terça-feira, 20 de junho de 2017

HÁ ÂMBAR E ÂMBAR

Texto do Professor Galopim de Carvalho.

Âmbar
O âmbar ou resina fóssil é um produto de oxidação de substâncias de origem orgânica. Tem cor amarela-acastanhada ou avermelhada, é transparente e parte com fractura conchoidal, lembrando o pez.

O mais antigo âmbar foi encontrado em formações do Triásico, com mais de 200 milhões de anos, mas conhecem-se resinas fósseis ainda mais antigas, no Carbonífero e no Pérmico. As mais divulgadas são as da região do Báltico e resultaram de acumulação de resina de coníferas no Eocénico, com cerca de 40 milhões de anos.

O âmbar, tão do conhecimento geral das pessoas, como matéria-prima em bijuteria e joalharia, tornou-se ainda mais conhecido depois do sucesso cinematográfico que fez história com o nome “Jurassic Park”, a versão mais mediática da obra homónima de Michael Crichton. Toda a gente ficou a saber que há insectos aprisionados no âmbar e que o âmbar é uma resina fóssil. A outra parte da história deste filme é ficção científica, bem condimentada, mas é apenas isso.

O âmbar do Báltico, ou succinito. (do latim succinum, com idêntico significado), foi alvo do interesse dos homens do Neolítico. Temos provas da sua procura e utilização intensiva nos séculos XVI e XVII. Do seu estudo, na região da Península de Sambia, por geólogos alemães, no século XIX, quando se iniciou a sua exploração industrial, ficámos a conhecer tratar-se de um tipo particular de depósito sedimentar com cerca de 40 Ma, associado a uma vasta estrutura deltaica oriunda da Escandinávia, espalhada em leque, na parte sul do actual mar Báltico.

O âmbar aqui contido nas “argilas azuis” (blue earth) encontra-se também disperso, por desmantelamento desta unidade, nos depósitos do litoral da Alemanha, Polónia, Lituânia e outros países do sul do Báltico, para onde foi transportado por acção fluvio-glaciária durante o Pleistocénico, sendo hoje também aí explorado. A transformação diagenética da ou das resinas originais no produto fóssil envolve a perda de substâncias voláteis e processos químicos de polimerização, oxidação e outros, com participação activa e reconhecida de bactérias.

Na sua composição elementar participam carbono, hidrogénio, oxigénio e enxofre em muito pequena percentagem (0,5 a 1%), elementos que, sabe-se hoje, fazem parte da macromolécula do âmbar. A dureza, na escala de Mohs, varia entre 2 e 2,5, a densidade oscila à volta de 1 (um) e o índice de refracção está compreendido entre 1,539 e 1,542. Torna-se plástico a 250 ºC e funde a 287–300 ºC. Estudos recentes, com utilização de espectrometria de infravermelhos, revelam grande semelhança entre esta resina fóssil e a resina actual de Cedrus asiatica. Outras investigações apontam uma certa identidade química com a resina de Agathis australis, uma araucária de grande longevidade.

Aprisionadas no succinito do Báltico foram referenciadas mais de duzentas e cinquenta espécies vegetais, como líquenes, fungos, musgos, flores e frutos diversos, sementes, pólens e esporos. Tal diversidade aponta para florestas de montanha numa latitude então subtropical a tropical, como são actualmente as das regiões montanhosas do sudeste asiático, dominadas por coníferas, as responsáveis pela anormal produção de resina que, sedimentada e afundada, evoluiu diageneticamente para âmbar. Várias espécies de árvores devem ter concorrido nesta produção e a elas se deu o nome colectivo de Pinus succinifera.

Do reino animal são igualmente muitas as espécies preservadas no âmbar. Variadíssimos artrópodes, formigas, mosquitos, aranhas, etc., etc., e até pequenos vertebrados (lagartos) têm sido encontrados e estudados nos seus mais ínfimos pormenores, anatómicos, histológicos e genéticos. Na região báltica, além da variedade succinito, a mais conhecida, identificaram-se outras como gedanito (de Gedanu ou Gdansk), amarelo e translúcido, beckerito, castanho, stantienito, preto, glessito, alaranjado, e gedano-succinito, também conhecido na Ucrânia. Há ainda o goitschito, branco e opaco, e o zygburgito. Fala-se ainda da variedade colophony, de que se conhece um bloco com 230 kg dragado no mar Báltico.

Uma moderna via de classificação do âmbar baseia-se nas características dos principais constituintes orgânicos, num grau de especialização que transcende o carácter geral que aqui se apresenta. Há outras ocorrências de âmbar na Europa, fora da chamada “Bacia Eocénica do Noroeste da Europa”. Entre as mais importantes contam-se as eocénicas da Ucrânia (Delta do Klesov), as do centro da Alemanha, de idade miocénica, cujo succinito é amplamente utilizado como gema e conhecido por “ouro da Alemanha Central”, em Bitterfeed. Também do Miocénico, existe succinito nos Cárpatos da Polónia e da Ucrânia e no sedimento silto-argoloso (limon) do Miocénico superior da mina de enxofre de Machow (Polónia).

Copal
Ao contrário do âmbar do Báltico, o do Miocénico carpatiano é mais rico de enxofre, ultrapassado os 3%, contra os 0,5% daqueles. O âmbar dominicano (da República Dominicana, que inspirou a ficção de “Jurassic Park”) é uma resina incompletamente fossilizada que invadiu o mercado mundial, sob o nome genérico de copal.

O copalito é a resina fóssil das argilas azuis dos arredores de Londres. O simetito ou âmbar siciliano e o rumanito, resina fóssil encontrada na Roménia e nas Sacalinas, são conhecidos na joalharia antiga. O burmito, da Birmânia, muito semelhante ao glessito, teve grande procura na China.

Mais recentemente, o âmbar de Bornéu, encontrado em Sarawak, revelou-se com reservas superiores às do Báltico. Há, ainda o ambrito, resina fóssil da Nova Zelândia, semelhante ao âmbar. São, ainda, conhecidas ocorrências de âmbar nas Américas do Norte e do Sul e em África. Além dos restos orgânicos, as resinas aprisionaram bolhas do ar atmosférico seu contemporâneo, ar que podemos libertar e estudar no que respeita a composição gasosa.

Este estudo deu a conhecer que o teor de oxigénio do ar no Cretácico superior era de 30%, passando para 21% durante o Paleogénico, valor a que voltou, no presente, depois de uma pequena descida durante o Miocénico inferior. Nota: Copal – termo do nauatle (língua da América do Sul), que significa resina. Assim se chamavam as resinas que se queimavam nos templos.

A. Galopim de Carvalho

1 comentário:

Cisfranco disse...

Extraordinário trabalho do Sr Prof Galopim, como alíás todos os que publica. É uma delícia lê-los. Votos de muitas publicações.

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