De Rerum Natura
A natureza das coisas
quarta-feira, 17 de dezembro de 2025
terça-feira, 16 de dezembro de 2025
O PROBLEMA SÃO OS POBRES, ESTUDANTES OU NÃO...
“Quando nós metemos pessoas que são basicamente todas de rendimentos mais baixos a beneficiar de um serviço público, nós sabemos que esse serviço público se deteriora, é assim nos hospitais, é assim nas escolas...”
Há poucos minutos, numa entrevista a um canal de televisão, o mesmo ministro explicou que não é nada assim, foi mal interpretado, melhor, as palavras foram descontextualizadas, o problema é da gestão desses serviços e, repetiu: do descuido da gestão!
PS 1: Entretanto o gabinete de imprensa do MECI publicou um "esclarecimento" sobre a polémica intervenção do ministro. Nele se reafirma a descontextualização das palavras (em primeira instância pela comunicação social) e a existência de "muitos estudos" que demonstram que a qualidade dos serviços aumenta quando existe diversidade social de utilizadores. Seria de lhe pedir, como fez um comentador de futebol: "diga um estudo, diga um..."
PS 2: E o "metemos" na frase não calha nada bem... Sei que os mais jovens usam o "meter" em vez de "colocar", de "pôr"... mas o senhor ministro é de outra geração...
segunda-feira, 15 de dezembro de 2025
O AFASTAMENTO DOS PROFESSORES DA SUA FUNÇÃO: O CASO DO ENSINO UNIVERSITÁRIO
sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
LIMITES DA SENSATEZ
Em complemento ao que consta na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), numa nota, não datada, do Ministério da Educação, Ciência e Inovação diz-se o seguinte (ver aqui):
"4.3. Os AE/EnA devem definir as entidades externas com as quais desejam colaborar no âmbito da Cidadania e Desenvolvimento, cumprindo os termos da ENEC no envolvimento da comunidade educativa e, em particular, das famílias. Ao longo do ano letivo 2025/2026, o MECI irá estabelecer protocolos com entidades públicas e privadas de reconhecido mérito nas suas áreas de atuação, de modo a estruturar e facilitar a sua colaboração com as escolas, no âmbito da disciplina e das suas oito dimensões."
Das oito dimensões, organizados em dois grupos, segundo o critério de obrigatoriedade, a "literacia financeira e empreendedorismo" saíram manifestamente reforçadas: o empenho do ministro, de secretários de estado e de altos responsáveis de ambas as áreas é bem exemplo disso (ver aqui). Bancos, seguradoras e afins já tinham as portas das escolas públicas franqueadas, agora verão o seu "mérito reconhecido", beneficiando de protocolos firmados. Quem diz estas entidades empresariais, diz outras cujos fins não são educativos. A sua entrada no sistema de ensino concorre em benefício próprio, não em beneficio dos alunos, os tais que dizem estar no "centro" do sistema...
A verdade é que o ministério não assegura, por inteiro, os fins educativos a que o sistema público de ensino está obrigado, aqueles que estão na Constituição da República e Lei de Bases, mas as escolas também não. Estas, presumo que entre as lógicas da obediência e da concordância, hão-de fazer vénias a tais entidades, como, de resto, tem acontecido. E, claro, apresentar a sua estratégia de educação para a cidadania, bem como assinar protocolos.
Nada disto é novo, nem apanágio luso. Neil Postman, no livro O fim da educação, de 1995, diz que se poderia pensar que as escolas se opõem ao deus do consumo, pugnando por libertar os alunos da servidão do materialismo, mas não é isso que via acontecer. E dá um exemplo, que se tornou clássico (adapto o texto):
cerca de dez mil escolas dos EUA aceitaram a oferta de um anunciante para incluir, diariamente, dois minutos de publicidade no currículo, usando o poder do Estado para forçar alguém a ver anúncios. Em troca, oferecia dez minutos de notícias, na sua própria versão, e um equipamento de televisão e antena parabólica. O entusiasmo demonstrado pelas escolas é revelador de que não veem contradição entre o que deveriam ensinar e o que as empresas querem que se aprenda.
E acrescenta: quando estas coisas acontecem percebemos que deixámos de saber o que fazer; pior ainda, que alcançámos o limite da sensatez. Passados que são trinta anos, o limite da sensatez nem é assunto...
Que criança rime com segurança e brinquedo seguro com expectativa de futuro
Texto de Mário Frota presidente emérito da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (apDC) - Coimbra.
Fernando Pessoa
Porque há brinquedos que matam…
Porque “o Diabo deu um tiro com a tranca de uma porta”!
Porque há, como se dizia outrora, numa interessante e realista campanha da então Comunidade Europeia (“o tempora, o mores”!), “brinquedos menos inocentes que as crianças”!
Milhões (milhões!) de brinquedos provenientes do Sudeste asiático foram, há não muitos anos, retirados do mercado porque inseguros, susceptíveis de causar graves danos às crianças.
A Mattel viu-se envolvida em tal escândalo com consequências inenarráveis!
Dentre tais brinquedos contavam-se a “Barbie”, o “Batman” e alguns bonecos da “Rua Sésamo”…
Precaução e prevenção – princípios nucleares a eleger como dominantes neste segmento.
Dirigido aos que no mercado de consumo importam brinquedos e promovem a sua oferta à massa anónima de consumidores, assistida de uma comunicação intensa, persuasiva, insinuante.
O envolvimento das crianças (nem sempre lícito) em nutridas campanhas de publicidade no pequeno ecrã nunca foi, ao que se nos afigura, tão intenso como agora.
Do Continente à Meo, passando por inúmeras insígnias de marca… sempre e só a ‘aliciante’ quão preocupante presença de crianças, de recém-nascidos… sem que ninguém ouse já pôr cobro a estes devaneios…
Nele se resumem, afinal, as regras constantes da Directiva Europeia da Segurança dos Brinquedos com tradução nos normativos nacionais:
2.º – Preservarás saúde e segurança de crianças e jovens, prevenindo riscos e perigos causados pelos brinquedos;
3.º – Cuidarás em particular de crianças até aos 36 meses face à peculiar condição e à hipervulnerabilidade da primeira infância;
4.º – Acautelarás os riscos inerentes às propriedades físicas e mecânicas dos brinquedos, tal como as normas harmonizadas o impõem;
5.º – Terás em conta as regras sobre inflamabilidade dos brinquedos para evitar que crianças e jovens se queimem quando inocentemente pegarem num desses objectos para brincar;
6.º – Observarás com rigor as exigências técnicas quanto às propriedades químicas que os brinquedos incorporem, evitando riscos e perigos desnecessários;
7.º – Cumprirás escrupulosamente as prescrições acerca das propriedades eléctricas para evitar descargas lesivas da integridade física de crianças e jovens;
8.º – Excluirás a radioactividade dos brinquedos, impondo aos fabricantes a observância de todas as regras a tal propósito prescritas;
9.º – Só neles aporás a declaração de conformidade CE, se em rigor tudo, absolutamente tudo, estiver em consonância com as exigentes normas em vigor;
10.º – Farás acompanhar os brinquedos de manuais de instrução inteligíveis, em linguagem simples, acessível e compreensível a todos os públicos.”
. Segurança nas iguarias do período festivo (nos géneros alimentícios em geral, como no tradicional Bolo-Rei);
. Segurança nas decorações alusivas à Quadra;
. Segurança portas-adentro, no conforto do lar para os que dele possam fruir;
. Segurança nos gestos, na atitude, perante as circunstâncias;
. Segurança, em suma, nos brinquedos.
E teime (e persista) em rimar com folguedo…
Nesta Quadra ofereça segurança.
A segurança é o expoente da nossa condição cidadã, mormente em período de incerteza e insegurança que promanam de leste ante a iminência de uma guerra sem tréguas!
Mário Frota Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
Do século das crianças ao século de instrumentalização das crianças
segunda-feira, 8 de dezembro de 2025
O ESTADO NOVO DE SALAZAR, NA MEMÓRIA DE QUEM O VIVEU
Nos anos de 1930 e 1940, os das duas primeiras décadas de consolidação do Estado Novo, Portugal viveu em situação de ditadura, distinguindo apoiantes do novo regime e oposicionistas, de entre os quais se evidenciaram, por serem publicamente conhecidos, os que “se metiam na política”, localmente referidos como sendo “os do reviralho”. Eram os da chamada oposição democrática, consentida por Salazar, com destaque para os do Movimento de Unidade Democrática (MUD).
Para além das restrições à liberdade e da censura, fez-se sentir, também aqui, o decreto 27 003, de 14 de Setembro de 1936, que determinava: «Para admissão a concurso nomeação efectiva ou interina, assalariamento, recondução, promoção ou acesso, comissão de serviço, concessão de diuturnidades e transferência voluntária, em relação aos lugares do estado e serviços autónomos, bem como dos corpos e corporações administrativos, é exigido o seguinte documento com assinatura reconhecida: «Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas». E, mais adiante: «Os directores e chefes dos serviços serão demitidos, reformados ou aposentados compulsivamente sempre que algum dos respectivos funcionários ou empregados professe doutrinas subversivas, e se verifique que não usaram da sua autoridade ou não informaram superiormente».
Embora na letra da Constituição de 1933, figurasse o princípio da igualdade entre cidadãos perante a lei, o Estado Novo considerava a mulher como mãe, dona-de-casa e, em quase tudo, submissa ao marido. A lei portuguesa de então, designava o marido como chefe de família, sendo reservado à mulher o governo da casa, o que se traduzia pela imposição dos trabalhos domésticos como obrigação, não tendo os mesmos direitos na educação dos filhos. Não tinha direito de voto, não podia ascender a determinadas chefias nem exercer cargos na magistratura, na diplomacia e na política. Sendo casadas, as nossas mulheres perdiam o direito a intervir nas suas propriedades, não podiam viajar para fora do país sem autorização dos maridos e não podiam trabalhar sem autorização destes. O marido podia dirigir-se ao empregador declarar não autorizar a mulher a trabalhar, o que implicava o seu imediato despedimento.
Em muitos hospitais as enfermeiras podiam ser impedidas de casar. Se casassem, podiam ser obrigadas a abandonar a profissão. As professoras tinham de pedir autorização para casar, o que só era permitido se o noivo satisfizesse determinadas condições, autorização publicada e em Diário da República O divórcio era proibido, devido ao acordo estabelecido com a Concordata de 1940, numa submissão do Estado à Igreja Católica. Assim, todas as crianças nascidas de uma nova relação, posterior casamento, eram consideradas ilegítimas, não podendo ter o nome do pai, ou seja, o do companheiro.
Na orientação ideológica antiliberal e de cariz católica do ditador, a existência da mulher confundia-se com a da família, estando-lhe reservado o espaço doméstico. A Obra das Mães pela Educação Nacional, organização feminina do Estado Novo, criada em 1936, tinha por objetivo “estimular a acção educativa da família e assegurar a cooperação entre esta e a escola nos termos da Constituição” de 1933.
Nascida em 1912, como suplemento feminino do jornal “O Século” a revista semanal “Mulher – Modas & Bordados” dirigida nos primeiros tempos a uma pretensa elite feminina, fornecia-lhe conselhos nos domínios da moda, da culinária, das boas-maneiras e da beleza. Mostrou, porém, alguma preocupação de valorização da mulher, testemunhada pela publicação regular de sonetos da grande poetisa alentejana, Florbela Espanca (1894-1930), uma das primeiras mulheres a frequentar o Liceu Masculino André de Gouveia, onde permaneceu até 1912. Foi, porém, com Maria Lamas (1893-1983), opositora ao regime e feminista, na direcção desta revista que a luta contra a secundarização da mulher se fez sentir, não só em Évora, onde tinha ligações familiares, como no país.
Depois de duas décadas de confronto com o liberalismo e o republicanismo, a chamada pax salazarista proporcionou à Igreja (grandemente afectada durante a Primeira República) um terreno propício à sua reimplantação e reestruturação interna. Nestes propósitos, assumiu papel fundamental o então Patriarca de Lisboa, Dom Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), dirigindo a Igreja Católica Portuguesa durante o Estado Novo. Elevado ao cardinalato, em 1929, pelo Papa Pio XI, foi amigo íntimo e companheiro de Salazar (militante católico nos tempos da Primeira República), no Centro Académico da Democracia Cristã, em Coimbra. Com a subida de Salazar ao poder, o cardeal Cerejeira pôde garantir, à Igreja, potecção, respeito e liberdade de acção.
Nestes anos, o ensino obrigatório ainda terminava com o exame da 3ª classe (3º ano, como agora se diz), certificado pelo diploma do “Primeiro Grau”, exigível, por exemplo, para ingresso nos lugares mais humildes da função pública, no comércio, como caixeiro, nos correios, como carteiro ou boletineiro e, até, para ser eleitor. Ler, escrever e contar era tudo o que, o cidadão comum necessitava para fugir à vida do campo, ao aprendizado artesanal ou oficinal e a outros trabalhos que apenas fizessem uso da força braçal. Esta habilitação mínima vigorou até 1956. A partir de então, a escolaridade aumentou para 4 anos, apenas para os rapazes. Só quatro anos depois, esta obrigatoriedade foi decretada para as raparigas.
Na Escola Primária, a pedagogia estava na ponta da régua, versão escolar da tradicional palmatória ou menina de cinco olhos. Com algumas professoras, as reguadas estalavam nas mãos das crianças “por dá cá aquela palha”, quer por motivos de disciplina, quer por erros nos ditados, nas contas e em quaisquer outras matérias.
À margem da Escola Primária havia as chamadas “Escolas Incompletas”, criadas em 1930, mais tarde designadas “postos escolares”, com o propósito de combater o analfabetismo no seio de populações sem escola nem condições mínimas de fixar professores. Aqui o ensino era ministrado por “regentes escolares”. Na imensamente maioria mulheres, ganhavam metade do ordenado de um professor, bastava que possuíssem a 4ª, que demonstrarem ter bom comportamento moral e adesão ao regime e eram, de preferência, oriundas dos próprios locais.
A análise histórica da documentação permite verificar que, nesses anos, os professores, diplomados pelas Escolas Normais, foram sendo substituídos pelos regentes escolares, em especial nas aldeias e na periferia das cidades. A escolaridade obrigatória, como se disse, baixara para a 3.ª classe e as crianças estavam preparadas para trabalhar e ouvir o sermão do senhor padre aos Domingos.
Salazar procurou promover uma sociedade ruralista, dando relevo à família patriarcal e católica. No discurso de Salazar, proferido em 12 de maio de 1935, na sede da Liga 28 de Maio, em Lisboa, Salazar disse: «Oiço muitas vezes dizer aos homens da minha aldeia, «Gostava que os pequenos soubessem ler para os tirar da enxada». E eu gostaria bem mais que eles dissessem: «Gostaria que os pequenos soubessem ler, para poderem tirar melhor rendimento da enxada»
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
"Lia tudo e mais alguma coisa"
Parabéns se está a ler isto. E chegou até aqui. Possui uma habilidade rara e arcaica: a arte da leitura. Estamos agora a entrar na era pós-alfabetizada. Se alguém do futuro distante vasculhar os nossos restos e encontrar aquela coisa tão obscura, um livro, ficará tão encantado e perplexo quanto nós quando nos deparamos com os restos fossilizados de um braquiossauro. A leitura está morta. Está a desaparecer diante dos nossos olhos.
Gosto de chamar a era em que estamos prestes a entrar de Desiluminismo, na qual desaprendemos todas as coisas que pareciam tão importantes para nós no século XVIII — conhecimento, verdades científicas, debate democrático e, acima de tudo, alfabetização. O Desiluminismo evitará a aquisição de conhecimento, argumentando que é mais importante dizer como se sente sobre as coisas do que saber sobre elas. As verdades científicas serão derrubadas se ofenderem os idiotas, disciplinas inteiras serão desmembradas por consolidarem a supremacia entre uma certa elite. O debate democrático não existirá; apenas posições absolutistas, e cada lado gritará slogans fúteis para o outro, sem espaço para dúvidas, apenas a recitação de certezas. E ninguém lerá e ninguém saberá coisa alguma.
Rod Liddle, First reading dies, then knowledge, then science. It’s the Disenlightenment, The Sunday Times, 24/08/2025
quinta-feira, 27 de novembro de 2025
CARTA ABERTA 2: Quem recusa o apelo para adotar a GenAI na educação
Transcrevo, abaixo, uma segunda carta aberta (a primeira encontra-se aqui) que leva a ponderar o uso de mecanismos de "inteligência artificial" nas instituições de ensino superior. O seu título é Who Refuse the Call to Adopt GenAI in Education, tem como primeira signatária Melanie Dusseau da University of Findlay, Findlay e foi publicada em Julho deste ano.
Espero que a tradução que apresento não desvirtue a letra dos seus signatários os quais declararam recusar esses mecanismos na educação.
Na sua essência, a educação é um projeto que visa orientar os alunos para exercerem a sua autonomia no mundo. Por meio da educação, devem ser capacitados a participar de forma significativa na sociedade, na indústria e no planeta. Mas, na sua forma atual, a GenAI é prejudicial à autonomia dos alunos, dos educadores e dos profissionais.
As tecnologias GenAI atuais representam danos legais, éticos e ambientais inaceitáveis, incluindo exploração do trabalho, pirataria do trabalho de inúmeros criadores e artistas, veiculação de preconceitos prejudiciais, produção em massa de desinformação e reversão da trajetória global de redução de emissões.
A GenAI é uma ameaça à aprendizagem e ao bem-estar dos alunos. Não há evidências suficientes de que o uso da GenAI pelos alunos constitua um verdadeiro ganho na aprendizagem, apesar de haver uma enorme força de marketing para fazer crer que os seus produtos são essenciais para o futuro dos alunos, para a sua vida. Os jovens que utilizam chatbots antropomorfizados são vulneráveis à adição psicológica e emocional. As «relações» com a GenAI desencadeiam problemas de saúde mental, ruturas nas relações humanas e, nos piores casos, tentativas e suicídios consumados.
Além disso, a adoção da GenAI na indústria visa predominantemente automatizar e substituir o esforço humano, muitas vezes com a expectativa de que a futura «AGI» tornará obsoleto o trabalho intelectual e criativo humano. Esta é uma narrativa da qual não faremos parte.
Não apoiamos o uso da GenAI na educação. Comprometemo-nos a respeitar os seguintes princípios no nosso trabalho e apelamos às instituições educativas, aos diretores escolares e aos decisores políticos para que respeitem o nosso direito de os implementar.
2. Não promoveremos produtos de IA gerada por computador baseados em modelos desenvolvidos de forma anti-ética, como ChatGPT, Claude, Copilot, Gemini, Grok ou Llama. Não permitiremos que parcerias corporativas-institucionais comprometam a nossa liberdade académica.
3. Não aceitaremos sem provas as vendas por parte de pessoas que não são educadores, nem espalharemos exageros em detrimento da aprendizagem dos alunos e da pedagogia dinâmica.
4. Não ensinaremos os nossos alunos a usar ferramentas de IA generativa para substituir o próprio esforço intelectual. Não podemos corroborar a automação e a exploração do trabalho intelectual e criativo.
5. Não pediremos aos alunos ou funcionários que violem o espírito da integridade académica promovendo o uso de produtos anti-éticos.
6. Não reescreveremos o currículo para inserir IA generativa com o objetivo de «estruturar a alfabetização em IA».
7. Não contribuiremos para a erosão da liberdade académica e da função dos educadores, forçando-os a aderir a tecnologias que se consideram anti-éticas.
8. Respeitamos também os direitos dos estudantes de resistir e recusar.
terça-feira, 25 de novembro de 2025
CARTA ABERTA 1: "PARE-SE COM A ADOPÇÃO ACRÍTICA DE TECNOLOGIAS DE IA NO MEIO ACADÉMICO"
Aos professores universitários chegam, com frequência crescente e de diversas fontes e formas, incentivos para que usem a dita "inteligência artificial" no seu ensino. Em geral, esses incentivos redundam no velhíssimo argumento de que é preciso "inovar", guarda-chuva de outros não menos velhos, como urgência de "construir o futuro", "necessidade de redefinir a aprendizagem", "potenciar o pensamento crítico e criativo". E, claro, estribado na potente TINA: "não há alternativa", é "inevitável".
A pressa e a pressão colocada nos professores não tem, contudo, sido impedimento para alguns de ponderarem esse inventivo e tomarem uma posição. Encontrei duas cartas abertas de professores universitários, com as mais variadas formações e interesses de investigação, que concretizam este propósito e que trago aqui a título de exemplo.
Transcrevo abaixo uma delas, reservando a outra para texto posterior. Espero que a tradução que apresento não tenha desvirtuado a letra dos seus signatários. Permiti-me introduzir alguns destaques nas passagens que mais valorizei com base na ideia de educação que entendo dever guiar a Universidade.
A carta, com o título Stop the Uncritical Adoption of AI Technologies in Academia, foi publicada em junho de 2025 e assinada, em primeiro lugar, por Olivia Guest, professora de Computational Cognitive Science, Cognitive Science & Artificial Intelligence do Department and Donders Centre for Cognition, Radboud University Nijmegen
Prezadas Universidades dos Países Baixos, Universidades Neerlandesas de Ciências Aplicadas e Respetivos Conselhos Executivos,
Com esta carta, assumimos uma posição de princípio contra a proliferação das chamadas tecnologias de «IA» nas universidades. Estando em instituições de ensino, não podemos tolerar o uso acrítico da IA por estudantes, professores ou gestores. Apelamos também à reconsideração de quaisquer relações financeiras diretas entre universidades holandesas e empresas de IA. A introdução irrestrita da tecnologia de IA leva à violação do espírito da lei Al da UE pois compromete os valores pedagógicos básicos e os princípios da integridade científica, impede-nos de manter os padrões de independência e transparência, e o mais preocupante é que o uso da IA tem demonstrado prejudicar a aprendizagem e enfraquecer o pensamento crítico.
Como académicos, e especialmente
como educadores, temos a responsabilidade de
educar os nossos alunos, não de aprovar diplomas sem qualquer relação
com as competências de nível universitário. O nosso dever é cultivar o pensamento crítico e a honestidade intelectual, e
não é nosso papel policiar ou promover a fraude, nem normalizar a restrição do pensamento profundo por parte dos nossos alunos e
orientandos.
As universidades têm como objetivo o envolvimento profundo
com a matéria. O objetivo da formação académica não é resolver problemas
da forma mais eficiente e rápida possível, mas desenvolver competências
para identificar e lidar com problemas novos, que nunca foram
resolvidos antes. Esperamos que os alunos tenham espaço e tempo para
formar as suas próprias opiniões profundamente ponderadas, informadas
pela nossa experiência e alimentadas pelos nossos espaços educativos.
Esses espaços devem ser protegidos da publicidade da indústria, e o nosso financiamento não deve ser mal gasto em empresas com fins lucrativos, que oferecem pouco em troca e desqualificam ativamente os nossos alunos. Até mesmo o próprio termo «Inteligência Artificial» (que cientificamente se refere a um campo de estudo académico) é amplamente mal utilizado, com a falta de clareza conceptual, aproveitada para promover as agendas da indústria e minar as discussões académicas. É nossa tarefa desmistificar e desafiar a «IA» no nosso ensino, investigação e no nosso envolvimento com a sociedade.
Devemos proteger e cultivar o ecossistema do conhecimento humano. Os modelos de IA podem imitar a aparência de trabalhos académicos, mas (por construção) não se preocupam com a verdade — o resultado é uma torrente de «informações» não verificadas, mas que soam convincentes. Na melhor das hipóteses, esses resultados são acidentalmente verdadeiros, mas geralmente sem citações, divorciados do raciocínio humano e da rede académica da qual são roubados. Na pior das hipóteses, são confiantemente errados. Ambos os resultados são perigosos para o ecossistema.
As tecnologias de IA exageradas, como chatbots, grandes modelos de linguagem e produtos relacionados, são apenas isso: produtos que a indústria tecnológica, tal como as indústrias do tabaco e do petróleo, produz para obter lucro e em contradição com os valores da sustentabilidade ecológica, dignidade humana, salvaguarda pedagógica, privacidade de dados, integridade científica e democracia.
Esses
produtos de «IA» são material e psicologicamente prejudiciais à
capacidade dos nossos alunos de escrever e pensar por si próprios, beneficiando, em vez disso, investidores e empresas
multinacionais. Como estratégia de marketing para introduzir tais
ferramentas na sala de aula, as empresas afirmam falsamente que os
alunos são preguiçosos ou carecem de competências de escrita. Condenamos
essas afirmações e reafirmamos a autonomia dos alunos face ao controlo
corporativo.
Já passámos por isso antes com o tabaco, o petróleo e
muitas outras indústrias nocivas que não têm os nossos interesses em
mente e que são indiferentes ao progresso académico dos nossos alunos e à
integridade dos nossos processos académicos.
Apelamos a todos para:
•
Resistir à introdução da IA, nos nossos próprios sistemas de software,
desde a Microsoft à OpenAI e à Apple. Não é do nosso interesse permitir
que os nossos processos sejam corrompidos e ceder os nossos dados para
serem usados no treino de modelos que não só são inúteis para nós, como
também prejudiciais;
• Proibir o uso da IA na sala de aula para
trabalhos dos alunos, da mesma forma que proibimos fábricas de ensaios e
outras formas de plágio. Os alunos devem ser protegidos contra a
desqualificação e ter espaço e tempo para realizar as suas tarefas por
conta própria;
• Deixar de normalizar o hype da IA e as mentiras que
prevalecem na forma como a indústria tecnológica enquadra estas
tecnologias. As tecnologias não têm as capacidades anunciadas e a sua
adoção coloca os alunos e os académicos em risco de violar padrões
éticos, legais, académicos e científicos de fiabilidade,
sustentabilidade e segurança;
• Fortalecer a nossa liberdade
académica como profissionais universitários para fazer cumprir estes
princípios e padrões nas nossas salas de aula e na nossa investigação,
bem como nos sistemas informáticos que somos obrigados a utilizar como
parte do nosso trabalho. Nós, como académicos, temos direito aos nossos
próprios espaços;
• Manter o pensamento crítico sobre a IA e promover
o envolvimento crítico com a tecnologia numa base académica sólida. A
discussão académica deve estar livre de conflitos de interesses causados
pelo financiamento da indústria, e a resistência fundamentada deve ser
sempre uma opção.
Atenciosamente,
...
segunda-feira, 24 de novembro de 2025
A escola pública está exposta à massificação das gigantes tecnológicas
A escola pública está em queda e o país resignou-se é o título de um artigo saído hoje no jornal Público, assinado por Paulo Prudêncio (ver aqui ou aqui). É um artigo que, como vários outros saídos ultimamente neste e noutros jornais, deviam ser considerados como documentos de reflexão colectiva nas escolas, nas acções de formação de professores, nas instituições de ensino superior que formam professores. Não digo o mesmo para responsáveis políticos, estejam eles situados a nível nacional ou local, pois nas suas "agendas" constarão outras intenções e pressões para a educação, que não os efectivos fins educação.
Quase no final do artigo, este professor diz o seguinte:
E enquanto o país se convenientemente distrai, crescem brutalmente as desigualdades educativas (...) O investimento financeiro das famílias é decisivo e tem um efeito de bola de neve (...) as escolas para ricos, com propinas elevadas, farão a diferença, até no uso sensato, formativo e não aditivo das tecnologias, e acentuarão as desigualdades. Os colégios internacionais passaram de nove, em 2010, para 18, em 2021, e um grupo privado britânico de escolas para ricos já investiu mais de 300 milhões de euros em Portugal. A escola pública ficará exposta à massificação das gigantes tecnológicas interessadas num “tutor de inteligência artificial por aluno”, na telescola 3.0, na subalternização do papel dos professores e na alocação de hardware de baixa qualidade, e o que resta da inteligência natural parece incapaz de reverter a anestesia do país e a queda da escola pública."
Gostaria de pensar que alguns educadores que estão na escola pública (directores, professores e outros profissionais), conscientes da sua "nobre função", não estejam resignados, nem venham a resignar-se. O texto de Paulo Prudêncio é, de resto, um exemplo de não resignação. Por isso, lhe agradeço o trabalho que teve na sua composição e a coragem de o enviar para publicação.
PS. Permito-me usar palavras suas para compor o título.
domingo, 23 de novembro de 2025
SUPERVIGILÂNCIA ARTIFICIAL E EDUCAÇÃO ESCOLAR
Há uns anos foi notícia a concretização de um desejo de muitos e de preocupação de tantos outros: a supervigilância electrónica com fins de policiamento de rua (ver aqui), a sua função era captar dados para informação e actuação das autoridades. As razões apresentadas eram, como sempre, nobres: garantir a segurança dos cidadãos, através do combate ao crime, ao mau comportamento, a qualquer desvio humano. Ainda assim, no contexto em que as máquinas foram colocadas - São Francisco, nos Estados Unidos da América - os novos "polícias" desencadearam queixas junto da autarquia, mas daí não resultou a sua proibição, apenas a restrição a espaços privados.
A investigação continuou, evidentemente, a sua marcha e o que se tem seguido é o que leitor já saberá: a supervigilância electrónica armada e dotada de "inteligência artificial": robots e drones associados para garantir a "segurança pública" (ver, por exemplo, aqui): Sim, não estou a falar de contextos de guerra...
Máquinas com super-poderes, em forma de carro, de cão, de humanoide, de carro-humanoide... que executam ordens, mas que também podem tomar "decisões autónomas", sempre "ao serviço das pessoas nunca como uma ameaça para os nossos cidadãos", como justificou um construtor.
Estão em vários países e são o futuro, foi o que li em diversos sites online. Chegarão, por certo, à Europa. Talvez sejam anunciados em Lisboa, na próxima web summit, que já tem data marcada, por um ministro e um autarca eufóricos.
Como defender os direitos civis, fundados em valores que custaram a vida a tanta gente, como a liberdade e a justiça, num mundo deslumbrado, hipnotizado por máquinas que os ameaçam? Quer dizer, por máquinas que, é bom não esquecer, são delineadas, programadas e operadas por humanos... Afinal, é sempre o humano... vezes demais contra si próprio.
A resposta que vejo mais viável, ainda que estando longe de oferecer garantias, é o da educação escolar. Num momento crítico da humanidade, é ela que, tal como noutros momentos congéneres, pode abrir a mente, ou algumas mentes, para se ver o que sem ela não se vê ou não se quer ver.
quarta-feira, 19 de novembro de 2025
domingo, 16 de novembro de 2025
ComceptCon 2025 dedicada ao tema do "Cancro"
A ComceptCon deste ano é dedicada ao tema do cancro e onde os oradores irão explicar o essencial sobre a doença, falar sobre os tabus, desmistificar mitos, abordar os tratamentos mais recentes e confrontar a desinformação e as falsas curas. Para isso, contaremos com os oradores Nuno Ribeiro (IPATIMUP), Joana Paredes (I3S), Diana Barbosa (Comcept / IHC) e haverá ainda uma roda de conversa participativa.
A ComceptCon tem com objetivo partilhar a informação mais recente e credível, assim como dar a oportunidade de os participantes conversarem com os especialistas presentes e esclarecerem as suas dúvidas.
A entrada é gratuita, mas necessita de inscrição para garantir lugares. Podem inscrever-se aqui.
Quando: Sábado, 22 de novembro
Local: Museu de Leiria
Organização: COMCEPT
domingo, 2 de novembro de 2025
sexta-feira, 31 de outubro de 2025
O OITAVO PECADO CAPITAL. O QUE NOS VALE É A LITERACIA FINANCEIRA!
A "educação financeira" foi, na passada década, legitimada pela tutela como uma das componentes da Educação para a Cidadania; passou a integrar a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e, com esta equipa ministerial, conseguiu um estatuto superior no currículo da escolaridade obrigatória e também no da educação de infância (aqui).
Nos últimos meses, temos visto governo, banca e organismos a ela ligados, num afã crescente para nos salvar da tentação de cometer esse pecado (equiparado em gravidade a qualquer um dos sete capitais) que é gastar dinheiro (leia-se, o nosso dinheiro) em "desejos" e não apenas e só em "necessidades" (leia-se, básicas). Juntam-se-lhe, nesse afã, instituições de ensino superior e escolas, significando isto que aqueles que, ocupando uma posição social que deveria ser crítica e estar ao serviço do bem-comum, participam na ingerência interessada de entidades privadas no ensino público.
Os bancos fazem o mesmo e, devo reconhecer, fazem-no de maneira muito convincente e eficaz. Disso falei aqui.
Sendo hoje o Dia Mundial da Poupança, a parceria entre todos os partícipes que referi foi reforçada. Li no jornal Público de ontem, numa notícia de Cristiana Faria Moreia, que
- vários ministros e secretários de Estado,
- responsáveis das autoridades de supervisão financeira,
- governador do Banco de Portugal,
- estudantes e docentes do ensino superior,
participaram na iniciativa “Educar para a Cidadania: Poupar, um Compromisso com o Futuro, dando aulas (isso, mesmo, DANDO AULAS) sobre poupança e gestão financeira a centenas de alunos do ensino básico e secundário de diversas escolas do país.
No Público de hoje saiu uma entrevista de Rosa Soares a um desses partícipes com um título muito curioso Os bancos beneficiam da falta de literacia financeira (aqui). Ora, veja-se: os bancos, como empresas, são tão amigos das pessoas comuns que lhes vão proporcionar literacia financeira, mesmo sabendo à partida que se prejudicam com isso. Ou, de outro modo, os bancos teriam maior proveito se não promovessem a literacia financeira. Foi pena a jornalista não ter procurado esclarecer este mistério. Ainda assim, vale a pena ler o que julgo ser o essencial da mesma no respeitante à educação escolar.
A mensagem não é nova, mas vale a pena relembrá-la quando nesta sexta-feira, 31 de Outubro, se assinala o Dia Mundial da Poupança: é necessário aumentar a poupança (…). [O] coordenador académico do programa “Finanças para Todos”, da Nova SBE (…) professor catedrático, (…) considera a introdução de conteúdos de literacia financeira em todos os ciclos do ensino oficial “um passo fundamental para a formação dos jovens” (…).
Os conteúdos introduzidos na componente da literacia financeira são adequados? O programa é ambicioso em termos da abrangência, porque inclui todos os anos de escolaridade, e (…) em termos dos tópicos ou temas que pretende abordar. Acho que o maior risco ao sucesso do programa está na sua implementação, nomeadamente na falta de capacitação ou insuficiente capacitação dos professores para estarem confortáveis com estes temas e para saberem adaptar a formação aos vários níveis de ensino. É um desafio grande, porque quem lecciona a disciplina de Cidadania são os professores das outras áreas.
A literacia financeira é fundamental para que as pessoas tenham a noção de que é preciso poupar? É importante introduzir na consciência das pessoas a ideia da poupança como um acto de rotina (…). Isto porque é importante poupar nem que seja um euro e é importante incutir essa ideia nos mais jovens. Há vários estudos que mostram que, quanto mais cedo se introduzirem esses conceitos, melhor será o bem-estar financeiro na idade adulta. E outra das coisas que costumamos ensinar no primeiro contacto das formações é a de que se deve poupar no início do mês e não no final. E ainda como se vão investir essas poupanças. Um problema grave decorrente dos baixos níveis de conhecimentos financeiros é que em Portugal as pessoas não investem bem as poupanças.
É errado afirmar que os bancos não têm tido interesse em promover esses instrumentos porque acabam por beneficiar da inércia dos depositantes? Os bancos beneficiam da falta de literacia financeira dos clientes. Mas acho que cada vez mais têm consciência de que se querem ter uma relação duradoura e de longo prazo com os clientes não deve ser essa a atitude. Deve ser a de criar valor para os clientes, porque é a forma mais provável de os reter. Agora, quando temos uma situação em que a falta de literacia financeira é muito generalizada, é difícil sair desta situação, porque nenhum banco quer dar o primeiro passo. No entanto, acho que as situações estão a mudar e alguns bancos já têm programas próprios de literacia financeira para os mais jovens. Penso que daqui a dez a 20 anos o panorama da literacia financeira vai ser bastante diferente do actual.
Não há grande dinamismo na remuneração de poupanças, mas há uma grande abertura na concessão de crédito? (…) A questão do sobreendividamento também é abordada nos programas de literacia financeira, ensinando-se técnicas para o evitar. E está demonstrado que a formação em finanças pessoais desde jovem tende a reduzir as situações de sobreendividamento na idade adulta.
A poupança para a reforma é uma questão que deve ser levada a sério por quem está a entrar no mercado de trabalho (…)? É importante que os jovens poupem para a reforma e apliquem bem essa poupança. Acho é que essa mensagem não tem passado: que o que devem esperar dentro de 20 a 30 anos é que a pensão que vão receber é apenas cerca de metade do último salário (…).
quarta-feira, 8 de outubro de 2025
CINEMA EM ÉVORA, NOS ANOS 30 E 40
Dizia o meu pai que “cinema é como se, numa fotografia, as pessoas se movimentassem”.
Na segunda metade dos anos 30, chegou a Évora uma furgoneta de cor vermelha mostrando, em grande tamanho e a branco aquele seu conhecido logotipo em que as palavras BAYER, uma escrita na horizontal e outra, na vertical, se cruzam a meio, na letra Y. Percorrendo as ruas, anunciava que, à noite, na então praça 28 de Maio, hoje Praça 1. º de Maio, frente ao portão do Jardim Público, haveria cinema, especialmente dedicado às crianças.
Um aspecto igualmente importante na história da evolução sociológica da cidade é recordar que, nesses anos, o cinema, à semelhança dos cafés, era um lugar de homens, onde as mulheres só podiam entrar ao lado dos maridos, ou as filhas, na companhia dos pais.
Nesse tempo, em que os rapazes (nunca as raparigas) pré-adolescentes podiam brincar na rua e andar livremente por toda a cidade, e uma vez que os lugares no cinema não eram marcados e não havia classificação dos filmes por idades dos espectadores, qualquer criança podia entrar desde que fosse pela mão de um adulto.
Que eu me lembre havia cinema aos Domingos e às Quintas-feiras. Lembro-me ainda que, nesses anos, em plena Guerra, a hora de Verão fora aumentada de mais uma hora do que o habitual, o que fazia com que as sessões ao ar livre tivessem de esperar pelo escurecer, o que só acontecia por volta das dez da noite.
No Inverno e no tempo frio ou chuvoso tínhamos cinema no Teatro Garcia de Resende e no Salão Central Eborense, com matinés aos Domingos. Aí já os lugares eram marcados, pelo que a minha frequência às sessões da 7.ª arte diminuíram consideravelmente.
domingo, 5 de outubro de 2025
NO DIA MUNDIAL DO PROFESSOR
Hoje, 5 de Outubro, é o Dia Mundial do Professor.
A data foi instituída pela UNESCO em 1994 para celebrar a Recomendação da UNESCO sobre o Estatuto dos Professores, em 5 de Outubro de 1966.
Num tempo em que assistimos a uma desvalorização da profissão docente, que conduziu a uma crise sem precedentes de falta de professores nas escolas, recordemos um texto do início do século XX, cuja capa aqui apresentamos.
Trata-se de um discurso proferido em Maio de 1912, por Boavida Portugal, e do qual transcrevemos algumas passagens (com actualização da grafia):
Eu não sei de classe social que tenha mais nobres pergaminhos. Os aristocratas buscavam os seus nas cinzas mortas do passado; vós conquistais a realeza do presente, preparando o futuro. E o futuro, como ave que vai correndo ao vosso encontro, cada manhã vos leva um novo e mais nobre pergaminho. O professor é como a raiz: tem o poder de organizar a matéria. É a força de coesão dentro das sociedades. É ele que faz do indivíduo um homem, porque o ensina a ler, e só quando se sabe ler se tem o pensamento em comum, se pertence à sociedade.
O fim da educação deve consistir, não em mobilar o espírito, mas em formá-lo; não em procurar conhecimentos, mas em desenvolver aptidões. Verdadeiramente homem não é o que sabe, é o que produz.
Se a nossa moral se baseia no interesse, criemos valores.
A escola do futuro deve ser o aprendizado da vida. A missão do professor será criar o amor pela ação.
A educação deve formar homens livres, de hábitos sãos, prontos para a vida.
Há missões nobres dentro da vida das civilizações. Mas, dentre todas as nobrezas, ressalta a do professor, como elemento social, guia de todos os elementos sociais, palmeira dominando o deserto, águia pairando nos ares, tentando a subir, convidando a voar.
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Nota: José Boavida Portugal (1885-1931) foi jornalista
e escritor. Foi também professor e, nessa qualidade, publicou, em 1917, um livro intitulado "Educação Cívica", que foi aprovado pelo Ministério para a instrução primária, para a formação de professores e para a educação de adultos.
sábado, 4 de outubro de 2025
O "STATU QUO" DA PRAXE ACADÉMICA
No caso da Universidade de Coimbra (UC), que está na origem destes rituais académicos, as débeis medidas de contenção adotadas por algumas faculdades revelam-se até agora impotentes, senão mesmo inócuas, para debelar um fenómeno que, nos seus atuais contornos, constitui, a diversos títulos, uma perigosa perversão da cultura estudantil e até das próprias tradições académicas. De resto, a atitude de anuência por parte da UC não é alheia a toda uma mentalidade juvenil onde predominam o consumismo e a alienação. Em Coimbra a força dos patrocinadores de cerveja, por exemplo, é mais importante do que a força das ideias para a eleição de uma dada candidatura para as estruturas dirigentes do associativismo.
(...) Triste espetáculo de grupos de jovens “caloiros”, de ambos os sexos, perfilados em modo de formatura paramilitar e a gritar as mais incríveis obscenidades sob o comando dos seus colegas mais “velhos” que (...) os/as obrigam a manter-se de olhos no chão ou a rastejar ou a andar de quatro ou a mergulhar no lago, etc. No Jardim da Sereia, no Jardim Botânico ou no Parque Verde da cidade, é vê-los, eles e elas, numa berraria descontrolada, a despejar baldes de água ou até mesmo cervejas pela cabeça abaixo dos caloiros, dando corpo ao que podemos considerar um autêntico viveiro de imbecilização dos e das imberbes estudantes, onde o que mais se glorifica é o culto do autoritarismo e consequentemente do servilismo perante o poder do mais velho (...).
sexta-feira, 26 de setembro de 2025
sexta-feira, 19 de setembro de 2025
A PLATAFORMIZAÇÃO DISTÓPICA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA
Estimada colega de outra universidade acaba de me enviar uma excelente entrevista, publicada no podcast O tempo contra o tempo, na qual se disserta sobre preocupações que temos em comum. A entrevistadora é a professora portuguesa Raquel Varela, o entrevistado é Roberto Leher, professor brasileiro, doutorado em Educação (ver aqui).
Incide-se na apropriação da educação escolar pública por parte das grandes empresas de big data e na incapacidade de os estados, as escolas e universidades lhes fazerem frente. Pior do que isso, da incapacidade de os sectores mais progressistas das sociedades perceberem a essência dessa apropriação, ajudando a consolidá-la.
É a condição humana que se transforma e muito rapidamente, não segundo a utopia do seu aperfeiçoamento, mas segundo a distopia do seu alheamento.
terça-feira, 16 de setembro de 2025
O MINISTRO DA EDUCAÇÃO QUE ENSINA LITERACIA FINANCEIRA
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