sábado, 22 de abril de 2017

Saúde e educação em tempos de pós-verdades

O projecto da modernidade fez acreditar que, naquilo que toca à ciência, toda a crença seria progressivamente afastada em favor da razão. 

A razão, nunca no sentido da infalibilidade do pensamento, que declara certezas definitivas, as quais conduzem à imposição de dogmas, mas no sentido do uso metódico do pensamento na procura de verdades, sabendo-se que aquelas que se conseguirem alcançar serão, com grande probabilidade, mais dia menos dia, revistas. 

Verdades que, mesmo assim - no campo da ciência, repito - têm um poder de explicação e de intervenção que a crença não tem.

Acreditou-se que isso pudesse ser assim nos campos da medicina e da educação, onde, ainda que de modo diferente, está implicado o valor da vida humana.

Foi, efectivamente, uma questão de crença: vemo-lo, com grande clareza, pelo menos desde meados do século passado mas, arrisco afirmá-lo, só neste século damos conta das suas reais dimensões, primeiro na educação escolar, depois na medicina.


Uma sala de aula das Escolas Vittra (aqui)
No que respeita à escola sabemos que as crianças e os jovens não se educam sozinhos nem uns aos outros: para serem autónomos e inteligentes têm de ser ensinados. De outro modo: a aprendizagem formal não acontece sem ensino; para aprenderem o que a escola tem obrigação de oferecer, os alunos precisam de ter bons professores. 

Faço esta afirmações com base em dados científicos de que dispomos e que, até serem desmentidos, devem ser tidos por credíveis. 

Porém, a "inovação curricular" que está ser legitimada e implementada por vários países dispersos pelo mundo é de sentido contrário, assenta em muito na crença que é contrária ao que acima referi. O espaço - interior ou exterior - sem professor, no qual os alunos, podem descobrir o seu próprio conhecimento e criar livremente é, pelo seu elogio e sofisticação que lhe está agregado, difícil de consciencializar e superar.

O mesmo acontece na medicina: procedimentos que se têm por seguros na melhoria da vida de cada pessoa e das populações, poupando-as a doenças e à morte antecipada, e que, por isso, se reconhecem como fazendo parte do progresso civilizacional, passaram a ser equiparados a outros que não encontram mais sustentação do que declarações por parte de quem nunca seguiu, ou abandonou, o modo de pensar científico.

Numa era em que a ciência deixou de se distinguir da pseudo-ciência, esgrimem-se argumentos da mesma ordem, que se encontram plasmados em artigos científicos - com e sem aspas - que foram revistos por peritos - com e sem aspas - e publicados em revistas científicas - com e sem aspas.

Tudo está ao mesmo nível, tudo se equivale: o que se declara num sentido e no sentido contrário; o que tem um efeito e o efeito contrário.

Finalmente, tudo se vai reconhecendo em letra de lei. E quando isto acontece devemos ficar muito incomodados pois, afinal, estamos a normatizar o que concorre para pôr em causa o conhecimento e, com ele, o valor da vida.

4 comentários:

Anónimo disse...

LIVE: March for science takes place in Washington DC
https://www.youtube.com/watch?v=_XdOm4MiuYE

A INQUISIÇÃO DO SÉC: XXI - o activismo da ciência cientificista
Os palermas de serviço em Portugal também já aderiram ao movimento internacional. Agora vamos lá pensar, este tipo de movimentos e as reivindicações que acabo de ouvir tem a impressão digital 100% certificada das organizações de George Soros, o globalismo transpira por todo o lado, já vi isto antes, muitas vezes.

Como é que pessoas supostamente inteligentes, como os cientistas deveriam ser, podem cair numa patranha destas, apoiando este movimento???

A ruptura de paradigma está prestes a ocorrer, e não irá ocorrer sem um grande BANG!

Anónimo disse...

Até a ciência e a tecnologia deixarem de estar suprimidas nos balcões de registo de patentes, por critérios e serviços governamentais cuja a supervisão é tudo menos democrática ou cidadã, jamais poderemos ter este tipo de confiança e abertura para com a Ciência. E jamais deixaremos de estar sujeitos às crenças que manipulam a Ciência no sentido de criar uma tecnocracia tenebrosa e desumana. Uma nova religião baseada na distorção de factos científicos endeusados é tudo o que podemos conseguir. Sérios riscos pairam sobre as nossas cabeças, ainda assim, prefiro romar a Fátima, do que a qualquer laboratório para ser cobaia de um qualquer mandato tecnocrático!

Anónimo disse...

(ironia) Gritem, gritem, façam-lhe a vontade!

Carlos Moedas insta cientistas a gritarem pela ciência e a manifestarem-se
https://www.dinheirovivo.pt/economia/carlos-moedas-insta-cientistas-a-gritarem-pela-ciencia-e-a-manifestarem-se/

Carlos Ricardo Soares disse...

Este tempo de pós-verdades é um tempo de suspeita baseada na ignorância da verdade. É um tempo de crise de confiança nos referenciais de autoridade, tradicionalmente propostos pelos poderes institucionalizados, como garantes impolutos da verdade do "ser", do "dever-ser", do "poder-ser" e do "querer-ser".
Para acreditar é preciso querer, mais do que crer. Hoje, temos muita dificuldade em acreditar, por exemplo, que uma pasta de dentes produz o efeito que proclama ter. Não vejo mal nesta atitude de retranca, porque, afinal, é a mais adequada, do ponto de vista crítico e científico.
E como as verdades parecem inacessíveis a todos (quanto mais alguém se arroga de uma verdade, mais suspeito é, sobretudo se for interessado nela), é de bom senso não acreditar sem provas seguras e, sobretudo, não acreditar naquilo que não nos interessa.
Ora, então, cá está: o interesse como critério de verdade. Mas isto é tão velho como a tal profissão mais antiga.

"O PODER DA LITERATURA". UMA HISTÓRIA, UM LIVRO

Talvez haja quem se recorde de, nos anos oitenta do passado século, certa professora, chamada Maria do Carmo Vieira, e os seus alunos do 11....