Meu artigo no último "As Artes entre as Letras":
A Science, revista científica de grande impacto publicada pela
Associação Americana para o Progresso das Ciências, costuma escolher no final
de cada ano a “descoberta do ano”. Em
2016 a descoberta do ano tinha sido a das ondas gravitacionais, vindas do
choque de dois buracos negros, que haveria de valer o prémio Nobel da Física de
2017, anunciado em 3 de Outubro, aos
americanos Rainer Weiss, Barry Barish e
Kip Thorpe. E em 2017 a distinção foi para uma descoberta relacionada com a
anterior. Tratou-se da primeira observação, realizada a 17 de Agosto mas só
revelada publicamente escassos dias após o anúncio do Nobel, de ondas
gravitacionais provenientes do choque de duas estrelas de neutrões, o que
permitiu identificar pela primeira vez uma fonte simultânea de ondas gravitacionais
e de ondas electromagnéticas ou luz. A colisão de duas estrelas de neutrões foi
responsável pela emissão de ondas gravitacionais, durante os dois minutos antes
do choque, depois pela emissão de raios gama,
que surgiram dois segundos após, a seguir, após 11 horas, pela emissão
de luz visível, e, ao fim de duas semanas, pela emissão de raios X e de ondas
de rádio. As ondas gravitacionais emitidas pelo par de estrelas de neutrões
que, num baile vertiginoso, se aproximaram em espiral até colidirem uma com a
outra são diferentes: têm, por exemplo, frequências maiores do que as que vêm
de buracos negros. Nos emissores que se conheciam de ondas gravitacionais não
emitiam qualquer luz por se tratarem de buracos negros – o próprio nome “negro”
indica que não emitem luz -, mas, no caso de binários de duas estrelas de
neutrões, já é possível receber luz e, para nosso contentamento, recebeu-se a
partir de 17 de Agosto luz de várias frequências, que teve portanto de ser recolhida
por telescópios de vários tipos, uns instalados em terra (os de luz visível, de
infravermelhos e de ondas de rádio) e outros montados em satélites em órbita
terrestre (os telescópios de raios gama e de raios X). O céu proporcionou-nos um
espectáculo não só de “som” gravitacional mas também de luz e, ainda por cima,
à semelhança de um fogo de artifício, luz de vários tipos. “Som” vai entre
aspas porque não se trata de som convencional, que exige um meio material, mas
sim da vibração do próprio espaço.
O nome “estrelas de neutrões” deve-se
ao facto de a estrela ser feita de partículas do núcleo atómico, protões e
neutrões, mas com grande predomínio de neutrões. A sua densidade é semelhante à
dos núcleos atómicos: de facto, é como se fosse um gigantesco! núcleo atómico. Nos
núcleos que ocupam o centro de todos os átomos, que constituem os elementos
químicos, o número de neutrões vai aumentando à medida que aumenta o número de
protões, deixando a certa altura de existir núcleos estáveis, por causa da
repulsão eléctrica entre as cargas dos protões. Mas, numa estrela de neutrões,
as forças nucleares fortes conseguem ganhar à repulsão entre os poucos protões.
O que distingue os buracos negros
de estrelas de neutrões? A sua massa. Tanto uns como outros surgem no centro de
uma estrela muito grande que explode numa fase avançada da sua idade – essa
estrela chama-se “supernova”. A diferença é que os buracos negros têm uma massa
maior do que duas ou três massas solares
ao passo que as estrelas de neutrões têm massa menor. Os buracos negros são,
por isso, muito mais densos do que as estrelas de neutrões, que já são bastante
densas, muito mais do que o Sol (basta dizer que a sua massa é semelhante à do
Sol mas está concentrada numa esfera de cerca de dez quilómetros de raio). Uma
vez que as estrelas de neutrões emitem luz, dispomos de muito mais informação a
respeito delas do que a respeito de buracos negros, que são os sítios mais
misteriosos do Universo.
Foram os mesmos dois observatórios
americanos que tinham detectado as primeiras ondas gravitacionais, que
constituem o LIGO – Laser Interferometer Gravitational
Waves Observatory, que detectaram as primeiras ondas gravitacionais vindas
de estrelas de neutrões. Mas não estiveram sozinhos nessa tarefa. Os seus dados
foram complementados pelos de um outro observatório do mesmo tipo que funciona
em Itália, o VIRGO. O facto de existirem três detectores permitiu efectuar uma
triangulação para determinar a posição da fonte emissora: esta estava a 130 mil
anos-luz da Terra, muito mais perto do que a fonte das primeiras ondas
gravitacionais recolhidas, que estavam a mais de um milhão de anos-luz. Depressa
se percebeu que um satélite, o Observatório Fermi de Raios Gama da NASA, tinha
recolhido emissões fortes de raios gama vindas precisamente do mesmo local. Conhecido
o sítio do céu e alertada a comunidade internacional de astrofísica, logo 70
diferentes telescópios, com os quais trabalham milhares de astrónomos, passaram
a olhar com atenção e viram luz de vários tipos de onde antes não vinha
nenhuma. Alguns modelos teóricos de choques de estrelas de neutrões puderam
assim ser testados pela primeira vez e… confirmados. Por exemplo previa-se que
aparecessem elementos químicos mais pesados do que o ferro e apareceram mesmo,
emitindo radiação característica.
Estamos a entrar num novo mundo
na astrofísica. O que foi observado não foi uma grande novidade, pois se tratou
essencialmente de confirmar conjecturas de base sólida. Mas agora estão abertas
as portas para uma nova era de observações, que podem trazer surpresas.
Dispomos de uma nova maneira de conhecer o céu, que junta luz e “som”. Tínhamos
só filmes mudos, agora temos filmes “sonoros”. Não sabemos que filmes vêm aí…
A “descoberta do ano” diz respeito
a eventos catastróficos muito longe de nós (ainda bem que é longe!), mas a
espantosa tecnologia que usámos para a concretizar poderá encontrar aplicações
no nosso quotidiano. Já há tecnologia computacional de detecção de corpos
celestes que serve para encontrar tumores cancerígenos. Os leitores da Science, muito interessados em
questões de saúde, escolheram para descoberta do ano um sucesso recente em
terapia genética. Mas a Science
esteve bem ao ter escolhido uma descoberta da física. Se é certo que há grandes
avanços na medicina, também os há na física. E o espaço sempre nos fascinou.
2 comentários:
Alma a Sangrar
Quem fez ao sapo o leito carmesim
De rosas desfolhadas à noitinha?
E quem vestiu de monja a andorinha,
E perfumou as sombras do jardim?
Quem cinzelou estrelas no jasmim?
Quem deu esses cabelos de rainha
Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha
Alma a sangrar? Quem me criou a mim?
Quem fez os homens e deu vida aos lobos?
Santa Teresa em místicos arroubos?
Os monstros? E os profetas? E o luar?
Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros
- Sem nos dar braços para os alcançar?!...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"
Realmente, o mundo é maravilhoso!
Através da frequência na escola tradicional descobri que há seres microscópicos, as lindas flores são orgãos sexuais das plantas e que é possível conhecer muito mais sobre os tais "astros" - que estão tão longe dos nossos braços! - do que aquilo que eu pensava quando era garoto!
Para estudarmos e tentarmos compreender a Natureza, a Física não é menos importante do que a Matemática. A Física não pode ser uma disciplina de opção, com uma carga horária ridícula, e sem exame nacional, nos currículos científicos do 12.º ano! Temos de aprender a voar mais alto!
Por acaso, vi num recurso informático associado a um manual de Física do 12.º ano, em Portugal, uma questão, relacionada com elevadores hidráulicos, em que se pedia o cálculo da intensidade da força necessária para elevar um automóvel de 1,4 toneladas apoiado numa plataforma circular de raio 20 cm!
Depois de ler este artigo, lanço a pergunta:
Tal como existem estrelas de neutrões, será que os físicos portugueses já sabem construir automóveis de neutrões?
Eu sou da velha escola, não acredito que um carro de neutrões funcione!
Para mim, isto são histórias inventadas pelo pessoal do Aprender a Aprender!
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