Minha crónica no Público de hoje:
Apesar
de já ter sido quase tudo dito sobre José Sócrates, este continua um tema
inescapável. Que me ocorre dizer sobre ele? Em primeiro lugar lembrar o que já disse.
Em 6 de Maio de 2011 escrevi neste jornal uma
das minhas crónicas mais contundentes (“O grau zero da política”), uma peça que foi interpretada como favorável à
ascensão de Pedro Passos Coelho ao poder. Na altura escrevi sobre Sócrates: “Foi o actual primeiro-ministro o responsável número um
pelo grau zero da política. Foi ele que se rodeou de gente incompetente (com
poucas honrosas excepções), que impavidamente deixou o país deslizar para o
fundo. Não, não se trata só da sua incapacidade de percepção das consequências
gravosas das suas políticas. Eles criaram uma campanha propagandística que nos
iludiu sobre o estado da nação.” E terminei assim: “Se a escolha em Portugal fosse, por hipótese, entre o
actual primeiro-ministro e o rato Mickey, eu não hesitaria em votar no boneco
da Disney.”
É
claro que eu já temia que viesse aí algo de mau, mas pior teria sido manter
Sócrates. Hoje ele está preso. Eu não sou juiz e não o vou julgar no plano
jurídico. Sou apenas um cidadão que vê e comenta a vida pública. Já o julguei
no plano político. Quanto ao resto nada sei, embora não possa deixar de ter
presentes os vários casos anteriores associados a Sócrates que permanecem por
esclarecer. Oxalá ele esteja inocente e possa daqui por uns tempos estar desbotada
a mancha na nossa democracia causada pelos imbróglios em que o nome do antigo
primeiro-ministro esteve ou está envolvido. Mas, dados os seus rabos-de-palha, tal
parece difícil de acontecer. Espero que a justiça siga o seu curso, pedindo-lhe
mais rapidez do que a usual.
Quer
se queira quer não, a detenção de Sócrates tem óbvias consequências na vida
política, tanto para o PS, que esteve no governo, como para o PSD e CDS, que
actualmente estão. Espero, por isso, que esses partidos, que se têm sentados
nas cadeiras do poder, façam, motivados pelo presente caso e por outros
similares, a regeneração que conseguirem e, nessa mudança, se protejam – e,
acima de tudo, nos protejam – do vírus hediondo da corrupção. O PS já devia ter
aprendido com a condenação de Armando Vara (que apresentou recurso). O PSD e o
CDS deviam aprender com o processo sobre presumível corrupção ligada aos vistos gold, que levou à
demissão de um ministro, para já não falar das condenações de Isaltino Morais, ex-ministro
que cumpriu pena, e de Duarte Lima, ex-líder parlamentar do PSD (que apresentou
recurso).
A possibilidade de renovação, nos partidos e nos governos, é uma das maiores virtudes da democracia. António Costa, que vai ser provavelmente o próximo primeiro-ministro, recebeu, sem ter feito nada por isso, uma importante ajuda com o caso Sócrates. Assim ele perceba que esse caso deve ter consequências internas, de modo a aumentar a credibilidade do PS (Mário Soares lamentavelmente não percebeu). No Congresso do PS realizado no passado fim de semana o novo líder conseguiu três coisas não despiciendas: evitar que os militantes falassem de Sócrates, afastar alguns nomes do passado, e alinhar todo o partido, ou quase, para a luta política que se avizinha, apontando os adversários (por muito que tenha sido declarada morta, a dicotomia esquerda-direita ainda funciona) e os eventuais aliados, se as forças próprias não chegarem para a almejada maioria absoluta.
A
Passos Coelho coube o papel de rato Mickey, alguém que sucedeu a Sócrates. As
coisas não têm corrido nada bem no governo que chefia. O PSD e o CDS estão hoje
descredibilizados. Nem sequer se entendem sobre o futuro: se o fizessem, já
teriam um acordo para as próximas eleições. Vão gerindo a trouxe-mouxe, ignorando
o interesse público. Dou só um exemplo do actual desgoverno: a política do PSD
e do CDS na educação e na ciência tem sido um desastre, com o afundamento das
escolas públicas face às privadas, como mostram os últimos rankings, e a inacreditável “avaliação” dos centros de investigação,
que inclui uma tentativa de favorecimento de instituições privadas em relação
às suas congéneres públicas, com claro prejuízo do sistema de ensino superior.
Acontece, porém, que o PS ainda não tem suficiente crédito. Afirma, continuando
com o mesmo exemplo, defender a escola e a ciência públicas, mas não é ainda claro
o que vai fazer e como o vai fazer. Para que haja confiança no próximo governo
e esperança no funcionamento da democracia, o PS tem de aumentar o seu merecimento
de voto. Tem de esconjurar totalmente o fantasma de Sócrates. Passos Coelho
subiu ao poder porque já ninguém acreditava em Sócrates. Não foi
tanto mérito seu mas mais demérito do seu predecessor. Costa não deveria subir
ao poder apenas porque já ninguém acredita em Passos Coelho. Estou
em crer que terá a inteligência necessária para construir o seu caminho.
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