O autor João Paulo
André, professor de Química na Universidade do Minho, apresenta o seu mais recente livro "Poções e Paixões" (Gradiva, colecção Ciência Aberta) com extractos e links par algumas óperas (em cima a Madama Butterfly):
“Como pode uma história ficcional, consubstanciada pelas
acções que decorrem em cena, encantar e emocionar intensamente uma audiência? A
verdade é que, ao sermos conduzidos pelos actores ao âmago de um enredo,
entramos numa permuta emocional activa em que partilhamos os problemas dos
personagens, sentindo e vivendo as metamorfoses das suas emoções e os seus
conflitos. Em suma, estabelecemos empatia com os personagens da narrativa.
Madama Butterfly de Puccini
O que acabou de ser exposto poderá ser
ilustrado com a ópera Madama Butterfly (1904) de Puccini. Ao apercebermo‑nos
da tristeza e das saudades que Cio‑Cio‑San sente por Pinkerton, o marido que há
muito a abandonou, estabelecemos com ela uma relação de empatia e, por isso,
sofremos também (mesmo que a soprano que interpreta o papel tenha quarenta e
cinco anos, ou seja, o triplo da idade do personagem que encarna - o que, de
resto, é bastante comum).
Cartaz de Leopoldo Metlicovitz para a estreia de Madama
Butterfly
A empatia tem na verdade uma base
neuropsicológica, a qual reside nos sistemas de neurónios-espelho. Eles
constituem a parte do nosso sistema nervoso que nos permite reconhecer e
simular mentalmente uma acção que observamos, contribuindo, assim, para que se
atenuem certas fronteiras entre nós e os outros. Em nós, humanos, esses
sistemas neuronais encontram‑se localizados sobretudo nas áreas cerebrais
envolvidas no processamento da linguagem e na
interpretação de expressões faciais - aspectos que são essenciais na arte
dramática.”
“No I acto de Carmen (1875) de Bizet, as cigarreras
saem da fábrica de tabaco com o charuto nos dentes e, rebolando as ancas,
elogiam a natureza sedutora do fumo. Por sua vez, os voyeurs e
pretendentes que as aguardam também fumam para matar o tempo («On
fume, on jase...»). A quem não passou despercebido o conteúdo deste
coro, conhecido como «La fumée», e muito em particular os versos «Sobe
suavemente à cabeça, e, lentamente, / Deixa a alma em festa!», foi a uma
agência governamental australiana, de seu nome Healthway (!), que
imediatamente suspendeu o financiamento de uma produção da ópera que a West
Australian Opera iria levar à cena em 2014. O argumento apresentado foi o de a
obra de Bizet fomentar de forma explícita o tabagismo”.
(Excerto do capítulo 5)
(Excerto do capítulo 5)
Planta do tabaco e estrutura molecular da nicotina
Francesca da Rimini de Zandonai
Entre muitos exemplos clássicos de «amores à
primeira vista», poderá citar‑se o caso de Paolo e Francesca, personagens
históricos da Itália medieval cuja paixão arrebatadora é relatada na Divina
Comédia de Dante Alighieri (canto v de O Inferno - o par amoroso, condenado pelo pecado
da luxúria, encontra‑se no segundo círculo do Inferno, chicoteado
incessantemente por um redemoinho de vento).
Sob o título de Francesca da Rimini,
os amores de Paolo e Francesca foram colocados em ópera por Sergei Rachmaninov
(1906) e Riccardo Zandonai (1914).
Giovanni Martinelli (Paolo) e Frances Alda (Francesca) em Francesca
da Rimini de Zandonai, 1916 (The Metropolitan Opera Archives)
No I acto da versão do compositor italiano,
do alto da sua loggia em Ravena, Francesca da Polenta vê chegar o
garboso Paolo Malatesta, conhecido como Paolo, il Bello, acreditando ser
este o noivo que a família lhe destinara (num arranjo político que uniria as
duas famílias). Apaixonam‑se de imediato um pelo outro («Portami nella
stanza») mas o que Francesca não sabe é que Paolo se faz passar pelo seu
irmão Gianciotto, senhor de Rimini mas com uma deformidade física. A relação
proibida de Francesca e Paolo durou uma década, sendo lendário o seu trágico
final.
A ópera de Zandonai estará entre as mais
belas do século xx, com harmonias raramente encontradas até então num
compositor italiano (Puccini à parte), próprias de alguém que não só assimilara
a escrita de Wagner como também estava a par das tendências mais recentes,
nomeadamente da música de Claude Debussy e de R. Strauss.”
(Excerto do capítulo 9)
Louise de Charpentier
“O rádio (Ra), elemento químico de número atómico* Z = 88, fora descoberto em 1898, em Paris, por Marie e Pierre Curie, que uns meses antes já tinham encontrado outro novo elemento, o polónio (Po), de número atómico Z = 84. Indirectamente, esta súbita revelação de dois elementos químicos radioactivos era o corolário da descoberta dos raios X pelo alemão Wilhelm Conrad Röntgen, ocorrida apenas três anos antes.
Embora a natureza dos raios X (X de
incógnita) e dos raios gama, estes últimos emitidos por espécies radioactivas,
não fosse à época conhecida, não tardaria a ser demonstrado que em ambos os
casos se trata de radiação electromagnética, exactamente como as luzes da
cidade de Paris celebradas na ópera Louise (1900) de Gustave Charpentier
(figura 10.2), contemporânea destas geniais descobertas científicas. (No III
acto, do alto da colina de Montmartre, os amantes Louise e Julien contemplam
apaixonados o clarão grandioso da Cidade‑Luz, que exaltam no dueto «Paris! Cité de force et de
lumière! - «Paris! Cidade de força e de luz!»)
Cartaz de Georges
Antoine Rochegrosse para a estreia de Louise e espectro electromagnético
Os únicos aspectos que distinguem estas duas
formas de radiação relativamente à luz que nos ilumina é não serem perceptíveis
aos nossos olhos e terem uma frequência muito superior, sendo consequentemente
muito mais energéticas. Só os raios cósmicos as suplantam em energia.
Em Paris tudo começara quando Marie
Skłodowska Curie escolheu para tema da tese de doutoramento o estudo das
radiações emitidas por compostos de urânio, descobertas dois anos antes por
Henri Becquerel.”
(Excerto do capítulo 10)
1 comentário:
Este blog vai escapando por não incidir só em ciência.
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