Resposta. Ter bem presente que o professor organiza o trabalho da aula. Se os alunos planificam o seu próprio trabalho torna-se difícil obterem bons resultados e isso desmotiva o professor, que não quer responsabilizar-se por algo que não funciona. Estas metodologias estão a afastar das aulas os professores mais competentes. Já não se considera proveitoso que o adulto transmita os seus conhecimentos aos alunos, fomenta-se que os jovens se interessem pelas matérias seguindo o seu próprio ritmo. Num ambiente assim não é possível ensinar porque não existe a confiança necessária na figura do professor. Viver no imediato sem exigências é em tudo o contrário da boa educação.  
Pergunta.  Considera a auto-aprendizagem como contraproducente. Mas (…) o mercado laboral muda rapidamente e as pessoas podem ser obrigadas a reciclar-se e a mudar de profissão. Não acha que é boa ideia ensiná-las desde pequenas a tomar a iniciativa na aprendizagem?  
Resposta. Essa é a grande falácia da nova pedagogia. As crianças têm de aprender conteúdos e não o que se designa por aprender a aprender. Não é por pedir aos alunos que tomem decisões que eles vão saber fazê-lo (…). Quem é mais adaptável e mais flexível ao perder um trabalho? O que tem já uma base de conhecimentos, o que conta com mais recursos interiores e isso é o que a educação proporciona. Quanto mais autodisciplina, mais possibilidades temos pela nossa frente e menos desesperados nos sentiremos perante uma situação limite. 
Pergunta. Há um grande debate quanto à utilidade dos exames. Alguns especialistas defendem que na vida adulta não se fazem este tipo de provas e que o importante é desenvolver habilidades que facultem a adaptação a diferentes contextos.  
Resposta. Essa é a visão de alguém que não sabe como funciona o mundo das crianças. Na vida adulta, todos temos prazos (…) e isto aprende-se na escola. Com os exames a criança aprende a responsabilizar-se e entende que não se apresentar a uma prova tem consequências, não o repetirão para ele. Se não cumprimos com as nossas obrigações na vida adulta, ver-nos-emos descartados dos ambientes profissionais. Os exames ajudam a desenvolver hábitos sistemáticos de trabalho (…). 
Pergunta. A escola mata a criatividade, segundo o pedagogo britânico Ken Robinson (...) 
Resposta. Pensemos num músico de jazz. Parece que improvisa (…) [mas] sabe 500 melodias de memória e usa excertos dessas peças de forma elegante. Repetiu-as tantas vezes que parece que o faz sem esforço. A teoria é precisa para que surja a criatividade.  
Pergunta. Quanto aos conteúdos que se aprendem na escola, considera que devem ser modernizados?  
Resposta. Uma professora espanhola contou-me que um dos seus alunos lhe perguntou, numa aula, para que servia estudar Unamuno, que aplicação prática podia ter. Necessitamos de conhecer o nosso país, de saber de onde viemos. Com Unamuno aprende-se um modelo de reacção, que não precisa de ser adoptado, mas conhecê-lo ajuda a elaborar a nossa própria forma de ver o mundo.

4 comentários:

Miguel disse...

"A nova pedagogia promove a antiescola. As escolas foram criadas com o objectivo de os alunos aprenderem o que a sociedade havia decidido que era útil. Qual é o propósito da escola se o estudante decide o que quer fazer?" - está tudo dito aqui. Mas quem se revê nisto? Quem diz que "escola" é isto e quem decide o que é "útil"? Desde quando os humanos são peões utilitários de uma qualquer cabecinha totalitária?

Anónimo disse...

https://pt.slideshare.net/jstenico/marx-e-pedagogia-moderna-1681783

Carlos Ricardo Soares disse...

A nova pedagogia? Ei! Que é isso?
Promove? Isto é importante. Promover é importante. Despromover é que é lixado...
A antiescola? Fiquei curioso. A inventividade nunca deixará de nos surpreender.
O problema é o rigor.
Antiescola pode ser tudo. Escola não pode ser tudo.

Anónimo disse...

A antiescola pode ser tudo...resultando em nada!
Estamos a educar acéfalos, e a promover o espírito do rebanho.
A criatividade e o espírito crítico só são alcançáveis se tivermos conhecimentos bem alicerçados, alcançados com empenho estudo e esforço. E, é claro, com a ajuda dos professores. Daqueles professores que encaram o ensino como algo essencial para a formação humana.
D.S.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...