sábado, 25 de novembro de 2017

MEU DISCURSO NO PORTO NA RECEPÇÃO DO GRANDE PRÉMIO CIÊNCIA VIVA

O vídeo está aqui:

Muito e muito obrigado. Estou muito feliz com o Grande Prémio Ciência Viva que a Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica me atribuiu. Agradeço ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e meu amigo Manuel Heitor a presença aqui.  Não é só o Infarmed que vem para o Porto, o ministro também vem...Agradeço na pessoa da Rosalia Vargas à Ciência Viva e ao Montepio Geral, e agradeço a todos os que me honram hoje com a sua aconchegante presença, e também aos muitos colegas e amigos que não podem cá estar hoje e que me endereçaram felicitações. Agradeço aos meus colaboradores ao longo dos anos, aqui tão bem representados pelo João Paiva, pela Regina Gouveia e pelo David Marçal. Agradeço à minha família, em particular à minha mulher.

Este prémio é um estímulo para prosseguir a vida que escolhi nas áreas da educação e investigação da ciência e da difusão da cultura científica. A ciência cedo me seduziu no percurso escolar e tudo tenho feito e tudo continuarei a fazer para mostrar como a ciência é uma senhora extraordinariamente atraente. E quanto mais próxima mais atraente é. Atraiu-me a mim e pode atrair mais gente. A ciência baseia-se na curiosidade, que todos temos, e no espírito crítico, que todos devíamos ter. A comunicação da ciência consiste em avivar a curiosidade e alimentar o espírito crítico. São estas duas atitudes que a Ciência Viva, uma ideia desse notabilíssimo  português que foi José Mariano Gago, tem desde que foi fundado procurado fomentar. Na Universidade de Coimbra fundei com a sua ajuda um Centro Ciência Viva, que tem o nome de Rómulo em homenagem a Rómulo de Carvalho, o professor de física e química, historiador, divulgador de ciência e poeta que hoje, se estivesse vivo, comemoraria 111 anos. Num poema de António Gedeão intitulado “Poema do Alquimista” [(um dos “Poemas Póstumos”, uma vez que Rómulo resolveu a certa altura ressuscitar António Gedeão depois de o ter deixado morrer)] ele diz, depois de elencar tudo aquilo que o alquimista de Duesseldorf queria, a pedra filosofal, o elixir da longa juventude e outras coisas que tais:

“Eu não sou o alquimista de Duesseldorf!
Eu não quero tudo.
Eu quero apenas,
Apenas transmutar esta chatice em flores.”

 [Tem para mim um significado especial o facto de o prémio ser atribuído num outro centro Ciência Viva, o Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, uma universidade onde tenho bons amigos. E, dentro da Universidade, o prémio é entregue na casa que foi da grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen. A Ciência Viva procura disseminar ciência, derrubando as falsas barreiras que subsistem entre as ciências e as humanidades, entre a cultura científica e a cultura artística. Numa entrevista ao Público, publicada no dia em que completou 90 anos, pouco antes de falecer, Rómulo de Carvalho afirmou que "Humanidades e ciência é tudo a mesma coisa pois são, apenas, maneiras de procurar conhecer na sociedade e na Natureza o que é que se passa". ]

O Prémio agora atribuído reforça o meu ânimo para continuar nessa tarefa, que partilho com muitos amigos da ciência, de ligar a ciência com a sociedade.  Citando Rómulo: de “Transmutar esta chatice em flores.” A ciência está ou deve estar espalhada pela sociedade. È de todos e, por isso, deve ser dada a todos. Gostava de poder continua a ser uma espécie de almocreve, uma expressão que ouvi a Paulo Quintela quando recebeu um prémio na Biblioteca Joanina. Gostaria de levar a ciência a todos tal como um almocreve leva a sua mercadoria nos alforges por montes e vales. Se o que gosto de fazer ainda por cima é premiado, tanto melhor. Conforme afirmou o presidente americano Theodore Roosevelt no início do século XX (não estavam decerto à espera que citasse Trump!) disse um dia “Far and away the best prize that life offers is the chance to work hard at work worth doing.”  Lembro que Roosevelt além de político foi também explorador e naturalista.

Sinto-me “aos ombros de gigantes” daqueles que antes de mim receberam o prémio: Guilherme Valente, na 1.ª edição do prémio), Galopim de Carvalho, Jorge Paiva, Manuel Paiva e Manuel Sobrinho Simões. Estou certo que não me levam a mal que destaque por ser o primeiro – e já agora foi também o primeiro e até agora único não cientista a receber o prémio – o meu amigo Guilherme Valente, que fez questão de aqui estar comigo e connosco. Ele, tem sido, como disse no meu mais recente livro que escrevi com David Marçal (“A Ciência e os seus Inimigos”), um “campeão da democracia e da cultura científica”, por saber que a democracia e cultura científica são ou pelo menos devem ser íntimas. Lembro-me, porque estava no Pavilhão do Conhecimento, no dia 24 de Novembro de 2012, do José Mariano Gago, presente de forma muito recatada na plateia, deu um abraço apertado e sentido ao Guilherme. Era um abraço não só dele mas de nós todos a um editor valente. Hoje fala-se muito de “Ciência Aberta” da Gradiva – o governo até tem esse nome num programa que eu apoio inteiramente-, mas foi o Guilherme que entre nós, sob a forma de livro, abriu a “Ciência Aberta” em 1982, 30 anos antes do seu prémio. Para mim é um grande orgulho poder continuar a editar a colecção que ele iniciou e me legou no número 200, intitulado “Ciência e Liberdade”. Sim, ciência é liberdade, tal como poesia é liberdade. Com os livros tornamo-nos mais livres. Afirmou Sophia do modo sábio que era seu timbre (ou ela não se chamasse Sophia), escreveu um poema em 1977, pouco depois da Revolução de Abril, no livro “O Nome das Coisas”, que se intitula “Liberdade”:

“O poema é
A liberdade

[Um poema não se programa
Porém a disciplina
— Sílaba por sílaba —
O acompanha

Sílaba por sílaba
O poema emerge
— Como se os deuses o dessem
O fazemos
.”]

Para finalizar quero deixar uma palavra às minhas companheiras de prémio, todas elas mulheres. Os prémios deste ano foram recebidos por Isabel Martins, professora da Universidade de Aveiro que dedicou toda a sua vida à didáctica das ciências, e para as jornalistas Teresa Firmino e Filomena Naves, minhas amigas, que, nos seus jornais e nos seus livros, têm realizado um trabalho extraordinário de difusão de ciência. Têm, pegando de novo nas palavras de Rómulo, “transmutado chatice em flores”. A comunicação da ciência faz-se na escola, essa extraordinária invenção que a humanidade criou para assegurar o seu futuro, mas faz-se também e nos tempos de hoje cada vez mais através dos meios de comunicação social. A escola é essencial. Mas os jornalistas são intermediários insubstituíveis numa comunidade que quer ser livre. Eles ajudam-nos a manter o nosso irrenunciável direito e propósito de liberdade.

 Este Prémio Ciência Viva só me indica um caminho e um compromisso, que tomo aqui publicamente: mais ciência, mais ciência viva, mais liberdade.

 [Os excertos entre [ ] foram omitidos por uma questão de brevidade]

2 comentários:

regina disse...

Caro Professor
A minha colaboração foi sempre muito modesta pelo que me sensibilizou a sua generosidade ao incluir-me nos seus colaboradores.
Felicito-o mais uma vez pelo prémio que tão justamente lhe foi atribuído
Regina Gouveia

Anónimo disse...

Muitos parabéns ao Professor Carlos Fiolhais, bem como à sua equipa de colaboradores mais próximos que, com muita dedicação e trabalho, souberam alcandorar a divulgação científica a patamares de audiência nunca antes alcançados. Enquanto nas escolas secundárias, disciplinas como Física, ou Química, autonomamente consideradas e nomeadas sem o apodo oficial e humilhante de físico-química, são de escolha opcional, mesmo para quem pretenda prosseguir estudos em faculdades de ciências, e com uma carga horária de 3 (três) horas por semana, a equipa fantástica do Professor Fiolhais espalha aos quatro ventos ciência viva pelas massas deslumbradas.
Atualmente, os jornalistas, sendo licenciados, mestres e doutores, serão muito competentes para ensinarem ciência ao povo, mas, sem os professores e a escola, o povo não vai aprender!

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