segunda-feira, 27 de novembro de 2017

“PARA O INFINITO”


Meu artigo no mais recente número de "As Artes entre as Letras":

Sir Martin Rees, com 75 anos, um dos mais prestigiados astrofísicos contemporâneos, esteve no Porto em 17 de Novembro passado, para proferir uma conferência, no âmbito do Mês da Educação e da Ciência da Fundação Francisco Manuel dos Santos, na qual resumiu os principais conteúdos do seu livro Para o Infinito. Horizontes da ciência  lançado na mesma altura (tradução portuguesa do original de 2011, From here to infinity: Scientific Horizons, n.º 223 da colecção “Ciência Aberta” da Gradiva). Comentaram a conferência, realizada na Galeria da Biodiversidade do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, os cientistas portugueses Alexandre Quintanilha, Professor de Ciências da Vida emérito da Universidade do Porto, e Nuno Santos, Professor no Departamento de Física e Astronomia da mesma Universidade e investigador no Instituto de Astrofísico e Ciências do Espaço.

O Professor Rees, professor emérito da Universidade de Cambridge e detentor do título de barão de Ludlow e membro da Câmara dos Lordes, é desde 1995 Astrónomo Real da Grã-Bretanha (um título hoje largamente honorífico mas que remonta à segunda metade do século XVII), foi entre 2005 e 2010 Presidente da Royal Society de Londres, a mais antiga sociedade científica do mundo em funcionamento ininterrupto, e foi Master do Trinity College  de Cambridge, entre 2004 e 2012. Recebeu vários prémios e distinções pelo seu trabalho científico entre os quais a medalha de ouro da Sociedade Real de Astronomia (1987), o Albert Einstein World Award of Science (2003), o Prémio Michael Faraday (2004), o Prémio Crafoord (2005), e a medalha Isaac Newton (2012). Entre os seus livros, além de Para o Infinito, merecem saliência  Just six numbers – the deep forces that shape the universo (de 1999, traduzido em português do Brasil: Apenas Seis Números: As forças profundas que controlam o universo, saído na Editora Rocco), Our Cosmic Habitat  (de 2001, traduzido em português europeu: O Nosso Habitat Cósmico, n.º 117 a referida colecção “Ciência Aberta”), Our Final Century: Will the Human Race Survive the Twenty-first Century? (de 2003, publicado nos Estados Unidos com o título de Our Final Hour - A Scientist's Warning: How Terror, Error, and Environmental Disaster Threaten Humankind's Future In This Century — On Earth and Beyond e traduzido em português do Brasil: Hora Final: Alerta de Cientista: O desastre ambiental ameaça o futuro da Humanidade, saído na Companhia das Letras). Actualmente está a completar um manuscrito intitulado What we still Don’t Know, sobre as actuais fronteiras da ciência.

Em claro contraste com o título de ressonância astronómica, Para o Infinito é um pequeno volume que se lê breve e agradavelmente. Nasceu de um conjunto de quatro conferências que o autor difundiu aos microfones da BBC, a rádio e televisão pública britânica. O objectivo do autor foi o de apresentar a ciência, tal como ela é hoje, de um modo que fosse compreensível pelo grande público. Discute as possibilidades da ciência mas também as suas limitações. Nas possibilidades inclui a resolução de um sem número de problemas relativos à vida humana na Terra e nas limitações enfatiza o facto de existirem questões sociais, económicas, éticas e políticas, que claramente excedem as competências da ciência e dos cientistas. Por exemplo, a ciência pode descrever e fazer previsões sobre as alterações climáticas globais, mas a resolução do problema está longe de ser um simples problema científico. Uma das maiores preocupações do autor consiste precisamente na prevenção de riscos para o futuro da Humanidade, como aqueles que vêm do aquecimento global, hoje uma questão bastante premente, que se somam a outros, uns da responsabilidade humana, como o da eventual utilização de armas nucleares ou o do desenvolvimento da inteligência artificial a um ponto que leve à substituição dos humanos por máquinas, e outros sem responsabilidade humana, como por exemplo a queda de um asteroide ou de um cometa na Terra. Para conhecer melhor os riscos que nos ameaçam e para “realizar a tarefa de assegurar que a nossa espécie tenha um futuro a longo prazo” Rees criou em 2012 com dois colegas seus das áreas da Filosofia e das Ciências da Computação um centro na sua Universidade de Cambridge com o nome de Centre for the Study of Existential Risk.(Stephen Hawking, o famoso astrofísico também professor de Cambridge e crítico da inteligência artificial, é conselheiro desse centro). Há quem pense que Rees é um pouco pessimista sobre o nosso futuro, mas ele considera que, mesmo que a probabilidade de a Humanidade terminar seja pequena, vale a apena considerar seriamente essa hipótese porque essa probabilidade não é zero. E, temos todos de concordar, o assunto é muito importante. Membro, entre outros da Academia de Ciências do Vaticano, que aconselha o papa em assuntos de ciência, Martin Rees propõe-nos a todos que pensemos no nosso futuro colectivo.

O Astrofísico Real britânico conhece bem o que é a ciência, não apenas pelo seu longo trabalho de investigação mas também pelos seus trabalhos de gestão e de comunicação da ciência. Para ele é indispensável aproximar a ciência do público. Não se trata apenas de fornecer uma base social sólida à ciência. Trata-se também e talvez sobretudo da partilha dos cientistas com a sociedade dos conhecimentos e dos métodos científico. Escreve a certa altura de Para o Infinito (tradução muito boa de Fátima Carmo):

«É uma lacuna cultural não apreciar o panorama ofe­recido pela cosmologia moderna e pela evolução darwi­niana — a cadeia de complexidade crescente que leva de um qualquer início ainda misterioso aos átomos, estrelas e planetas — e o modo como, no nosso planeta, surgiu a vida, e se desenvolveu numa biosfera que contém criaturas com cérebros capazes de reflectir sobre o assombro que é tudo isto. Uma tal compreensão comum deveria estar acima de todas as diferenças nacionais — e também de todos os credos religiosos.»



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