sexta-feira, 30 de setembro de 2016

JOGOS OLÍMPICOS E ACTIVIDADE FÍSICA


“Não troco um êxito desportivo, de repercussão internacional, de um atleta ou de uma selecção, pelo prejuízo da falta de iniciação desportiva de alguns milhares de rapazes e raparigas das nossas escolas do ensino primário”. 
José Esteves

No rescaldo dos últimos Jogos Olímpicos, referencio o artigo do Público (21/08/2016), de Pedro Teixeira, professor da Faculdade de Motricidade Humana  e  director  do Programa Nacional de Promoção da Atividade Física da Direcção-Geral da Saúde (nomeação que saúdo), intitulado “Atividade física: um novo sinal vital de saúde”. 

Suscitou-me este artigo umas tantas reflexões sobre uma temática que mereceu a minha atenção em conferência por mim proferida na Sociedade de Estudos de Moçambique (1973), enquanto presidente da respectiva Secção de Ciências, intitulada “Educação Física: Ciência ao Serviço da Saúde Pública” (publicada no respectivo boletim, vol. 42, nº. 174, Jan./Dez. 1973).

De então para cá, a sociedade portuguesa continua  cada vez mais vitimada por doenças hipocinéticas, a que a televisão e os computadores  deram  uma “preciosa ajuda”, pela inactividade em  sentar, durante horas,  os nossos jovens na escola e em casa  em posições viciosas, quais “ostras fixadas ao rochedo” (Jean-Pierre Gasc). Desta forma, o nosso múnus social tem dificuldade em libertar-se de um platonismo que via no corpo o túmulo em vida da alma, aprisionado, séculos depois, em garras do dualismo cartesiano, procurando, ipso facto, encontrar mais espaço para determinadas disciplinas teóricas sonegando-a à educação física escolar, através do documento “Matrizes Curriculares dos Ensinos Básico e Secundário” (2012). 

Para além de acções de protesto de associações de professores de Educação Física, esta medida mereceu a crítica de uma carta aberta de professores da Faculdade de Medicina da Universidade de  Coimbra, Carlos Fontes Ribeiro, Anabela Mota Pinto, Manuel Teixeira Veríssimo e João Páscoa Pinheiro (o primeiro e o último, igualmente, docentes na Faculdade de Educação Física e Desporto desta Universidade), dirigida ao então ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, de que extraio este excerto: “As acções governamentais deverão ter em conta que a promoção da saúde, na qual se inclui o combate ao sedentarismo, deverá começar cedo sendo a escola um lugar privilegiado para valorizar as atitudes e incutir hábitos de vida saudável que irão nortear o indivíduo ao longo da vida”. 

Face ao exposto, impõe-se a mudança radical de mentalidades  dos que teimam em ver na exercitação física uma fábrica de hercúleos mentecaptos, de entre eles políticos e pseudo-intelectuais  de fato e gravata que, julgando fazer obra asseada e patriótica, se identificam, como almas gémeas, com políticos de antanho de colarinho engomado e bigodes revirados, descritos pela pena impiedosa de Ramalho Ortigão: “Como cultura física indigência igual à sua cultura mental. Se falando metem os pés pelas mãos, calados metem os dedos pelo nariz. Não têm ‘toilette’, não têm maneiras e têm caspa”. É, ainda, a “Ramalhal figura” que, em denodada campanha em prol da exercitação física da juventude, chama a atenção da Câmara dos Pares para um estudo demonstrativo que os exercícios ginásticos são úteis não só ao desenvolvimento físico dos educandos: “Nas escolas inglesas em que se introduziu a ginástica os alunos aprenderam mais e em menos tempo do que naquelas em que a ginástica não existia”. 

Sai reforçada esta constatação da velha Albion por um estudo nacional sobre a ginástica na melhoria da fadiga intelectual de 36 crianças do ensino primário na realização de provas de ditado. De uma forma muito resumida, ficou demonstrado que nos dias em que a prova de ditado era precedida de 15 minutos de ginástica os erros ortográficos dados eram em menor aos dias em que a ginástica não era ministrada. 

Este trabalho, intitulado “Influência do Exercício Físico na Fadiga Intelectual", foi levado a efeito por uma equipa de professores do então Instituto Nacional de Educação Física (actual Faculdade de Motricidade Humana), tendo merecido o segundo prémio científico da prestigiada Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa (1963), atribuído em colaboração com o Laboratório Pfizer, "com o objectivo de contribuir para a dinamização da investigação em Ciências da Saúde em Portugal”. 

Com o velho costume nacional de só nos lembramos de Santa Bárbara quando troveja, em face do desalento de uma única medalha de bronze alcançada nos últimos Jogos Olímpicos, por Telma Monteiro, não me parece ser caso para chorar sobre o leite derramado, mas, isso sim, estudar as medidas seguidas pelos países mais medalhados, mesmo em tempos de euforia pelo primeiro lugar alcançado pelas cores nacionais no último Campeonato Europeu de Futebol (2016).  Ainda que mesmo sabendo-se que o chamado "desporto-rei" deverá ser referenciado como espectáculo, na opinião desse inesquecível professor de Educação Física (antigo bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian), percursor da Sociologia Desportiva portuguesa, de seu nome José Esteves. Espectáculo que movimenta hoje multidões e quantias astronómicas gastas com transferências de jogadores, numa espécie de mercado de escravos pagos a peso de ouro.

E numa letargia dos nossos políticos, responsáveis pelo pelouro da Educação, em que os maiores sacrificados têm sido os nossos escolares por escassearem nos horários escolares horas de actividade física, preconizada pela própria Organização Mundial de Saúde (OMS), faltarem instalações desportivas condignas e se discutir se a nota da Educação Física do 12.º ano de escolaridade deve contar ou não, em igualdade com as outras disciplinas, para o ingresso no ensino superior podendo, como tal, dar prioridade de ingresso a pequenos Ernestinhos, “com membros franzinos, ainda quase tenros, que lhe dão um aspecto débil de colegial”, tão bem caracterizados pelo imortal Eça. 

Ou seja, conquanto o “Departamento de Saúde e Serviços Humanos”, dos Estados Unidos, tivesse emitido a recomendação de que “60% dos jovens deviam ter aulas de educação física diariamente, 70% deviam ser testados periodicamente nos níveis de aptidão física e 90% deviam participar em actividades físicas apropriadas para a manutenção de um efectivo sistema cardio-respiratório” (1980), três décadas depois (2012), nesta “ocidental praia Lusitana”,  foram partejadas  as muito contestadas “matrizes curriculares”. 

Razão continua a assistir a Antero: “A nossa fatalidade é a nossa história”!

Cientista portuguesa distinguida com Prémio de Carreira Internacional


A Sociedade Internacional de Extremófilos, associação de investigadores de todo o mundo que estudam bactérias e arqueias que vivem em ambientes extremos, atribuiu a Helena Santos, Professora e Investigadora do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, Universidade Nova de Lisboa (ITQB NOVA), o Prémio de Carreira. A cerimónia de entrega do prémio decorreu durante o 11º Congresso Internacional de Extremófilos, a 15 de Setembro no Japão.
 
A Sociedade Internacional de Extremófilos (ISE)atribui este prémio a cada dois anos, a cientistas que tenham dado contributos excepcionais na investigação em microrganismos adaptados a viver em ambientes extremos. Os galardoados são nomeados pelos pares, e o vencedor é escolhido por um júri escolhido pelo Presidente da ISE. Os anteriores vencedores foram cientistas conceituados do Japão, Itália, Alemanha e Estados Unidos, sendo a primeira vez que o prémio é atribuído a um investigador português.


“É uma grande honra fazer parte de um grupo tão notável de investigadores que receberam este prémio antes de mim”, disse Helena Santos. “Agradeço esta distinção à Sociedade Internacional de Extremófilos, e agradeço especialmente aos meus estudantes e colaboradores que foram essenciais para o sucesso da minha carreira científica”.

"A Helena Santos é uma das nossas mais distintas investigadoras, tendo feito contribuições fundamentais para o avanço do conhecimento e construído uma reputação internacional notável em muitas áreas científicas. Entre a bioquímica de proteínas, técnicas de Ressonância Magnética Nuclear in vivo e bioquímica de microorganismos, em especial nos de ambientes extremos", declarou Cláudio M. Soares, Director do ITQB NOVA. "Temos muito orgulho de ter a Helena Santos no ITQB NOVA."


Helena Santos criou o Laboratório deFisiologia Celular e Ressonância Magnética Nuclear (RMN) no ITQB NOVA em 1989. O seu grupo de investigação foi pioneiro em Portugal no desenvolvimento de técnicas de RMN in vivo para estudar o metabolismo de bactérias de ácido láctico e células de cérebro. Em 1993 começou a interessar-se por vida em ambientes extremos, em particular por hipertermófilos, que são microrganismos que proliferam em habitats com temperaturas na gama 100-120 oC, tais como fontes termais quer na superfície ou nas fossas oceânicas. O seu grupo de investigação foi responsável pela identificação de novas estratégias que permitem que estes organismos estejam adaptados a viver em ambientes que seriam letais para humanos ou para bactérias-modelo, tais como Escherichia coli. Caracterizou as vias metabólicas que esses organismos usam para sintetizar compostos peculiares que lhes conferem proteção contra os danos causados por temperaturas elevadas, bem como os mecanismos moleculares subjacentes a tal efeito protetor em macromoléculas da célula.  

Helena Santos é licenciada em Engenharia Química, possui o grau de Mestre em Química Física Inorgânica e o grau de Doutor em Biofísica. É Professora na Universidade Nova de Lisboa e coordena o CERMAX, unidade nacional de RMN no ITQB NOVA.

Helena Santos foi galardoada com o Prémio Gulbenkian de Ciência (1998), Prémio Estímulo à Excelência (2004), Prémio Câmara Pestana (2007) e foi eleita Membro da Academia de Ciências de Lisboa (2009).



Noite de festa da Ciência em todo o país


Hoje é Noite dos Investigadores por todo o país. Em Coimbra no Rómulo - Centro Ciência Viva da UC pelas 21h 30) há um painel de luxo para tratar de ciência, risco, ambiente e saúde (Ana Monteiro, Filipe Duarte Santos, José Alfeu Marques, e Luísa Schmidt): 

A 30 de setembro, a Ciência volta sair à rua numa comemoração que aproxima o público dos cientistas. A Noite Europeia dos Investigadores (NEI) chegará a 18 localidades, um pouco por todo o país, onde os curiosos terão à sua espera várias iniciativas para pôr a mão na massa, conversar com investigadores e descobrir os desafios que o futuro nos reserva. 

Num evento que conta com a coordenação da Ciência Viva, o futuro estará em destaque na NEI, mas haverá temas para todos os gostos: desde áreas mais ligadas à saúde, como o envelhecimento saudável e o melhoramento cognitivo, até ao impacto da ação humana no planeta, tais como as alterações climáticas e a exploração dos oceanos, entre muitos outros, qualquer um encontrará uma atividade do seu interesse.

Em Coimbra teremos também uma noite repleta de surpresas para todos os que visitarem a cidade. O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, o Rómulo - Centro de Ciência Viva da Universidade de Coimbra, o Exploratório Infante D. Henrique - Centro de Ciência Viva de Coimbra e o Museu Nacional de Machado de Castro vão celebrar em conjunto mais uma grande festa dedicada à Ciência.

Teremos filmes e debates dedicados às alterações climáticas, à ciência cidadã e à ciência, tecnologia e seus riscos. Teremos oportunidade de descobrir a vida nocturna das plantas e animais numa visita guiada pelo Jardim Botânico. Dezenas de investigadores irão mostrar um pouco do seu trabalho em actividades para o público de todas as idades, e em curtas conversas poderemos ficar a conhecer mais sobre o cérebro, hormonas e alimentação, sobre o admirável mundo das células estaminais, sobre os efeitos da salinização dos solos, sobre o estudo das formas de escrever ao longo dos séculos, sobre conservação, restauro e preservação do património e muitos outros temas que cativarão o interesse dos visitantes.

O programa e todas as novidades são divulgados na página oficial e no Facebook da Noite Europeia dos Investigadores. A informação é também disponibilizada no site oficial e no Facebook do Museu da Ciência. 


Mais informações:


Contactos:
Coordenação: Catarina Figueira  | Ciência Viva: cfigueira@cienciaviva.pt
Comunicação: Filipa Ribeiro | i3S: filipa.ribeiro@i3s.up.pt
Responsável local: Teresa Girão | Museu da Ciência da Universidade de Coimbra | teresa.girao@museudaciencia.uc.pt | 918 279 886

Sobre o consórcio:

O consórcio FORESIGHT é coordenado pela Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica e tem como parceiros o i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, o Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) e a Universidade de Coimbra.

RAZÃO VERSUS FÉ, UMA DIALÉTICA DA IDADE MÉDIA



Novo texto do Prof. Galopim de Carvalho: 

 Situada entre aproximadamente os séculos V e XV, a Idade Média foi um tempo de alastramento do cristianismo e da vida cultural na Europa ocidental, sobretudo através do surgimento de mosteiros da Ordem dos Beneditinos. Seguidores de São Bento de Núrcia (480-547), os monges desta comunidade cristã, iniciadores do movimento monacal, foram os herdeiros da cultura latina e os depositários do essencial do saber do mundo antigo. Estão entre eles os criadores do enciclopedismo, com destaque para Santo Isidoro de Sevilha (570-636) que nos deixou “Etymologiae sive origines”, publicado oito séculos depois, em 1483. Durante este período, o estudo e o ensino transitaram dos mosteiros e conventos para as chamadas escolas catedrais, criadas por toda a Europa, estas que, por seu turno, foram os embriões das universidades nos centros urbanos mais importantes (Salermo, Bolonha, Paris, Oxford, Montpelier, Arezzo, Salamanca, Pádua, Orleães, Roma, Siena, Lisboa, entre muitas outras), privilegiando o ensino de disciplinas como teologia, gramática, retórica, dialéctica (lógica), aritmética, geometria, astronomia, direito, medicina e música. 

 Com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, parte importante do conhecimento produzido e ensinado na Antiguidade sobreviveu graças às traduções que eruditos árabes e judeus fizeram das obras clássicas. Tal permitiu que a alquimia dos chineses, babilónios e egípcios e a filosofia dos gregos reaparecessem na Europa medieval. Foi o tempo da escolástica (do grego scolastikós, instruído), o método de pensamento dominante no ensino nas universidades medievais europeias. Entendida como uma via de harmonização da fé com a razão, a escolástica procurou conduzir o racionalismo e o empirismo filosófico de Aristóteles no interesse da teologia ou, numa outra versão, conciliar o pensamento do Filósofo com a doutrina da Igreja. As obras então publicadas nos campos da filosofia e da teologia revelam a redescoberta das ideias de Aristóteles como correntes do pensamento que conduziram à introdução da lógica no discurso, constituindo uma via interessada em abordar, de forma sistémica, a razão e a verdade da Fé. Na evolução do pensamento científico é necessário recordar o grande filósofo de origem árabe, Abu al-Walid Ibn Munhammad Ibn Ruchd (1126-1198), mais conhecido por Averróis (distorção latina do seu cognome árabe). Nascido em Córdova, na vizinha Espanha, então território muçulmano, é tido como o mais afamado pensador islâmico da Idade Média, viveu muito à frente do seu tempo, abrindo o caminho para o Renascimento e influenciando, significativamente, a filosofia europeia. Intelectual de grande eclectismo, Averróis foi médico, astrónomo, jurista e teólogo. Estudioso do direito canónico muçulmano, foi um dos maiores conhecedores e comentadores do pensamento de Aristóteles, tendo ficado conhecido na história da filosofia pelo cognome de “O Comentador”. Ao afirmar que, “com excepção do sobrenatural, o pensamento se deve sujeitar à força da razão”, este muçulmano ibérico, contemporâneo do nosso rei Afonso Henriques, Teve grande e decisiva influência na evolução da ciência, em geral. Seguidor do aristotelismo, na tradição árabe de recuperação da filosofia grega, Averróis soube fundi-lo com uma parcela de platonismo. Assim, afirmava que, “a par da verdade óbvia do dia-a-dia, observável e aceite pelo povo, e da verdade mística da Fé, defendida e propalada pelos teólogos, há a verdade científica, fruto da razão, podendo estar em desacordo umas com as outras”.

Num tempo em que a teologia dominava sobre a filosofia natural (ciências naturais), as suas ideias alastraram entre a comunidade de estudiosos cristãos da Universidade de Paris, criando uma corrente de pensamento científico puro e independente das crenças religiosas, oposto à envelhecida tese de Santo Agostinho (354-430), segundo a qual havia uma única verdade, a dos santos evangelhos. Para Averróis, uma dada afirmação pode ser filosoficamente (cientificamente) verdadeira e teologicamente falsa e vice-versa. Embora não tenha abordado temas directamente relacionados com as ciências da Terra, a intensa defesa que fez do pensamento científico e da sua independência relativamente aos dogmas da Igreja, deu sustentáculo ao avanço, tantas vezes difícil, levado a cabo, primeiro, por naturalistas e, mais tarde, por geólogos.

A Andaluzia era, então, um dos mais notáveis centros de sabedoria da humanidade. Muitos dos textos dos filósofos gregos salvos das bibliotecas de então foram aqui traduzidos, dando lugar um movimento intelectual notável que acabou por ser aniquilado pela reconquista cristã. Uma tal hegemonia intelectual determinou que, durante os últimos quatro séculos da Idade Média, o árabe foi a língua dominante na ciência embrionária no espaço europeu. Durante parte da sua vida, Averróis contou com a protecção dos califas locais, até que foi desterrado por Abu Yusuf Ya'qub al-Mansur que, na mesma linha das hierarquias do catolicismo, considerou as suas opiniões desrespeitadoras e em desacordo com o Corão. Muito da sua obra acabou também por ser condenada pela Igreja Católica. Tomás de Aquino (1225-1274), que foi um seguidor de Aristóteles e de Averróis, opôs-se, no entanto ao naturalismo exclusivamente racional deste filósofo muçulmano. 

Visto como o mais ilustre professor da Faculdade de Teologia da Universidade de Paris, o filósofo e alquimista dominicano alemão Albrecht von Bollstädt (1206-1280), o Doctor Universalis, é conhecido entre nós por Alberto, o Grande ou Alberto Magno e, também, por Maître Aubert, ou simplesmente Maubert. Lembrado como o maior filósofo e teólogo cristão da Idade Média, Alberto Magno foi também figura de grande prestígio no mundo da ciência do seu tempo, em domínios mais tarde incluídos na química e na mineralogia, que realizou na sua qualidade de alquimista. Após concluir os seus estudos em Pádua e em Paris, Alberto optou pela vida religiosa, ingressando na Ordem de São Domingos, em 1223, tendo chegado à dignidade de Bispo de Regensburgo (Ratisbona).

Tendo estudado o pensamento de Aristóteles e de Averróis, produziu uma das mais importantes sínteses da cultura medieval e defendeu a coexistência pacífica da ciência e da religião, tendo sido o primeiro a aplicar as ideias do fundador do Liceu de Atenas no pensamento cristão. Mas não se limitou a repetir a obra do “Estagirita” (Aristóteles nasceu em Estagira, antiga cidade da Macedónia, na Grécia). Procurou recriá-la com a sua própria experiência e as suas observações. No propósito de subordinar o aristotelismo à fé cristã, o Papa Gregório IX incumbiu Alberto Magno dessa árdua tarefa. Em resultado do seu trabalho, a física e a metafísica, a lógica, a ética, a psicologia e a política de Aristóteles passaram a fazer parte da escolástica. 

Do outro lado do Canal, o franciscano Roger Bacon (1214-1294), filósofo e alquimista inglês, considerado o mais importante cientista da Idade Média, foi pioneiro na estruturação empirismo, termo aqui usado no sentido de método experimental, como forma de validação do conhecimento científico. O seu papel nas ciências da Terra decorre da sua visão sobre a ciência, em geral. O seu nome ficou ainda ligado à matemática (trabalhou na correcção do Calendário Juliano) e, principalmente, à óptica. Estudou em Oxford, tendo sido professor nesta Universidade, bem como na de Paris. Bacon viveu um período onde o influxo de textos dos filósofos gregos revolucionava a vida intelectual do ocidente europeu. Bastante influenciado por eles, foi um dos principais europeus do seu tempo a ensinar a filosofia de Aristóteles. Colocando ênfase considerável sobre os procedimentos empíricos ou experimentais, lutou contra as chamadas ideias inatas. Face a esta sua acção inovadora, ficou na história com o título de Doctor Mirabilis (Doutor Admirável, em latim). Propondo novas metodologias de investigação científica, colocou em causa os métodos de ensino praticados por franciscanos e dominicanos, o que o tornou impopular perante as autoridades eclesiásticas. Consciente de que a escolástica fora concebida como uma via para conciliar a razão com a fé, não deixou de salientar as virtudes desta disciplina medieval, mas apontou-lhe os vícios, em especial os que misturavam os dogmas da Igreja com a ciência, defendendo a separação entre a teologia e o saber científico, numa atitude coincidente com a de Averróis e de outros comentadores árabes de Aristóteles. Esta atitude de Bacon germinou mesmo no seio da Igreja e teve aí seguidores afirmando que a teologia não era uma ciência, uma vez que as suas deduções não assentam em dados concretos, observáveis e experimentáveis, mas em premissas sustentadas e, tantas vezes, impostas pela Fé. Na medida desta nova atitude perante o conhecimento científico, as ideias sobre a origem, a história e a natureza da Terra começam a apontar o caminho que as afastou das crenças ancestrais e as conduziu às preocupações, em primeiro lugar, dos naturalistas e, mais tarde, dos geólogos. Deve-se a Bacon a criação e divulgação do conceito de "leis da natureza", facto importante num período em que estavam ocorrendo modificações no pensamento filosófico, em geral, e na filosofia natural (história naturalRazã), em particular.

Restrições censórias e perseguições movidas pela Ordem Franciscana que, em 1272, proibiu a divulgação dos seus livros, afectaram uma parte importante da sua criatividade intelectual. Esta sua dissidência face à hierarquia e a sua actividade nas práticas alquímicas (entre outras, descobriu a combinação perfeita da pólvora) levaram-no à prisão por mais de uma década.

Contemporâneo de Bacon, o dominicano italiano Tomás de Aquino, distinto aluno de Alberto Magno e autor da influente obra Summa Theologica, ficou na história da filosofia e da teologia com o título de Doctor Communis ou Doctor Angelicus. Considerado um dos principais expoentes da escolástica, foi o criador do Tomismo, a doutrina adoptada oficialmente pela Igreja Católica que, sem deixar de valorizar o pensamento de Platão e o misticismo de Santo Agostinho, visou, sobretudo, integrar a filosofia aristotélica nos textos bíblicos, criando uma espécie de teologia científica.

Na Península Ibérica, ao tempo do rei de Castela e Leão, Afonso X (1221-1284), lembrado como o Sábio ou o Astrólogo, a corte deste monarca foi uma autêntica academia científica no espaço mediterrâneo, tendo marcado um período excepcional no culto da sabedoria, conhecido por “Renascença do século XIII”. Judeus, árabes e cristãos conviveram nesta corte em absoluta harmonia e respeito pela cultura e pela ciência. Este que também foi o imperador eleito do Sacro Império Romano-Germânico (mas que não exerceu esse cargo) realizou a primeira reforma ortográfica do castelhano, língua que adoptou oficialmente, em substituição do latim. 

Não irmanado com qualquer ordem religiosa, ao invés da grande maioria dos intelectuais da Idade Média ligados quer aos franciscanos, como Bacon, quer aos dominicanos, como Tomás de Aquino, o francês Jean Buridan (c.1300-1360), Reitor da Universidade de Paris, foi um clérigo e filósofo liberto das amarras impostas pela religião o que lhe permitiu o avanço em domínios da ciência que marcaram a sua obra. Como professor na mesma Universidade ao longo de uma vida, ensinou e escreveu sobre lógica, metafísica, ética, filosofia natural (história natural), numa metodologia e numa prática entendidas como seculares, isto é, distintas da teologia. Considerado o filósofo francês mais influente, no século XIV e nos dois ou três que se lhe seguiram, desenvolveu o conceito físico de impulso, dando, assim, o primeiro passo no sentido do moderno conceito de inércia, inexistente no pensamento de Aristóteles. Alvo de uma campanha encorajada por Roma e concretizada por partidários do franciscano e escolástico inglês, William Ockham (1285-1347), a obra escrita de Buridan foi proibida pela Igreja Católica e colocada no famigerado Index Librorum Prohibitorum, promulgado pelo Papa Paulo IV, em 1559, com uma versão revista e autorizada pelo Concílio de Trento, em 1563. 

 GALOPIM DE CARVALHO

Na imagem: Santo Agostinho

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Imagiologia da mama na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL)


No dia 30–Setembro há mais uma “Noites de Ciências” na FCUL. As actividades são gratuitas, sem inscrição, sempre na última 6ª feira de cada mês. São dirigidas ao público não especialista mas curioso do conhecimento científico. Venha e fascine-se nas Ciências!
A palestra terá videodifusão ao vivo no site da FCCN:   http://live.fccn.pt/ulisboa/fcul/noitesdeciencias/
Os participantes têm estacionamento gratuito no parque da FCUL a partir das 19:45 (toque à campainha). 

Precisamos dos professores nobres e decentes

"Ainda há homens bons e cada vez os ouvimos menos. Sabes quem é, na realidade, esse homem bom hoje em dia?
O professor.
Se existem homens que podem mudar o mundo, que podem fazer um mundo melhor são os professores. Hoje a bondade refugiou-se num professor nobre e decente que acredita no seu trabalho e acredita que as crianças que ensina amanhã serão cidadãos honestos e responsáveis.
Estamos a suicidar-nos em Portugal e Espanha e no Ocidente ao marginalizar os professores, ao tirar-lhes as ferramentas. Deviam ser os heróis privilegiados e favoritos de toda a sociedade que queira sobreviver culturalmente."
Arturo Pérez-Reverte, 2016

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E RISCO NA NOITE DOS INVESTIGADORES EM COIMBRA

CONVITE


Na próxima 6ª feira, 30 de Setembro, realiza-se a 
NOITE EUROPEIA DOS INVESTIGADORES 2016
com actividades em várias localidades do país. 

No RÓMULO - Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, localizado no Departamento de Física da FCTUC, a partir das 21h30 realiza-se um debate subordinado ao tema 
"Ciência, Tecnologia e Riscos" 
dirigido ao público em geral que queira participar no debate informal conversando com os cientistas convidados.

O tema dos riscos (riscos naturais como mudanças climáticas, tempestades, cheias, sismos, nalguns dos quais pode haver influência humana) tornou-se cada vez mais premente na sociedade. Enquadra-se no tema geral deste ano em toda a Europa: "FORESIGHT - Foreseeing Opportunities, Risks and Emergent Science Issues for the Next Generation: Highlighting Trends".


Cientistas convidados:

- Ana Monteiro - Geógrafa, Universidade do Porto
- Filipe Duarte Santos - Físico, Universidade de Lisboa
- José Alfeu Sá Marques - Engenheiro Civil, Universidade de Coimbra
- Luísa Schmidt - Socióloga, Universidade de Lisboa

A moderação do debate estará a cargo do Professor Carlos Fiolhais.


Questões a abordar no debate:

- Quais são os maiores riscos naturais com que nos defrontamos hoje? O que temos feito? O que poderemos fazer?
- Como é que os riscos nos afectam? Há medos que fazem sentido e outros que não fazem sentido?
- O que estamos a fazer e o que podemos fazer em Portugal perante mudanças climáticas?
- Que relação existe entre clima e saúde?
- Como pode a engenharia planear melhor, evitando, por exemplo, grandes cheias?
- Como melhorar, nas questões do risco, a relação entre ciência e sociedade?


ENTRADA LIVRE

UM MUNDO ESTRANHO E PERIGOSO



Minha crónica no Público de hoje:

A presidência dos Estados Unidos aparece nas listas de empregos mais difíceis do mundo, juntamente com trabalhador em minas de carvão ou pescador de caranguejo no Alasca. É bem pago, embora com contenção: o casal Obama declarou que teve no ano passado um rendimento conjunto bruto de 436.065 dólares (389.170 euros), sujeito a um imposto de 18,7% (dividido por 14 meses, fica um rendimento líquido de 22.600 euros).  Considerado o lugar com maior poder do mundo, não admira que seja um dos mais difíceis de obter. O processo de selecção é longo, complicado, cansativo e, para os próprios e seus adeptos, extremamente dispendioso.

Escrevo quando faltam menos de seis semanas para a eleição que determinará o próximo morador na Casa Branca. A televisão está a transmitir o primeiro dos três debates entre os candidatos que chegaram à final, escolhidos pelos dois maiores partidos: Hillary Clinton e Donald Trump. As sondagens indicam neste momento um empate técnico, estando Trump numa trajectória ascendente. Os analistas prevêem a vitória de Clinton, por uma pequena margem. Um percalço num debate pode custar a qualquer um deles o pretendido lugar.

Esta eleição tem sido particularmente dura. Por um lado, os cargos de primeira dama, senadora e  secretária de Estado na presidência de Barack Obama trouxeram à Senhora Clinton um registo político e pessoal controverso. É uma pessoa endinheirada, como transparece do facto de o casal Clinton ter declarado, em 2015, 11 milhões de dólares de rendimentos, sujeitos a 31% de impostos, conseguidos acima de tudo com discursos pagos por empresas. Entre muitos eleitores, entre os quais uma boa fatia de democratas, é vista como refém de interesses instalados, que não mudará o establishment. O  facto de poder vir a ser a primeira mulher presidente, após 44 homens, não é sentido como uma mudança profunda. Por outro lado,  Trump é um fenómeno nunca visto em eleições americanas. É um multimilionário (a sua fortuna foi avaliada pela Forbes em 4,5 mil milhões de dólares, muito maior que a dos Clinton e, claro, dos Obama), mas recusa-se a revelar o seu rendimento anual e a taxa de impostos. Acima de tudo, é um personagem com um ego do tamanho da Trump Tower e totalmente desbocado,  conseguindo amiúde irritar altos dirigentes do Partido Republicano. Alguns dos extremos da sua retórica de “America First” (leia-se “Trump first”) foram atingidos quando prometeu construir um muro ao longo da fronteira com o México, pago pelos mexicanos, quando anunciou ir expulsar cerca de 11 milhões de emigrantes sem papéis e impedir a entrada na América de quaisquer muçulmanos, e ainda quando declarou a sua intenção de intensificar a luta antiterrorista com o uso de formas de tortura mais violentas que o waterboarding (propôs mesmo matar as famílias dos terroristas). Por muito bruto que seja o seu estilo, o certo é que uma boa parte da América profunda se reconhece nele.

Eu, não sendo americano, não voto nas eleições americanas. Mas, se o fosse, não hesitaria em votar contra Trump. Os pecadilhos ou pecados de Hillary nada são comparados com as desmesuras do seu opositor troglodita.  O racismo e a misoginia de Trump deveriam bastar para impedir a sua chegada ao poder: declarou recentemente que uma jornalista que o entrevistou tinha “sangue a sair dos olhos e sangue a sair do seu... seja lá o que for”, insinuando que estava menstruada; e um dos seus colaboradores mais próximos da campanha tem espalhado a pergunta: “Preferia  que a sua filha tivesse cancro ou feminismo?”, percebendo-se ser adepto da primeira opção. Mas acresce a sua completa ignorância em assuntos tão importantes como a economia, a política internacional e a ciência e tecnologia. Na economia não chega a ter um plano, mas apenas as ideias de diminuir os impostos aos ricos e de rasgar os tratados internacionais. Na política internacional, defende a ideia perigosíssima para o equilíbrio mundial de que os até agora aliados dos Estados Unidos terão de assegurar a sua própria defesa, o que implica a proliferação de armas nucleares, por exemplo com a corrida ao armamento por parte do Japão e da Coreia do Sul  (o físico Jeremy Bernstein explicou isto bem num artigo na The New York Review of Books de 12 de Maio, intitulado “The Trump bomb”) e a NATO a ficar à míngua. Por último, na ciência e tecnologia, declarou-se contrário às medidas ambientais exigidas pelo aquecimento global, algo em que não acredita. Chegou a afirmar que o “aquecimento global é uma fraude inventada pelos chineses para destruir a indústria americana.”

Olho para a televisão à espera da próxima atoarda de Trump. Contudo, considerando todas aquelas que já disse impunemente, fico com dúvidas se elas funcionam contra ou a favor dele. Vivemos, de facto, num mundo estranho e perigoso.

PS) Respiro: a CNN diz que Hillary derrotou Donald no debate.



O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...