Mais um artigo do nosso correspondente no estrangeiro que tem analisado a "avaliação" da FCT, no qual disseca a teoria de Coutinho de "abate" de unidades de investigação:
A maior parte dos erros factuais
do texto de opinião de António Coutinho no semanário Expresso de 9 de Agosto
intitulado “A favor da avaliação das Unidades de Investigação” já foram
apontados aqui.
Nomeadamente, os “factos”
apresentados por António Coutinho ou não dizem respeito à presente discussão (“foi
a primeira vez que (1) todas as Unidades de Investigação (UI) foram avaliadas
competitivamente no mesmo processo”) ou estão errados (“os resultados
são idênticos aos da última avaliação (2007)” e “a FCT não se intrometeu
no processo de avaliação”).
Sendo as premissas subjacentes
falsas, o artigo de António Coutinho torna-se completamente irrelevante a não
ser para ilustrar o que sucede quando alguém escreve sobre um assunto com
ideias pré-concebidas, sem ter feito o devido estudo da literatura existente, comparando
escalas em unidades diferentes, não ficando surpreendido (nem “agitado”!)
quando os resultados experimentais não batem certo com a sua teoria, etc.
Mas há ainda um outro pecado
capital em ciência que falta mencionar: a utilização de ideias e argumentos de
outros, sem incluir as devidas referências.
O caso britânico
Um facto (daqueles a sério), que
temos a certeza já ter sido constatado por todos com um interesse nesta
avaliação é o desequilíbrio entre as nacionalidades dos membros dos painéis. Um
pouco mais de 23% dos membros são do Reino Unido, seguido de 17% da Itália e
depois temos uma queda abrupta para a França e a Alemanha com pouco menos de
7%. A lista termina com 15 países com apenas um elemento (cerca de 20%). Além
disso, quatro dos seis coordenadores dos painéis são britânicos. Estes são
factos que a FCT deveria explicar.
Haverá alguma semelhança entre
esta avaliação e o financiamento da investigação no Reino Unido?
Recuemos a 8 de Setembro de 2010,
à primeira
intervenção de Vince Cable, o Secretário de Estado do Comércio britânico (em
inglês, Secretary of State for Business, Innovation and Skills), sobre ciência.
Com a intenção declarada de
preparar cortes no financiamento na ciência da ordem dos 20-25%, Cable afirmou
que
"It is worth noting in the
last Research Assessment Exercise 54 per cent of submitted work was defined as
world class and that is the area where funding should be concentrated."
Soa familiar? Mais interessante, numa
entrevista que deu depois desta apresentação, Cable fez aquilo que Robert McCredie
May, Barão May de Oxford, OM, AC, FRS, FAA, FTSE, FRSN, HonFAIB, num artigo na
revista New Scientist intitulado “Don't let Britain's politicians ruin science”
classificou como uma inversão deste argumento, declarando que 45% da
investigação não era excelente. Daqui a afirmar que não se deve financiar a mediocridade
correspondente a esses 45% foi um pequeno passo.
Para além deste aspecto, nessa
intervenção Cable introduziu também novamente a questão do tipo de investigação
que deve ser financiada, divagando ao longo de várias frases, afirmando que por
um lado é importante apoiar a investigação fundamental, mas que por outro é
preciso ter em conta o retorno imediato e a crise, etc.
As reacções
Será certamente interessante
saber como reagiram os cientistas e comentadores britânicos ao discurso de
Cable, o qual nos é extremamente familiar no contexto da corrente avaliação.
De facto as reacções da
comunidade científica britânica não se fizeram esperar. Para além de uma série
de argumentos que foram avançados mostrando que as medidas que se anteviam
seriam devastadoras para a ciência no Reino Unido, os britânicos não têm
problemas em chamar as coisas pelos nomes ou em ridicularizar o que é ridículo
em público, mesmo (ou particularmente) no caso de discussões importantes como
esta.
Numa entrevista no seguimento das
declarações iniciais de Cable, Robert May, declarou que
“He was clearly badly briefed,
and it's a shame he didn't care to get all the facts beforehand. In particular,
his claim that public money should not be made available to research that 'is
neither commercially useful nor theoretically outstanding' is just plain
stupid."
Talvez valha
a pena repetirmos esta última frase, agora em bold
e em vermelho, para que não restem
dúvidas:
“[H]is
claim that public money should not be made available to research that 'is
neither commercially useful nor theoretically outstanding' is just plain
stupid."
No dia 9 de Setembro saiu no
Times um artigo de Mark Henderson, na altura editor de ciência nesse jornal e
presentemente chefe de comunicação do Welcome Trust, com o título “Underrating our scientists isn't clever, Dr. Cable”
onde escreveu que
“His claim that 45 per cent of
research fails to pass muster is as credible as Blair’s claim that Iraq could
launch WMDs in 45 minutes.”
Por sua vez, o Presidente da
Academia das Ciências Médicas, John Bell, afirmou que
"A long term commitment to
publicly funded research is vital if we are to harness the competitive
advantage previous investment has generated."
Vários
comentadores, como William
Cullerne Bown no blog Research Fortnight, referiram também que uma libra investida
numa instituição de excelência como Oxford teria provavelmente um menor retorno
que a mesma libra investida em universidades mais pequenas e de menor
qualidade, mas onde os investigadores têm bastante mais necessidades financeiras
para conseguir realizar o seu potencial de investigação – aquelas universidades
onde, em Portugal, António Coutinho quer forçar a migração dos bons
investigadores e pôr os restantes apenas a dar aulas.
Este último
argumento é um exemplo da lei dos rendimentos decrescentes e é extremamente
importante no contexto da avaliação em curso. Chama à atenção que a partir de certa
altura investir mais nas unidades que já têm um financiamento alto terá um
retorno mais baixo que investir noutras unidades com um financiamento mais
baixo, mesmo que estas últimas tenham menor qualidade.
Quanto ao ridículo, mencionamos
apenas um pequeno sketch ao estilo de “Yes, Minister” escrito pelo físico Jon Butterworth e
que apareceu no Guardian (ainda no dia 8 de setembro!), de onde extraímos o
seguinte diálogo:
“Minister: Oh well, we clearly should only fund excellence. It is
inexcusable surely that we are funding anything that is below average?
Civil servant: Quite right minister. We should
only fund the top half I would say. We should monitor it annually and if any of
it is below the top half we should cut it.”
Os modelos a seguir
Na parte
final do texto, António Coutinho menciona um facto que até agora tem sido
negado por todos, desde o ministro à direcção da FCT (a linha oficial é que há pelo
menos tantos fundos para a ciência como anteriormente):
“Sendo manifestamente
incomportável financiar todas as UI que livremente se constituem
(particularmente quando o país abriu falência)”
Comecemos por
notar que, na prática, as unidades não se constituem livremente (nem crescem
como cogumelos), sendo o resultado de um processo evolutivo de vários anos,
condicionado pelas avaliações anteriores. A título de exemplo, concorreram a
esta avaliação menos 82 unidades que em 2007.
Coutinho explica
em seguida o que se deve fazer com as unidades de investigação que considera menos
competitivas, com a ideia que já mencionámos acima sobre a grande migração dos
melhores investigadores enquanto que os outros ficariam a dar aulas.
E acrescenta:
“O ensino
superior em países dos mais competitivos é maioritariamente feito em instituições
e por professores que não fazem investigação.”
A este respeito,
voltemos mais uma vez a Robert May num artigo de 1997 na revista Science, “The Scientific Wealth of Nations.” Um
dos pontos principais desse artigo está relacionado com questões de escala e
com o facto de não se dever comparar a produção científica de diferentes países
sem ter em conta não só o investimento feito como a dimensão desses países.
Ou seja,
estamos a falar de questões de eficiência, as quais são tão mais importantes
quanto menores são os países e os recursos disponíveis, que é precisamente a
situação de Portugal. Reproduzimos aqui uma tabela desse artigo, onde se tem em
conta o número de artigos e citações por habitante, normalisados em relação aos
EUA.
Cuntry
|
Papers per
person
|
Country
|
Citations
per person
|
the Netherlands
|
|||
28
|
Tabela 1.
Medidas de performance relativa, normalizadas por referência aos Estados Unidos.
Os primeiros 10 países encontram-se indicados nas posições correspondentes. Os
últimos quatro têm a posição relativa indicada entre parêntesis.
Esta tabela
contrasta grandemente com a que May cita anteriormente no mesmo artigo contendo
os números absolutos e que é liderada pelos Estados Unidos, seguidos pelo Reino
Unido, Japão, Alemanha, França, Canadá e Itália – ou seja, os países do G7.
Que modelos é
que Portugal deve seguir? Um dos dos países do G7, onde o menor deles tem mais
do triplo da população de Portugal e uma grande capacidade para atrair
emigrantes especializados, para já não falar na muito maior capacidade
financeira, ou apontar para países com uma população semelhante à portuguesa e
que, não se podendo dar ao luxo de desperdiçar recursos humanos, tentam
aproveitar o que têm da forma mais eficiente?
A esse
propósito, e notando que em termos de eficiência os países do G7 são
ultrapassados por pequenos países com muito menos recursos em termos absolutos,
escreve May que
“My view—and it is no more than a
guess—is that a large part of the difference in performance between the top
dozen or so countries in [the above t]able and the lower ranking of the G7
countries arises from differences in the nature of the institutional settings
where the scientific research is done. Germany and France have superb
scientists who do outstanding work, but a large proportion do this work in
dedicated research institutes: Max Planck and CNRS Institutes. By contrast,
most basic research in North America, United Kingdom , the Scandinavian
countries, and others among the top countries in [the above t]able, is done in
universities (19). The nonhierarchical nature of
most North American and northern European universities, coupled with the
pervasive presence of irreverent young undergraduate and postgraduate students,
could be the best environment for productive research. The peace and quiet to focus
on a mission in a research institute, undistracted by teaching or other
responsibilities, may be a questionable blessing.”
Ou seja,
mesmo em países como a Alemanha e a França, não é boa ideia separar de forma
muito dramática a investigação do ensino.
Como escreve
May, trata-se de um palpite, e já muita água correu debaixo das pontes do
Tamisa desde 1997. Mas pelo menos é uma hipótese feita com base em dados que se
está a tentar explicar, e não apenas uma opinião não fundamentada.
Podemos
afirmar, por exemplo, que dinheiros públicos não devem financiar a ciência
feita em instituições privadas, mesmo que sem fins lucrativos, mas isso não
passa de uma opinião – que poderá, no entanto, ser seguida pelo próximo governo
português.
Conclusões
Uma vaga declaração de intenções
da parte do ministro Vince Cable, juntamente com o pseudo-argumento que o que
não é excelente é mediocre, foi suficiente para despoletar toda uma cadeia de
reacções da parte dos cientistas e comentadores britânicos.
O tipo de problemas levantados
por cientistas e comentadores eminentes de um dos países que certamente esta
direcção da FCT pensa ser um bom exemplo a seguir, devia fazer quem tem o poder
de decisão pensar duas vezes na aventura em que querem lançar um país como
Portugal com uma rede de investigação que ainda é frágil – incluindo na sua
dita excelência.
Suspender a avaliação de todas as
unidades de investigação de um país é uma medida radical. Mas pode ser
necessária para evitar consequências muito piores.
No caso britânico, Vince Cable
ainda tem a desculpa de não ser um cientista e saber pouco sobre aquilo de que
está a falar, como foi apontado por várias pessoas na altura. Qual é a desculpa
da linha que vai da direcção da FCT até ao Ministro da Educação e Ciência,
passando por António Coutinho?
Investigador identificado pela redacção do blogue
Investigador identificado pela redacção do blogue
4 comentários:
De acordo. É tempo de alguém inverter o disparate criado por Mariano Gago, que consistiu em retirar todo o dinheiro às universidades e insuflar com financiamentos milionários meia dúzia de laboratórios associados.
Devolva-se a investigação à universidade e acabe-se com essas tetas que não pararam de jorrar dinheiro durante anos.
Bravo! (Para este e todos os outros textos deste investigador anónimo aqui publicados).
De acordo, caro anónimo.
O drama neste país é a quantidade, eu diria inesgotável, de indivíduos “sabichões” como Mariano Gago e António Coutinho que não sabendo "da poda" tem no entanto o atrevimento e o descaramento de se intrometerem e condicionarem os destinos do país, condenando-o à menoridade mental. Foi isso que o primeiro fez retirando a investigação às universidades. É isso que o segundo continuará a fazer ao não devolver a investigação às universidades. Deixo esta transcrição do Professor Sebastião e Silva, que já em 1968 chamava a atenção da necessidade do professor universitário ser também ele um investigador (entrevista publicada pelo jornal A Capital).
“A incompreensão dos leigos relativamente ao problema do professor universitário estriba-se em particular neste facto: para eles, o catedrático ( ou lente: etimologicamente “aquele que lê”) é ainda aquela figura veneranda que sabe muito e fala como um livro aberto, repetindo, sem nunca se enganar, o que os sábios inventaram em países e tempos remotos. Não é de admirar, portanto, que mesmo pessoas inteligentes e bem intencionadas continuem a sustentar que para ser professor universitário não é preciso ser investigador. Eu não digo que num período transitório, não seja necessário ( e é ) admitir realisticamente a existência de professores que, dadas as condições do meio, não puderam realizar se como investigadores, mas que conseguem, excepcionalmente, ser bons pedagogos. Porém, de futuro, a posição terá de ser muito diferente, pelo menos no que se refere aos cursos de carácter científico: se não se exigir ao professor, como mínimo, o hábito e o espírito de pesquisa, reveladores de um contacto permanente com o movimento científico internacional – mesmo que os resultados pessoais não sejam brilhantes – então o País será irremediavelmente condenado à situação de menoridade mental, com todas as consequências deploráveis que daí podem deduzir - se a priori.
Um dos argumentos que são invocados com mais frequência contra o princípio de que os professores devem ser investigadores é o do que a grande maioria dos alunos não irão ser investigadores. Certamente que não! Mas é preciso não esquecer em que época vivemos: a evolução rapidíssima da técnica e da ciência exige que todos adquiram um certo espírito de pesquisa, ou seja: maleabilidade intelectual, senso crítico, imaginação criadora, espírito de iniciativa, capacidade de adaptação. E quem poderá, em última análise, transmitir esse espírito de pesquisa aos jovens portugueses, se nem sequer os professores universitários forem providos de tal espírito?”
… António Coutinho diz ainda “Ser docente-investigador mediano ou medíocre não é melhor do que ser “apenas” um excelente docente.”
Que retrato de horizontes diminutos e de extrema ignorância emana da figura de António Coutinho quando lhe sobrepomos as palavras sabias do Professor Sebastião e Silva.
Eu percebo que aquilo que António Coutinho diz é muito sério e tem serias implicações no futuro do País, por isso deixo aqui um pedido de esclarecimento público ao senhor Ministro Nuno Crato que é: Ou o senhor Ministro Nuno Crato se identifica com as palavras do Professor Sebastião e Silva ou se identifica com as do Professor António Coutinho. Não há duas escolhas.
Se concorda com Sebastião e Silva deve de imediato demitir António Coutinho. De outra forma o senhor Professor Nuno Crato ficará para a história como uma personagem vulgar no campo da investigação cientifica e no da pedagogia entre outros valores. É como eu penso.
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