Trecho de Egas Moniz (Prémio Nobel), "A Nossa Casa", Paulino Ferreira e Filhos, Lisboa, 1950:
"No meu passado de estudante o feriado era a suprema aspiração. Estávamos
presos à frequência das aulas, com quatro faltas apenas para as necessidades mais
imperiosas – e havia quem as não desse! – o que nos trazia sempre à espera de
alguns feriados, de fora do calendário, a despontar no horizonte. A morte de um
lente dava um feriado. Quer ele fosse do activo, quer dos aposentados. Destes
perscrutava-se o estado de saúde e não era raro ouvir-se, ao saber da idade:
- Já podia ir indo…
Sucedeu uma vez que certo lente de teologia. De há muito jubilado, que
marinhava na casa dos oitenta. Dado como homem espirituoso do seu tempo, passou
a enfermar de mal crónica que não tinha fim.
A rapaziada, numa solicitude pouco dignificante, ia frequentemente saber
a sua casa, como ia o senhor doutor. Apresentavam ar compungido. A criada ia
informando:
- A noite foi melhorzinha. Muito agradecida.
- Desejamos muito as melhoras.
- Obrigado.
Indagou o velho teólogo do que se tratava e soube das solicitações dos
académicos em que, sabia bem, não iam votos pelas suas melhoras, A criada foi
chamada e instruída de forma a dar a todos a mesma resposta.
- Os senhores escusam de estar a incomodar-se mais. O senhor doutor está
melhor e resolveu morrer em férias…
"
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