segunda-feira, 20 de novembro de 2017

OS NOVOS COLONIZADORES

Artigo de opinião de Guilherme Valente, saído na última edição do Expresso:

"O SOS Racismo  é como o SOS  Baleias, existe  para salvar o racismo".

Jean Baudrillard

"Nunca" houve tanto "racismo" e "racistas"  em Portugal. Tudo passou a ser "racismo". O racismo e os racistas crescem com o aumento do número de  activistas anti-racistas profissionais. "Racismo" que  alimenta o zelo e assegura  emprego. 

Como  observa Bruckner num livro iluminante,  o anti­‑racismo não pára de tornar racial qualquer forma de conflito ou divergência étnica, política,  social ou religiosa. "Recria  permanentemente a maldição que pretende combater. A sua genética parece ligada ao fracasso  do projecto comunista. A luta de raças é  um sucedâneo da luta de classes". Perdida uma crença, construiu-se  outra.

A  crítica,  a liberdade  de pensamento e de expressão  passam a ser   agressão pessoal.  Pobres  tribunais sobrecarregados com queixas idiotas, algumas hilariantes  se tivermos em conta o currículo  de alguns queixosos.

Há dias num   restaurante  sentei-me  ao lado de  uma senhora brasileira com voz estridente, que não se calava.  Mudei de mesa. Tive um comportamento racista, interroguei-me? A senhora era branca, facto que aliviou a minha preocupação! Por outro lado sou  feminista desde os tempos do Liceu. Radical  depois do nascimento da minha Filha.

Nāo, não tive um  comportamento racista. Tenho o direito de me afastar do que não gosto. De não  apreciar  toda a gente, de não  conviver com todos os comportamentos,  não simpatisar com todas as culturas. Considero mesmo algumas   deploráveis, noutras vejo manifestações repugnantes.

Como disse  S. Rudshie explicando o logro   do termo "islamofobia:"Tenho o direito de dizer que não gosto das vossas ideias e vós o direito de dizer o mesmo das minhas. Se crêem em Deus e eu não, tenho o direito de dizer que a vossa religião é absurda. Isto não tem nada a ver com racismo. A religião é uma crença, a cor da pele um facto. Temos o direito de não gostar do que cada um pensa, mas rejeitá-lo pelo que ele é a isso chama-se ódio".

O racismo é um ódio. Uma fusão de fragilidade identitária,  inquietação, medo e ódio.

Ódio atrai ódio. Luther King, Mandela, Gandhi, o  admirável Padre António Vieira, não  enfrentaram o racismo  e mudaram o mundo com o ódio, não odiaram os "brancos", Luther King   teve  a maioria ao seu lado. Amavam o seu país e as suas gentes,  por isso quiseram  torná-lo melhor. 

O islão radical  vai, aliás, mais longe na negação do outro, mata-o. Elimina o contraste insuportável.  A  "culpa" dele é  a do Ocidente:  liberdade religiosa, liberdade de pensamento, igualdade entre homens e mulheres.  O  objectivo é impedir que no  islão se transforme. Os primeiros a abater são os  liberais reformadores muçulmanos  combatentes por um islão iluminista.

Tratam-nos como renegados  convertidos à ideologia colonial. Foi assim, curiosamente, que o anti-racista Mamoud Da se  referiu  ao sociólogo Mithá Ribeiro, "Os miseráveis préstimos de um colonizado mental" ("A Fábula de um país sem  racismo com racistas", Público , 7/9).

No discurso do activismo  "anti-racista" transparece  frequentemente  a pulsão reptiliana  que está  no cerne  do verdadeiro racismo, nele se  pressupõe que só os brancos são colonialistas e racistas, mas o colonialismo e o racismo  não têm cor. Esse discurso  exerce nos grupos humanos mais expostos ao condicionamento  da cor da pele um efeito  perverso:  encerra-os no seu meio. Discrimina-os como deficientes condenados  à  dependência das instituições.  Situação que podendo ser compreensível gera anticorpos na sociedade. Distraindo  do que é importante  fazer-se  para tornar a discriminação cada vez mais residual.

Portugal não é um país racista. É um Estado e um país anti-racista. Os Portugueses não são racistas. Em Portugal o racismo é um crime e a escravatura há muito  que foi condenada e proscrita. Manifestações  racistas, conscientes ou inadvertidas, surgem em todas as sociedades e  tempos.
Vi com perplexidade e indignação  a notícia de que um grupo de neo-nazis impedira activistas anti-racistas de  contestarem  a estátua do Padre António Vieira. O mais chocante é terem sido neo-nazis (se o eram de facto) a fazer o protesto que cumpriria  a todos nós. E ao Governo proibi-la se o  seu propósito fosse vandalizar a estátua, como vi no facebook. O propósito dessa manifestação é, aliás,  tão ignorante  ou  estúpido que se impõe   procurar outras intenções para ela.

O seu líder terá sido o activista anti-racista profissional Mamoud Da, que no Público já sugerira ou afirmara  o "carácter estrutural racista da sociedade portuguesa" (art. cit.) podendo-se concluir que considera Portugal um país racista. Intervenções em que, explícita ou latente,  se revela  uma animosidade, quanto a mim mesmo um  ódio,   relativamente a Portugal e aos Portugueses.

Li que Mamoud Da não é cidadão português. Facto  absolutamente  irrelevante, pois são bem-vindos   todos os  que  queiram ajudar Portugal a melhorar e gostem de viver connosco.  Mas se for de facto africano   é humanamente irresistível perguntar:  não deveria estar a combater o que é bem mais dramático e pungente na sua Terra?

Não há raças. Quanto ao racismo de que é imperativo combater todas as manifestações e condições  leia-se a lição lapidar de Sobrinho Simões,  "Somos todos primos uns dos outros" **.  Na matéria em causa, a moral, a realidade e o direito coincidem. 

Guilherme Valente

* Pascal Bruckner, Um Racismo Imaginário - Islamofobia e Culpabilidade, Gradiva, Out. 2017.

**Portugueses, Quem Somos, de Onde Vimos, Para Onde Vamos, Gradiva, Nov.  2017.

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