Não se sabe que raio de sol, num destes
dias de canícula, bateu na moleirinha do ministro Paulo Portas para que ele,
invocando a consciência, se tenha demitido de forma “irrevogável”. O certo é
que algum arrefecimento nocturno levou a que, no dia seguinte, já não estivesse
demissionário, mostrando que as palavras tanto saem como entram da boca de certos
políticos portugueses. Ao dar o dito por não dito Portas descredibilizou-se
completamente, arrastando com ele a depauperada política portuguesa. A sua
consciência actual não é a mesma que antes? O que pensou depois que não pudesse
ter pensado antes? Se já pouca gente acreditava em Portas, hoje menos acreditam.
Se poucas pessoas achavam credíveis os políticos portugueses contemporâneos,
esse conjunto é hoje quase vazio.
Graças ao capricho de Portas hoje a
astrologia substituiu a politologia. Tal como os horóscopos, as decisões dos
políticos nacionais podem ser ou podem não ser. Avisado foi o ministro da
Presidência e porta-voz do governo à espera de remodelação, Luís Marques
Guedes, que, inquirido no final do último Conselho de Ministros sobre se era a
última vez que aquele Conselho reunia, respondeu: “Essa é uma pergunta que deve fazer aos astros. Eu não tenho
nenhuma indicação para que possa responder a uma coisa dessas.” E, perante a
insistência dos jornalistas que queriam saber se na próxima semana iria haver
uma reunião normal do Conselho, ele manteve-se firme: “Não faço ideia.”
De facto, o método recomendado por Marques Guedes teria dado bom resultado
se o seu colega de gabinete a ele tivesse recorrido. Se Portas tivesse
consultado as cartas de Maya para a semana de 30 de Junho a 6 de Julho teria sabido que o seu signo, Virgem, estava
sob a égide da temperança: “Não cometa excessos esta semana. (...) não decida
apenas com o coração.” Mas fez tudo ao contrário, seguindo quiçá algum tarólogo
estrangeiro. Em breve Portas vai ser vice primeiro-ministro (adivinha-se o
telefonema: “Mãe, sou vice primeiro-ministro!”) e só talvez uma incrível conjugação
do zodíaco desconhecida de Maya e só conhecida dos maiores magos mundiais consiga
explicar a sua extraordinária ascensão no poder às custas da própria
consciência.
Falando a sério, que a situação é séria. Ao acumular a vice-presidência do
Conselho de Ministros com a coordenação económico-financeira, a ligação à troika e a reforma do Estado, e ao
conseguir para o CDS-PP a pasta da Economia, terá lugar uma perversão da democracia,
pois dará a um partido que tem 11,7 por cento dos votos uma influência
desmesurada no futuro do país. O fenómeno, apesar de exacerbado aqui e agora,
não é inédito. Trata-se do problema que a ciência política designa por “poder
desrazoável” do terceiro partido. Na Alemanha os liberais (FDP) foram sempre o
terceiro partido entre 1949 e 1994, sem nunca terem alcançado uma votação
superior a 12,8 por cento. Coligaram-se quer à direita, com o CDU-CSU, quer à
esquerda, com o SPD. Na maior parte desse período, o ministro dos Negócios
Estrangeiros alemão foi, por isso, sempre um liberal. No actual governo alemão,
chefiado por Angela Merkel, o FDP, que teve uns anómalos 14,6 por cento nas
eleições de 2009, detém as pastas de Vice Chanceler e Economia, Negócios
Estrangeiros, Justiça, Saúde e Cooperação Económica. Contudo, envolto em profundas
contradições, tem caído em desgraça, afundando-se em sucessivas eleições
estaduais. As sondagens dão-lhe hoje menos de cinco por cento no país quando as
eleições federais são já em 22 de Setembro. Abaixo dessa barreira nem sequer
entram no Bundestag.
A vitória de Portas é de Pirro, um pouco como o balão dos liberais na
Alemanha que encheu antes de esvaziar. Nas próximas legislativas, sejam estas
quando forem, o CDS-PP descerá decerto, dada não só a falta de credibilidade do
seu líder como a impossibilidade prática de ele cumprir as mudanças que promete.
Será que vai fazer a reforma do Estado que não fez até agora? Será que ele vai
conseguir o milagre da recuperação económica? Segundo a Eurosondagem o CDS-PP tem
hoje 7,7 por cento dos votos, acompanhando a vertiginosa queda do PSD. Não
passa do quinto partido. Na mesma sondagem, e como seria de esperar, o PS é, de
longe, o partido mais votado. O semi-líder do Bloco de Esquerda até já se
ofereceu ao PS para ministro de qualquer coisa. Na política à portuguesa, como bem
mostra o caso Portas, a consciência é facilmente trocada pelo poder. Vamos ver
onde estará a consciência de António José Seguro se e quando ele chegar ao
poder. Tem escolhas a fazer para formar governo nas quais devia pensar já hoje.
Face a um novo resgate, que a extrema esquerda não aceita, e perante as
exigências dos credores, poderá ter de fazer uma grande coligação com o segundo
partido, deixando de lado os pequenos partidos. Mas fá-la-á?
7 comentários:
Paulo Portas é um desejante do poder. Dizem do poder que é afrodisíaco. Julgo que, para ele, não apenas. Está já no campo do vício. Com todos os riscos que comporte tal sujeição.
Gostei do artigo. Está muito na linha Daniel Oliveira no Eixo do Mal. Ou pareceu-me.
Trocadilho que nada. Diria cá no Brasil o "menino da porteira".
Muito bom tudo o que aqui escreveu.
Parece que demasiadas pessoas se não lembram do "brilhante" percurso de Paulo Portas do "Independene" até hoje?
Claro que se o PS tivesse uma liderança de jeito, nada disto hoje, estaria a acontecer!
Parabéns pelo artigo.
De duas uma:
- Ou mudam o Manifesto deste blogue, passando a incluir comentário político
- Ou alguém me explique qual é a ligação entre este post e "o empreendimento humano da descoberta do mundo, que é a ciência, e as profundas implicações que essa descoberta tem para a nossa vida no mundo."
O autor que me perdoe, mas estou baralhada. Normalmente, o BE é acusado de ter uma postura anti poder, e não poder, portanto, ser levado a sério. Mas agora, você escreve que «O semi-líder do Bloco de Esquerda até já se ofereceu ao PS para ministro de qualquer coisa. Na política à portuguesa, como bem mostra o caso Portas, a consciência é facilmente trocada pelo poder.» ou seja, ao oferecer-se para integrar uma alternativa, está a trocar a consciência pelo poder, certo?
Já agora, uma vez que o país chegou ao estado a que chegou depois de décadas de governos PS ou PSD (ou combinações em que um destes partidos era maioritário), não seria, digo eu, de enveredar por outro caminho?
Completamente de acordo.
SABER, PARA EXPORTAÇÃO
Jovem combativo da minha pátria,
Como os que o eram em sessenta,
Gente com dignidade própria,
Vertical e sonhador se apresenta,
Transporta a dor, qual angústia,
Desta política arrasadora e cinzenta.
Crescemos a pulso, vivemos esperança,
Aprendemos democracia, liberdade,
A nós, impusemos espírito de mudança,
Fizemos com esta gente, solidariedade,
Do nosso destino, a liderança,
Tudo isto construímos com vontade.
História esta tão intrigante e estranha,
Se repete nos tempos, de modo igual,
Certos tipos, gente sem vergonha,
Pouco a pouco, modo informal,
Vão minando a montanha,
Do nosso sonho, outro Portugal.
Ensino para todos, fomentámos,
Igual saúde para todos, sim senhor,
Regras de trabalho, produzimos,
A todos pusemos ao dispor,
Que aos melhores, promovemos,
O saber, pelo mérito, sem favor.
Construção pedra a pedra desta gente,
Gente obreira, de garra, laboriosa,
De vontade férrea, ebuliente,
Cumprir a tarefa assaz, honrosa,
Recuperar do atraso patente,
De propositada incultura vergonhosa.
Se enchemos o peito de orgulho,
É pela cultura do saber,
Passámos o espartilho,
De tristes e sós, outro ser,
Passar de pai para filho,
A vontade de vencer.
Formação esta não se compara
À que outrora emigrou,
Gente que não se formara,
Nem outras sortes ganhou,
Ganhou quem foi embora,
Ar digno, simplicidade, imperou.
De piegas a novos emigrantes,
Já tudo foi dito, proposto
Por estes grilos gaiteiros, falantes,
Dizem essas caras sem rosto,
Que somos meras pedras rolantes,
Sem direito a trabalho digno, suposto.
Não mais jovens a partir,
Aquele não é sua escolha, seu país,
Gente que não consegue sorrir.
A partida, só por si, é infeliz,
Gente que prefere contribuir,
Estar na solução, sempre o quis.
Não mais braços musculados de valor,
Acenando, dizendo adeus,
Clamando pela dor,
Sofrimento seu, e dos seus,
Esta é a sua terra, seja o que for,
Forte, bradando à terra e aos céus.
Não mais França, Alemanha,
Só porque não temos lugar,
Nem em vale ou montanha,
Queremos viver, ir e voltar,
Sem que nos imponham a escolha
De morrer ou matar.
Querem estes jovens ter direito
De optar, e querer ou não, sair,
Quando o que lhes vai no peito,
Nos diz, de verdade, a sorrir,
A oportunidade é seu proveito,
Escolher quem quer partir.
LUMAVITO, 21/07/2013.
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