quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

UMA CONVERSA SOBRE DIPLOMACIA CIENTÍFICA

Uma conversa que tive com Sónia Arroz, que completou há dias a sua tese de mestrado sobre Diplomacia Científica, no ISEG- Lisboa:

P- Que importância atribuir à Diplomacia Científica na visão tecnológica e inovadora para o seu país e para a instituição onde desenvolve o seu trabalho?

 R- Confesso não conhecer bem o conceito. Mas, sendo a ciência e a tecnologia empreendimentos internacionais, funcionando elas através de redes internacionais, parece-me óbvio que as relações entre os países devem incorporar essa componente. Os governos, de uma maneira ou de outra, já o fazem. Agora parece-me também óbvio que o podem fazer muito mais. O nosso governo, para quem a ciência não me parece ser uma prioridade, pode em particular fazê-lo muito mais. Os ministérios da Educação e Ciência e dos Negócios Estrangeiros podem trabalhar muito mais em conjunto do que fazem hoje. A este respeito lembro que o Palácio das Necessidades, sede dos Negócios Estrangeiros, já foi uma moderna escola de ciências, a meio do século XVIII, quando estava ocupada pelos Oratorianos. Mas ouço falar de atrasos no pagamento de quotas de instituições internacionais em que Portugal participa. E, para além disso, da falta de suficiente apoio nacional nesses processos de cooperação. O sistema científico nacional alargou-se muito nas últimas décadas, internacionalizando-se em larga escala, e esse é um caminho em que não deveria haver recuos. Infelizmente há recuos

 No que respeita à minha instituição – a Universidade de Coimbra – ela está bastante internacionalizada, em particular na Europa e no Brasil. O seu nome é bem conhecido lá fora, até devido ao seu longo passado. Tem um importante número de alunos estrangeiros, muitos em cursos de ciência e tecnologia, que pretende agora aumentar através do Estatuto do Aluno Estrangeiro, dirigindo-se em particular ao Brasil e à China. O Ministério dos Negócios Estrangeiros bem poderia diligenciar no sentido de promover esta e outras Universidades nacionais, atraindo alunos. Estaria com isso a atrair o que poderíamos chamar “investimento estrangeiro” em Portugal. Faço notar, no entanto, que o Ensino Superior e a Ciência estão desligados, afectos como estão a duas Secretarias de Estado que não comunicam bem uma com a outra. As Universidades portuguesas vêem os seus centros de investigação tutelados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT com evidente prejuízo da noção de autonomia universitária. Diria até que que a FCT tem uma ingerência intolerável na vida universitária portuguesa. Sendo assim, os esforços de “diplomacia científica” da Universidade parecem correr ao lado e não estar em sintonia com os esforços do mesmo tipo do governo. É uma pena que não haja a necessária convergência.

P-  Que objetivos normalmente se associam à ação da Diplomacia Científica?

R-  O objectivo de qualquer esforço diplomático consiste em promover relações de cooperação internacional, evitando e minimizando as tensões que sempre existem entre países diferentes. A ciência só pode ajudar a esse processo. Lembro, por exemplo, que em grandes instituições internacionais como o CERN, Laboratório Europeu de Pesquisas Nucleares, vemos cientistas de diferentes nacionalidades e culturas que estão irmanados nos processos de descoberta científica. A ciência é sempre um esforço cooperativo, que sempre se mostrou capaz de ultrapassar conflitos potenciais ou reais. Vejo a ligação entre ciência e de diplomacia de modo biunívoco: a ciência pode informar e ajudar a diplomacia, ao passo que a diplomacia pode informar e ajudar a ciência. Direi até que nos tempos modernos dificilmente se poderão imaginar ciência e diplomacia uma sem a outra.

P-. Identifique casos de sucesso e insucesso de Diplomacia Científica que conheça.

R-  Já referi o CERN, que resultou no pós-guerra de um processo em que a UNESCO e, portanto, as Nações Unidas intervieram. Mas pode-se referir a cooperação espacial internacional: as missões conjuntas dos EUA e da Rússia, como a Estação Espacial Internacional, com grande impacto mediático. Na Europa fala-se muito do Espaço Europeu de Ciência, mas penso que ainda não se atingiu um nível desejável de cooperação. O problema da Europa é a falta de união política, que se reflecte nos vários sectores da actividade europeia. No que respeita a Portugal parece-me que muito há a fazer, através da diplomacia científica, na cooperação com os PALOPS. Mais uma vez trata-se de uma união politicamente frágil, no qual o papel português é relativamente apagado, como mostrou a recente adesão da Guiné Equatorial. ´

P- Em Portugal quando, como e quem, exerce Diplomacia Científica?


R-  A diplomacia científica ainda é uma expressão pouco usada. Basta ir à Wikipédia e ver que não há tradução no nosso idioma do verbete em inglês. Mas, como disse, esse papel deveria caber conjuntamente aos Ministérios da Educação e Ciência e dos Negócios Estrangeiros, com uma palavra também do Ministério da Economia, que tem procurado e tido algum protagonismo na atracção de investimento estrangeiro.

P- Quem deverá exercer essa função? Um diplomata, um cientista, outro…? ´


P- Diplomatas que saibam ou aprendam alguma coisa de ciência. Ou cientistas que saibam ou aprendam alguma coisa de diplomacia. Faz aqui falta o aprofundamento da cultura científica, isto é, a ligação da ciência com a sociedade. A ciência não é uma ilha: relaciona-se com a educação, a economia, a saúde, a justiça, etc. Mas também com o que tradicionalmente se chama Negócios Estrangeiros. Foi no século XVIII, no tempo da Royal Society, dos Oratorianos e dos Jesuitas, que a ciência, através das sociedades científicas e das ordens religiosas, se tornou um empreendimento à escala internacional como é hoje. E foi nessa época do Iluminismo que a noção de cultura científica ganhou consistência. Lembro só que cerca de metade dos sócios portugueses do Royal Society foram homens de Estado e diplomatas (entre eles o Marquês de Pombal, mas também o Duque de Lafões, membro da família real, que viria a fundar a Academia das Ciências de Lisboa)

P-  Que competências e/ou orientações deverão ter um ator de Diplomacia Científica, para uma ação mais eficiente?

R-  Julgo que tem de saber de relações internacionais e ter a noção de ciência ue a cultura científica proporciona. E, claro, a experiência ajuda.

P-  Que paralelo encontra entre a sua atividade profissional e a ação de um “diplomata de ciência”?

R-  Já nem falo da minha actividade científica, que tem uma componente internacional. As relações de intercâmbio no plano da ciência são sempre enriquecedoras não só para os directamente envolvidos, mas também para os países que estão em jogo. Falo antes de uma parte da minha actividade profissional que tem sido a promoção a cultura científica. A FCT acabou com a área de “promoção da ciência”, minimizando a cultura científica. Mas a Agência Ciência Viva, com a qual colaboro, tem sabido promover a ciência e a tecnologia, com uma grande ligação internacional (bem visível na actual Presidência do ECSITE). Aceitei ser o coordenador em Portugal pelo Ano Internacional da Luz 2015 – uma iniciativa das Nações Unidas, com o apoio da Ciência Viva, que vai, em torno de um tema unificador, ligar países de todo o mundo. Vamos, metaforicamente claro, tentar trazer mais alguma luz ao mundo...


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