Artigo de opinião de Guilherme Valente, saído na última edição do Expresso:
"O SOS Racismo é como o SOS Baleias, existe para salvar o racismo".
Jean Baudrillard
"Nunca" houve tanto "racismo" e "racistas" em Portugal. Tudo passou a ser "racismo". O racismo e os racistas crescem com o aumento do número de activistas anti-racistas profissionais. "Racismo" que alimenta o zelo e assegura emprego.
Como observa Bruckner num livro iluminante, o anti‑racismo não pára de tornar racial qualquer forma de conflito ou divergência étnica, política, social ou religiosa. "Recria permanentemente a maldição que pretende combater. A sua genética parece ligada ao fracasso do projecto comunista. A luta de raças é um sucedâneo da luta de classes". Perdida uma crença, construiu-se outra.
A crítica, a liberdade de pensamento e de expressão passam a ser agressão pessoal. Pobres tribunais sobrecarregados com queixas idiotas, algumas hilariantes se tivermos em conta o currículo de alguns queixosos.
Há dias num restaurante sentei-me ao lado de uma senhora brasileira com voz estridente, que não se calava. Mudei de mesa. Tive um comportamento racista, interroguei-me? A senhora era branca, facto que aliviou a minha preocupação! Por outro lado sou feminista desde os tempos do Liceu. Radical depois do nascimento da minha Filha.
Nāo, não tive um comportamento racista. Tenho o direito de me afastar do que não gosto. De não apreciar toda a gente, de não conviver com todos os comportamentos, não simpatisar com todas as culturas. Considero mesmo algumas deploráveis, noutras vejo manifestações repugnantes.
Como disse S. Rudshie explicando o logro do termo "islamofobia:"Tenho o direito de dizer que não gosto das vossas ideias e vós o direito de dizer o mesmo das minhas. Se crêem em Deus e eu não, tenho o direito de dizer que a vossa religião é absurda. Isto não tem nada a ver com racismo. A religião é uma crença, a cor da pele um facto. Temos o direito de não gostar do que cada um pensa, mas rejeitá-lo pelo que ele é a isso chama-se ódio".
O racismo é um ódio. Uma fusão de fragilidade identitária, inquietação, medo e ódio.
Ódio atrai ódio. Luther King, Mandela, Gandhi, o admirável Padre António Vieira, não enfrentaram o racismo e mudaram o mundo com o ódio, não odiaram os "brancos", Luther King teve a maioria ao seu lado. Amavam o seu país e as suas gentes, por isso quiseram torná-lo melhor.
O islão radical vai, aliás, mais longe na negação do outro, mata-o. Elimina o contraste insuportável. A "culpa" dele é a do Ocidente: liberdade religiosa, liberdade de pensamento, igualdade entre homens e mulheres. O objectivo é impedir que no islão se transforme. Os primeiros a abater são os liberais reformadores muçulmanos combatentes por um islão iluminista.
Tratam-nos como renegados convertidos à ideologia colonial. Foi assim, curiosamente, que o anti-racista Mamoud Da se referiu ao sociólogo Mithá Ribeiro, "Os miseráveis préstimos de um colonizado mental" ("A Fábula de um país sem racismo com racistas", Público , 7/9).
No discurso do activismo "anti-racista" transparece frequentemente a pulsão reptiliana que está no cerne do verdadeiro racismo, nele se pressupõe que só os brancos são colonialistas e racistas, mas o colonialismo e o racismo não têm cor. Esse discurso exerce nos grupos humanos mais expostos ao condicionamento da cor da pele um efeito perverso: encerra-os no seu meio. Discrimina-os como deficientes condenados à dependência das instituições. Situação que podendo ser compreensível gera anticorpos na sociedade. Distraindo do que é importante fazer-se para tornar a discriminação cada vez mais residual.
Portugal não é um país racista. É um Estado e um país anti-racista. Os Portugueses não são racistas. Em Portugal o racismo é um crime e a escravatura há muito que foi condenada e proscrita. Manifestações racistas, conscientes ou inadvertidas, surgem em todas as sociedades e tempos.
Vi com perplexidade e indignação a notícia de que um grupo de neo-nazis impedira activistas anti-racistas de contestarem a estátua do Padre António Vieira. O mais chocante é terem sido neo-nazis (se o eram de facto) a fazer o protesto que cumpriria a todos nós. E ao Governo proibi-la se o seu propósito fosse vandalizar a estátua, como vi no facebook. O propósito dessa manifestação é, aliás, tão ignorante ou estúpido que se impõe procurar outras intenções para ela.
O seu líder terá sido o activista anti-racista profissional Mamoud Da, que no Público já sugerira ou afirmara o "carácter estrutural racista da sociedade portuguesa" (art. cit.) podendo-se concluir que considera Portugal um país racista. Intervenções em que, explícita ou latente, se revela uma animosidade, quanto a mim mesmo um ódio, relativamente a Portugal e aos Portugueses.
Li que Mamoud Da não é cidadão português. Facto absolutamente irrelevante, pois são bem-vindos todos os que queiram ajudar Portugal a melhorar e gostem de viver connosco. Mas se for de facto africano é humanamente irresistível perguntar: não deveria estar a combater o que é bem mais dramático e pungente na sua Terra?
Não há raças. Quanto ao racismo de que é imperativo combater todas as manifestações e condições leia-se a lição lapidar de Sobrinho Simões, "Somos todos primos uns dos outros" **. Na matéria em causa, a moral, a realidade e o direito coincidem.
Guilherme Valente
* Pascal Bruckner, Um Racismo Imaginário - Islamofobia e Culpabilidade, Gradiva, Out. 2017.
**Portugueses, Quem Somos, de Onde Vimos, Para Onde Vamos, Gradiva, Nov. 2017.
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