sábado, 17 de junho de 2017

O que significa educar e ensinar sem pais e sem professores?

Massimo Recalcati, psicanalista, professor e também ensaísta italiano, tem interrogado as bases da denominada “hipermodernidade” e os caminhos (ou becos) aonde ela nos conduz.

Em finais de 2016, deu a conhecer, em livro, a análise que, com base nesse conceito, faz da educação, em geral, e da educação escolar, em particular. Publicado agora em Espanha, com o título La hora de clase. Por una erótica de la enseñanza, esse livro tem sido pretexto para entrevistas.

Retiro extractos de uma delas, feita por Olga Sanmartín e saída, há quase duas semanas, no jornal El mundo
Recalcati parte de algo que não é novo: a crise na educação, mas detém-se no discurso que confere identidade a esta crise. Isso, como “sinal do tempo”, é que é novo.
Nesse discurso consta, por exemplo, a ideia de que os mais jovens são, à partida, livres e autónomos, o que significa, muito simplesmente, negar a função educativa de pais e professores. Também consta a ideia de que aprender não requer esforço, acontece que estudar não é a mesma coisa que estar no twitter, exige muito tempo a pensar, constância, dedicação, empenho. Só assim se consegue chegar a perceber a beleza do conhecimento, a abertura de novos mundos e é aí que está a emoção. 
Não, pois, é o filho, o aluno que tem de aprender a relacionar-se com a realidade; é a realidade que tem de se submeter aos seus caprichos, vontades e exigências; afinal, ele o rei da família e da escola. Trata-se de uma “metamorfose antropológica” sem paralelo, nem mesmo com a de Maio de 68. Nessa, os jovens rebelaram-se contra pais e professores, agora não têm contra quem se rebelar. 
Tudo isto encaixa na propaganda de que a verdade não importa por aí além. Começando a revelar-se em tudo, faz decair, perversamente, o poder, pois deixa de haver razões e valores. Quando as referências colapsam e o híper-hedonismo triunfa, a autoridade dos pais e dos professores tende a diluir-se. 
Tal como Arendt havia predito pelos anos de 1950, “foi quebrado um pacto geracional”: pais e professores não unem esforços para educar os mais jovens. Essa falta de união traduz-se muitas vezes no facto de os pais se aliarem frequentemente aos filhos contra os professores; “transformaram-se em sindicalistas dos seus filhos”. 
É precisamente contra isso que os professores têm de lutar. 
Mas, de que modo se estão cada vez mais sós e humilhados? Relembrando o álbum The Wall dos Pink Floyd, Recalcati diz: “já não são os alunos que esperam em fila para serem triturados pelo sistema, agora são os professores que são consumidos por ele”. 
De que modo, se o currículo muda constantemente, suprimindo-se as disciplinas estruturantes em favor da tríade “informática, inglês e empresa”, guiada pela “filosofia das competências e do fácil acesso à informação”? Se as humanidades desaparecem e com elas o sentido da própria linguagem, da palavra? Se o mito da produção e do rendimento projecta constantemente a sua sombra? 
“A única forma de resistir é não perder o desejo de se ensinar o que se ensina. E relacionar-se com colegas para se sentirem menos sós”. 
E, sobretudo, não deixar desqualificar a escola, não deixar abalar as suas bases como instituição social. Um espaço que permita tempo improdutivo mas fecundo, onde se possa, por exemplo, dedicar toda uma tarde a ler juntos uma poesia. 
O professor tem de voltar a ver-se como aquele que desperta a paixão pelo conhecimento, pela cultura, porque essa é a única vacina que pode salvar a vida dos nossos jovens. A dependência de drogas, do álcool, da internet, o isolamento, a anorexia... são manifestações de um vazio. A função preventiva da escola face a riscos, como o da dissipação e da violência, deve ser encarada seriamente pelos professores. 
Pois, quem mais o pode fazer?

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