Informação editorial sobre um livro do Desidério Murcho:
"Há
 mais coisas nos céus e na terra, Horácio, do que sonha a tua 
filosofia", declara Hamlet na peça de Shakespeare. Contudo, quando se 
aproxima o Verão português, é mais justo dizer que há mais filosofia 
debaixo do Sol do que sonham os nossos veraneantes. É uma ironia subtil 
que a imprensa cultural portuguesa reaja ao Verão armada de policiais, 
quando a filosofia nasceu há 2500 anos num país cujo clima estival é 
muito semelhante ao nosso: a Grécia. "Filosofia" e "Verão" não rimam, 
dizem-nos. Contudo, parecem não apenas rimar como ser congéneres.
A
 filosofia não é senão o estudo de problemas que podemos caracterizar 
como "conceptuais". A filosofia não é sociologia de café, nem psicologia
 especulativa, nem poesia em prosa. A filosofia ocupa-se de problemas 
para os quais não há métodos formais ou científicos de solução. 
Problemas como a natureza da existência e da verdade, do bem moral e do 
conhecimento; e problemas mais concretos como a eutanásia ou o aborto, 
os direitos dos animais ou a natureza da arte.
O
 coração da filosofia é a argumentação, e por isso o conhecimento da 
lógica, formal e informal, é uma condição sem a qual não é possível 
estudar filosofia. Não basta proferir um pensamento filosófico para ele 
poder ser aceite como moeda legítima; é preciso que esse pensamento 
resista ao nosso melhor olhar crítico. Que razões há em seu favor? E que
 razões há contra ele?
Tomemos
 um exemplo: a ideia muito popular de que "tudo é relativo". A filosofia
 liberta-nos do dogmatismo que consiste em repetir sem pensar que tudo é
 relativo só porque está na moda pensar que tudo é relativo. A filosofia
 permite-nos dar um passo atrás e olhar criticamente para os nossos 
preconceitos culturais. Que razões temos para pensar que tudo é 
relativo? E são essas razões também elas relativas? Mas nesse caso tanto
 podemos aceitá-las como não as aceitar e portanto a ideia de que tudo é
 relativo não consegue desalojar a ideia contrária — que é a ideia de 
que algumas coisas não são relativas, e não a ideia plausivelmente falsa
 de que nada é relativo. Argumento e contra-argumento, exemplo e 
contra-exemplo — é este o coração da filosofia, que nos devolve o gosto 
pelo pensamento sem peias, pela tentativa inelutável de resolver 
problemas, melhorar teorias, encontrar argumentos. O que se pode 
perfeitamente fazer à beira-mar, conversando com outro ser humano. Ao 
Sol.

 
 
 
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