Comentário de Carlos Fiolhais a uma crónica de César Rodrigues com o título de cima que está incluída no seu mais recente livro "5295" (Lápis de Memórias), uma colectânea de crónicas comentadas por vários autores:
Confesso que quando vi o título desta crónica de César Rodrigues me ocorreu que o conteúdo podia ter a ver com a emigração de Albert Einstein do seu país natal, a Alemanha, em 1933, no seguimento da ascensão de Hitler ao poder. Já desde os anos 20 do século passado tinha ganhado alguma proporção nos meios académicos e culturais um movimento chamado “Física Alemã”, que se opunha à “Física Judaica”, na qual a teoria da relatividade de Einstein era incluída. Em 1936, o físico nazi Philip Lenard escrevia, no prefácio do seu livro “Física Alemã”, que omitia não só a teoria da relatividade como a teoria quântica: “Física Alemã?” Poder-se-á perguntar. Eu poderia ter dado o nome de Física Ariana ou de Física de Gente Nórdica, Física dos Fundadores da Realidade, dos Pesquisadores da Verdade, Física daqueles que estabeleceram as Ciências Naturais. [...] Na realidade, a ciência, tal como tudo aquilo que é feito pelo homem, é rácico, está condicionada pelo sangue.”. A certa altura, o ar de Berlim tornou-se irrespirável para Einstein, que disse à sua mulher: “Olha bem para a tua casa. Não mais a vais voltar a ver!”. De facto, Einstein exilou-se nos Estados Unidos e, depois da guerra, nunca quis sequer visitar a Europa. Para ele a Alemanha significava o mal. Antes, durante e após a guerra, muitos cientistas não só do espaço germânico como da Europa em geral emigraram para os Estados Unidos, estando na base da actual supremacia americana no mundo, que foi conseguida através do domínio da ciência e tecnologia. A ciência, que está na base do desenvolvimento, precisa da liberdade como do pão para a boca.
Começando a ler a saborosa crónica, logo percebi que a relativização não tinha a ver com a relatividade de Einstein. Como acontece muitas vezes nos escritos, os títulos destinam-se a concitar a atenção do leitor. O autor chama a atenção para o fenómeno da intensificação da emigração portuguesa nos penosos anos da troika, a partir de 2011. Uma característica nova relativamente à vaga de emigração dos anos 60 foi o número elevado de portugueses com altas qualificações que, tendo feito a sua formação em Portugal ou no estrangeiro, muitos deles em áreas da ciência e tecnologia, se viu obrigado a procurar oportunidades de trabalho e de vida além fronteiras. Partilho com o autor esta preocupação, entretanto diminuída por a emigração estar actualmente em regressão. Não percebo, por exemplo, por que é que governantes quiseram, ainda que retoricamente, empurrar portugueses para fora. O problema não está na possibilidade de livre circulação de pessoas: a ciência alimenta-se desta livre circulação. O problema reside no facto de os jovens portugueses qualificados não terem possibilidade de escolha, uma vez que eram e são muito poucos os lugares — nas escolas superiores, nas empresas, na administração pública, etc. — aos quais podiam e podem concorrer. Ora, na sociedade do conhecimento em que vivemos, o progresso de qualquer país só é possível graças ao trabalho destas pessoas. O sucesso delas conduz, precisamente, ao nosso sucesso. Há, pois, que desenvolver entre nós o emprego científico de modo a que proliferem, no território português, as fontes de conhecimento assim como, o que será uma consequência, as possibilidades da sua aplicação para a melhoria das nossas vidas. O saber que se faz num sítio chega imediatamente aí.
O portal GPS - Global Portuguese Scientists, criado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em conjunto com outros parceiros (gps.pt), é uma rede dos cientistas portugueses no mundo, a diáspora científica, que possibilita o diálogo entre eles e deles connosco. Mesmo estando no estrangeiro, os portugueses qualificados podem colaborar com os seus concidadãos que permanecem na sua terra, ajudando ao desenvolvimento. Pode ser que um dia regressem ou pode ser que não. Mas sentir-se-ão sempre portugueses, isto é, herdeiros de uma antiga e extraordinária cultura.
Carlos Fiolhais
A emigração e a teoria da relatividade
Atualmente, o incentivo à emigração tornou‑se
mais explícito e despudorado: encoraja‑se a diáspora, numa procura pela terra
que garanta uma promessa de emprego e, se possível, de bem‑estar social. Porém,
o perfil emigratório alterou‑se: saem agora profissionais qualificados, em quem
o Estado investiu (ou seja, todos nós) na esperança de uma melhor garantia de
futuro e de crescimento do país.
A Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, afirmou recentemente
que é preciso relativizar a emigração jovem portuguesa.
Historicamente, sempre tivemos uma grande tradição emigratória e a
amálgama de culturas que o povo português absorve é também consequência de uma
sociedade aberta que acolhe e se deixa acolher.
Em certos momentos, a emigração portuguesa chegou a ser
envergonhadamente estimulada, uma vez que traria dividendos para o próprio
país, contribuindo para uma menor taxa de desemprego, inferiores encargos
sociais, menor probabilidade de conflitos sociais e entrada de divisas no país,
através das remessas enviadas pelos emigrantes. O perfil dos trabalhadores que
saíam do país assentava particularmente em baixas qualificações profissionais.
Atualmente, o incentivo à emigração tornou‑se mais explícito e
despudorado: encoraja‑se a diáspora, numa procura pela terra que garanta uma
promessa de emprego e, se possível, de bem‑estar social. Porém, o perfil
emigratório alterou‑se: saem agora profissionais qualificados, em quem o Estado
investiu (ou seja, todos nós) na esperança de uma melhor garantia de futuro e
de crescimento do país.
Como solução para a elevada taxa de desemprego em Portugal, hoje
recomenda‑se — empurra‑se para — a emigração em larga escala. E o último que
feche a porta!
Bom seria que a emigração fosse uma opção de valorização profissional e
não dependesse de uma pura necessidade de sobrevivência. E, ainda assim, dever‑se‑ia
‘dificultar’ a partida, criando condições para manter em Portugal os bons
quadros, proporcionando‑lhes condições de trabalho competitivas, remunerações
justas e planos de carreira.
Emigrar é legítimo. Procurar uma vida que se enquadre nos anseios de
cada um, noutras paragens de um mundo cada vez mais global, é uma decisão
individual.
Efetivamente, a nossa História tem sido feita também da dispersão de um
povo pelo Mundo e da internacionalização da nossa essência. Mas gostava que
aqueles que tomam essa decisão o fizessem sem mágoa por Portugal.
Muitos têm exportado talento português sob a forma de matérias‑primas,
de produtos transformados ou ainda através do melhor da nossa riqueza — da exportação do próprio corpo!
Muitos têm contribuído para a afirmação de Portugal, exercendo os seus
méritos por outras paragens.
‘Lá como cá’, uns e outros continuam a contribuir para auxiliar o
desenvolvimento do país.
Isso sim, não é de relativizar. É um querer bem português!
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