sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Bauman e a sociedade líquida — breve abordagem de Pascal Seys

A professora de Filosofia da Universidade Católica de Lovaina, Pascale Seys, tem um novo programa na estação de rádio Musiq3 — RTBF (https://www.facebook.com/watch/Musiq3/) que, como se diz na apresentação, é une chronique radio mais surtout une capsule visuelle qui a pour vocation de traduire en images des concepts abstraits, d’animer les questions qui nous animent. ... Pascale Seys nous offre une nouvelle manière de penser et de réfléchir à ces grandes questions qui nous animent, de manière pédagogique et avec une petite pointe d’humour qui saura séduire tous les publics. 
 
Trata-se de uma brevíssima abordagem filosófica e sociológica de temas importantes sobre o mundo em que vivemos — Un P'tit Shoot de Philo é o título do programa — partindo sempre de um autor e de uma obra, num registo que vem acompanhado por imagens animadas, que ilustram o texto, por vezes de forma humorística.
 
No Programa desta quinta-feira aborda a obra de Zygmunt Bauman sobre a Sociedade Líquida.
 
Traduzo o texto que pode ser lido e ouvido aqui .



On le sent, on l’ entend, c’est palpable dans l’air, le monde craque de tout part et les abeilles disparaissent de la terre sans un cri. Et si nous réfléchissons aux fissures avec les outils de la sociologie contemporaine? 
 
Nascido na Polónia, tendo ensinado em Varsóvia, depois na Universidade de Leeds, em Inglaterra, o filósofo e sociólogo anglo-polaco Zygmunt Bauman observou, nas nossas sociedades hipermodernas, uma desagregação, uma deliquescência, uma incerteza. Numa palavra, ele observou o desaparecimento das estruturas estáveis da sociedade. 
 
Para qualificar o mundo moderno, Zygmunt Bauman recorre ao vocabulário dos fluidos apresentando um conceito que encontrou no vocabulário corrente, a noção de “sociedade líquida”. O que é líquido opõe-se ao sólido. Procuremos o percurso da água, em caso de infiltração numa parede e é um verdadeiro quebra-cabeças: apenas nos apercebemos dos estragos das águas e sabemos, por experiência, que as chuvas fortes, as vagas e o mar corroem todos os elementos em que tocam. 
 
Para Zygmunt Bauman, nós passámos de uma sociedade “noz de coco”, com contornos exteriores sólidos e identificáveis, a sociedades “abacate”, providos de um invólucro exterior mole, que traduz a volatilidade, a instabilidade, a fluidez e o turbilhão da mudança permanente. 
 
Para Zygmunt Bauman, uma sociedade é líquida quando os indivíduos estão sujeitos a velocidades de transformação tais que não conseguem consolidar os conhecimentos dessas transformações de forma estável e constante: a sociedade explodida em rede é movediça, ambivalente, multidireccional, lábil e imprevisível, numa palavra, “líquida”, e as relações entre os seres, numa sociedade líquida, são flexíveis em vez de duradouras. Líquida é também a água que jorra dos cumes. 
 
No seu ensaio intitulado “Os ricos são a felicidade de todos?”, Bauman demonstra a inépcia da teoria económica do fluxo, teoria liberal segundo a qual a riqueza dos ricos acumulada no cume da sociedade escorre sobre os mais pobres e é-lhes útil: ele mostra, pelo contrário, que há águas estagnadas no cume que apenas são proveitosas para aqueles que nelas se banham. 
 
Os indivíduos da sociedade líquida são semelhantes a um enxame de abelhas, quer dizer, a um conjunto disperso “de unidades autopropulsadas, religadas entre si apenas pela solidariedade mecânica” sem partilha de valores. É por isso que sem raiz, desterritorializado, dessincronizado, no próprio momento em que se define como livre o indivíduo apressado da sociedade líquida abate-se e experimenta a “fadiga de ser ele próprio”, de tal modo pesa sobre os seus ombros uma responsabilidade demasiado pesada de suportar.

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

A parte mais resistente para quem se afoita a penetrar e a pensar e a reflectir e a falar sobre a sociedade e a cultura é quando se percebe que, afinal, não temos alternativas a viver, pensar e a expressarmo-nos senão enquanto ficções, até de nós próprios.
Mesmo quando estamos conscientes disso e entendemos as coisas dentro do seu universo de significações, não nos resta senão viver de acordo com isso.
Se um autor, por exemplo, quiser ficcionar um universo paralelo, não consegue.
É tão ou mais difícil do que falar de um mundo sem metafísica e alquimia cujas linguagens e conceitos são da metafísica e da alquimia.
É tão problemático como tentar explicar que "Deus morreu".
Na relação sujeito-objecto, o objecto passou a integrar o próprio sujeito como parte do problema, senão a maior parte.
E existem muitos riscos de comprarmos, ou de adoptarmos ficções que, de todo, não nos convêm.
Nem só os charlatães, bruxos e bruxas, sequestram os seus clientes com o poder das ficções que, habilmente, tecem para eles, fazendo-os crer que a teia existe.

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