quinta-feira, 9 de novembro de 2017

FARDOS DE FOME!



Com o sugestivo título “Quem deve pedir desculpa?”  foi publicado, ao sétimo dia deste mês de Novembro, um corajoso  e notável artigo de opinião de Guilherme Valente, no Jornal “Público”, reproduzido no DRN nesse mesmo dia, de que destaco os primeiro e terceiro parágrafos iniciais:
"O discurso do arrependimento do Ocidente é esclerosante. É preciso libertar-se dele e pensar para além da vitimização. [...] A pergunta que devemos colocar a nós próprios não é: porque sou mal acolhido; mas é: porque parto, porque deixo a minha terra." 
O discurso de vitimização de africanos e islâmicos já não se pode ouvir. É hoje um contra-senso que funciona como desculpa para elites e governantes não assumirem a responsabilidade que há muito lhes cabe na situação endémica dramática em que vivem a maioria das sociedades e povos da África e do Médio Oriente”.
 Tão-só pelo meu grito de alma de nascido em Luanda e como uma vivência de 18 anos de Lourenço Marques, filho de pais que viram a luz do dia na então chamada Metrópole (daí em ter-me, como costumo dizer, com amarga ironia, não como retornando, mas como refugiado político), embora a anos-luz do notável documento académico de natureza histórica, de Guilherme Valente, em resposta a um artigo lamurioso  de Elísio Macamo, professor moçambicano numa universidade suíça, sob a presença portuguesa em África, não resisto, pela repetência de ambos os “libelos, de Elísio Macamo e de Machado da Graça, jornalista moçambicano, pessoas com estudos para terem uma visão mais condizente com a realidade dos factos que não podem ser distorcidos a bel-prazer de ambos, trago à  colação uma carta por mim subscrita, com o título em epígrafe (“Público”, 22/09/90), em  que escrevi: :
“No limiar dos quinhentos anos da de demanda de Vasco da Gama à Terra da Boa Gente (Inhambane/Moçambique), de miscigenação e convívio lado-a-lado em ambiente de trabalho, entre brancos e pretos, que nos tornaram excepção dos povos que nunca se enraizaram em África, escreve o sr. Machado da Graça, jornalista moçambicano (“Público”, 30/07/90): (…) “não pude deixar de pensar na velha imagem cultural duma longa fila de negros transportando à cabeça os fardos do homem branco”, etc! 
 Recorda o sr. M.G. um passado perdido no tempo. Vivo, eu, o presente: segundo fontes oficiais, morreram mais de 600.000 pessoas em Moçambique, de 75 para cá!
Inverto as nossa posições. Para ele (1990), o analfabetismo moçambicano é de 97 por cento!  De acordo com a revista “Jeune Afrique” (1972), Moçambique possuía maior índice de escolarização do que grande parte dos estados africanos!

Não será essa a percentagem de famintos e de mortos, depois da independência de Moçambique? Contas bem feitas, dos 3 por cento restantes  um de férias bem burguesas, em Portugal – o sr. Machado da Graça.

Lá longe, em sua terra distante, incontáveis mães pretas, banhadas em pranto, mão trémulas e fracas, seios caídos, quais odres vazios, abraçam em despedida os filhos que, em lenta e esfaimada agonia, lhes morrem nos braços esqueléticos - que o sangue do sofrimento não alimenta como o leite materno!

Nesse preciso momento, o sr. M.G, segundo o seu próprio dizer, “pega na toalha e volta para a beira-mar, que lá é que se está bem”!...” (fim de citação).

Este “Mar Português”, de Fernando Pessoa, merecia o respeito dos senhores Elísio Macamo (em nome de factos históricos) e de Machado da Graça (mar em que ele se banhou na costa portuguesa). A propósito, recordo-lhes (ou se for caso disso, dou-lhes a conhecer) versos pessoanos:
“Ó mar salgado, quando do teu sal
São lágrima de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezarem!

Quantas noivas ficarem por casar
Para que fosses nosso. Ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem passa além do Bojador
Tem que passar além da dor
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”

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