“sem esforço não se aprende; esforçar-se não é sofrer;
há que conservar o que é valioso e inovar a partir do
que conhecemos, baseando-nos na evidência e na experiência;
o fim da escola não pode ser a felicidade mas o conhecimento”
Alberto Rojo, 2017.
Alberto Rojo é um professor espanhol, de Música, que, na linha de pensadores como Zygmunt Bauman, se detém em características que marcam a sociedade actual – como sejam, o efémero, o rápido, o superficial – e que se percebem nas mais diversas esferas da nossa vida, com destaque para a educação escolar.
Publicou recentemente mais um livro – A sociedade gasosa – onde desenvolve este cenário e que constituiu pretexto para uma entrevista realizada por Carlota Fominaya (aqui).
Tomámos a liberdade de extrair (e traduzir) dessa entrevista tudo aquilo que se refere à educação escolar por se nos afigurar ser (mais) um contributo de especial interesse para uma discussão aberta e racionalmente equilibrada que urge ser feita também em Portugal.
Maria Helena Damião & Isaltina Martins
P: Multiplicam-se os especialistas que oferecem uma visão inovadora da educação, na qual se detecta uma permanente procura da felicidade do aluno. A relação entre aprendizagem e felicidade é assim tão importante?
R: Por vezes, nós, os que defendemos a cultura, o conhecimento, o esforço e a exigência permitimos que determinados gurus e supostos especialistas se apropriem de conceitos tão importantes como a emoção ou a beleza, que são inerentes ao conhecimento. Permitimos-lhes que vinculem o saber ao sofrimento, à frieza e ao aborrecimento, quando não há nada mais apaixonante do que aprender. A emoção não pode desligar-se do conhecimento. É através do conhecimento e da emoção que provoca que podemos apreciar o que é belo. É difícil desfrutar com profundidade de algo belo, sem ter um certo conhecimento. Por isso discuto esse empenho em fazer alunos e filhos felizes. Quem não quer que eles o sejam? Mas, acontece que uma escola não é uma clínica terapêutica, nem um espaço de ócio, nem de autoajuda; é um lugar onde se transmite conhecimento e cultura. E há que destacar que o conhecimento e a cultura não nos fazem infelizes! Não devemos admitir que a escola se converta noutra coisa. Não podemos ceder ante a voragem anti-intelectual e fomentadora da mediocridade que impera. Temos de continuar a defender aquilo em que acreditamos, ainda que as convicções nos possam trazer inimigos. O surpreendente é que estas figuras da «educação-espectáculo», poucas vezes são professores. Elaboram teorias peregrinas para que nós, professores, as apliquemos (…).
P: Na actualidade temos uma situação muito paradoxal: parece que a sociedade desconfia dos professores, mas delega por completo na escola a educação dos mais jovens, esperando que esta os devolva educados e com valores.
R: Há uma desconfiança generalizada entre todos aqueles que intervêm neste processo tão amplo que se designa por educação. Os pais desconfiam dos professores, a sociedade desconfia dos professores, os professores desconfiam dos pais, os políticos e os professores desconfiam uns dos outros… É preciso que nos ocupemos cada um da parcela que lhe está confiada e que confiemos que o outro está a fazer bem, talvez (…) possamos assim evitar que os mais jovens fiquem a perder. Volto às convicções: sem esforço não se aprende; esforçar-se não é sofrer; há que conservar o que é valioso e inovar a partir do que conhecemos, baseando-nos na evidência e na experiência; o fim da escola não pode ser a felicidade mas o conhecimento porque os pais podem fazer o possível por proporcionar felicidade aos seus filhos (e isto não é garantia de que sejam felizes), mas na escola devem aprender o que os pais, por motivos óbvios, não lhes podem ensinar. Deve ser o conhecimento a desencadear a motivação e não o contrário (…); o aluno, mesmo o mais capaz (…) necessita de se esforçar; e não pode manifestar pensamento crítico sem ter adquirido conhecimento (…); uma pessoa que não sabe nada não pode ser autenticamente criativa; etc. Penso que se não estivermos de acordo em relação a aspectos tão essenciais como estes, temos um problema sério.
P: Nos seus escritos é muito crítico com aqueles que defendem uma nova educação que requer saberes e ferramentas distintas das tradicionais.
R: Creio que é importante insistir no facto de os saberes não prescreverem. Não são produtos perecíveis, ainda que seja preciso estar atento às novas ferramentas, claro. Mas, precisamente nestas circunstâncias “tão mutáveis”, de que todo o mundo fala, é ainda mais importante ter convicções e agarrarmo-nos aos saberes permanentes e às evidências nos processos de aprendizagem, em vez de querermos ser sempre tão “modernos”, deixando-nos seduzir pelos cantos de sereia da neuropedagogia [por exemplo] (…) Quanto às ferramentas, ninguém nega que os avanços tecnológicos são proveitosos, mas isso não nos pode levar a prostrarmo-nos perante eles e pensar que nos permitem renunciar ao esforço ou ao trabalho individual. É fantástico poder aceder à versão interactiva de Dom Quixote na página web da Biblioteca Nacional, à música da época (…) mas continuamos a precisar das nossas capacidades de atenção, constância e memória e também de conhecimentos, sem os quais é impossível que alguém possa aprender por si mesmo, apenas com acesso à internet. Por isso, o papel do professor é crucial: um professor que saiba quanto mais melhor (recordemos a máxima da escolástica medieval: Primum discere, deinde docere) e que queira ensinar o que sabe com entusiasmo de modo a despertar nos alunos o querer saber cada vez mais. O que acontece é que aqui há muitos interesses (também económicos) que se traduzem no comércio de produtos “milagrosos” que quase sempre recorrem à estratégia do fácil e do cómodo, bem como à técnica de marketing de desprezar o tradicional sem nenhum critério, envolvendo-o num halo fantasmagórico, para criar a necessidade de adoptar aquilo que interessa vender e que, no fundo, mostra muito pouco respeito intelectual pelos alunos. Estamos na era da pós-verdade, e também da pós-educação, da educação entendida como espectáculo. Há que dizer claramente que não é possível aprender sem pagar um preço, mas este preço é muito menor do que o de quem faz comércio com a educação (…). Nada daquilo que defendo é incompatível com o poder desfrutar da aprendizagem nem exclui, bem pelo contrário, que o professor se aproxime dos alunos e os trate de forma afectuosa, precisamente porque o professor que considera que os seus alunos merecem ser pessoas cultas e formadas é o que mais apreço demonstra por eles.
P: Uma das novas correntes contesta a aprendizagem de memória. Muitos adolescentes ou pais perguntam-se para quê estudar os rios (…) se logo se vão esquecer deles.
R: Temos de começar por entender uma coisa: não há transformação importante no cérebro humano que dispense o esforço, isto não sou eu que o digo, é um neurocientista, Mariano Sigman, que defende que isso é importante “não pelo mero facto de recordar para sempre os rios mas para exercitar a memória”. Nada pode substituir o esforço individual.
P: Hoje é também habitual ouvir muitas teorias sobre a motivação e o prazer como dois dos factores principais na aprendizagem.
R: De facto a motivação é importante mas não é o único factor a intervir na aprendizagem. É o conhecimento que deve desencadear a motivação [não podemos sentir-nos motivados por algo de que nada conhecemos e o prazer não deve substituir os conteúdos] (…). Claro que o professor deve procurar que a sua disciplina seja atractiva, aproximando-a, de alguma forma, dos interesses e do contexto dos alunos, seleccionando as actividades que podem prendê-los, mas com isto não se pode banalizar o conhecimento (…) o poder que ele, por si mesmo, tem para deleitar. E nunca se pode esquecer que o prazer por aprender surge com o envolvimento no estudo. Condicionar tudo ao desfrute (…) imediato e superficial (…) é um erro e uma má lição de vida para os nossos alunos. Temos de os convencer de que aprender algo que não lhes desperte interesse à partida também é bom, pois hão-de encontrar-se muitas vezes em situações não desejadas que têm de enfrentar.
P: E o que tem a dizer do lúdico na aprendizagem, que tanto se apregoa hoje em dia?
R: Quando digo que aprender implica esforço, não falo de sacrifícios desumanos nem de sofrimentos inadmissíveis. E o que implica algum esforço tem mais valor para nós, pois a satisfação de conseguirmos algo é maior do que quando nos dão as coisas já feitas (…). Aqui há que distinguir bem algo que nem sempre se faz: as etapas educativas e a idade dos alunos. Na educação infantil o lúdico tem todo o sentido, no ensino primário o jogo pode ter interesse, mas no ensino secundário, onde se devem aprofundar os conteúdos nem tudo pode ser lúdico, ainda que possa utilizar-se o jogo como recurso, coisa que todos fazemos (o que é improvisar música se não jogar?).
P: No livro La sociedad gaseosa recorre à ideia (…) de falta de maturidade.
R: (…) Os nossos alunos são super-protegidos (…) em lugar de os ensinarmos a enfrentar as dificuldades, ensinamo-los a evitá-las (…) É óbvio que nenhum professor quer que os seus alunos se sintam mal na aula, mas a sua responsabilidade é ensiná-los (…).
P: Alguns especialistas falam do papel do professor como «dinamizador», ou como alguém que se adapta às necessidades dos alunos do século XXI.
R: Sim, querem que o professor seja uma espécie de médium (…). O que um bom professor tem de fazer é abrir os olhos dos seus alunos para um mundo desconhecido (…). Entendo o ensino de uma forma muito distinta daquela em que o aluno é o centro, tendo o sistema de se adaptar a ele. A minha posição é que, com recursos e total envolvimento, há que conseguir que pouco a pouco sejam os alunos a adaptar-se à escola. Quando terminarem a escola, a universidade... vai adaptar-se o mundo a eles?... ou vão adaptar-se eles às situações que vão encontrando?... Falo já não apenas em transmitir conhecimentos mas também em proporcionar-lhes ferramentas que lhes vão ser úteis. Coloquemos-lhes desafios e ajudemo-los a superá-los.
P: O seu livro é híper crítico quanto às novas modas pedagógicas, em concreto em relação à teoria das inteligências múltiplas, ao «brain-gym», à inteligência emocional…
R: Na minha opinião, muitas das novas práticas docentes promovidas por essas modas podem ser muito prejudiciais. É difícil encontrar uma base científica para elas. São efeito placebo, pura homeopatia pedagógica. Há algo que me parece especialmente grave: que algumas delas nos sejam vendidas como garantia da igualdade ou de ajuda a alunos em dificuldades, procurando fazer crer que quem as contesta apenas está preocupado com os melhores. Isso é redondamente falso. De facto, está mais que demonstrado que baixar o nível de exigência tem efeitos negativos sobretudo junto dos alunos com mais dificuldades, isto ao mesmo tempo que promove a percentagem de alunos medíocres e é injusto com os brilhantes.
P: É o “nivelamento por baixo”. Como deve ser, então, um bom sistema educativo?
R: Um bom sistema educativo deve permitir que cada aluno, independentemente da sua capacidade, possa desenvolver ao máximo o seu potencial, proporcionando o apoio de que necessite àquele que tenha mais dificuldades (…). O que não podemos é admitir teorias mais sedutoras mas não reais como a das inteligências múltiplas, só porque se nos afigura mais cómodo pensar que todos somos inteligentes em algo. Há uma inteligência (…) ainda que possamos ter mais habilidade para umas actividades do que para outras (…).
P: Que opinião tem em relação à correntes que advogam a supressão de exames (…)?
R: O que vejo novamente é uma absoluta desconfiança. O professor não avalia de uma forma arbitrária, nem atira os exames ao ar para ver quantos caem de um lado e de outro. Nem, tão pouco, é só o exame que decide a nota do aluno. Avaliar é o modo como o professor, a partir da sua posição autorizada e de profissional de ensino, se pronuncia sobre se o aluno adquiriu os conhecimentos que devia ter adquirido. Não vejo aqui nada de traumático (…).
3 comentários:
Nem sei como poderia passar sem estas opiniões.
Assim não vamos lá. Os pseudopedagogos a criticar os outros, sem se verem ao espelho? Que grande confusão de redundâncias e de lugares comuns! Há que, basicamente, estabelecer os princípios científicos das aprendizagens (plural). Há que ser claro, em vez de lançar a confusão. Palavreado é palavreado, mas é preciso mais, muito mais.
O autor do livro é professor, não pedagogo (de formação académica). Isso não faz muita diferença, pois o que escreveu poderia ter sido escrito por um pedagogo. O que importa é saber se as ideias para as quais chama a atenção estão ou não certas. Por isso, devem ser discutidas entre professores, pedagogos e outras
pessoas empenhadas na educação.
Reforço: apesar de certas ideias se imporem como dogmas não quer dizer que estejam certas e que contribuam para o que é fundamental: levar os nossos alunos a pensar.
Maria Dulce Ribeiro Marques da Silva
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