sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

ANTES DE 25 DE ABRIL, O ENSINO SUPERIOR INTER E EXTRA MUROS UNIVERSITÁRIOS

                         (Instalações do Instituto Nacional de Educação Física/FMH)

 “Não sendo um blogger tento acompanhar alguns dos mais interessantes - o De Rerum Natura é um dos que vou visitando. (...) No seio da direção da Sociedade Portuguesa de Educação Física, já comentámos a importância da sua participação neste blog para o mundo da Educação Física e do Desporto” (texto que me foi enviado por Nuno Ferro, presidente da Sociedade Portuguesa de Educação Física).

O vídeo aqui publicado, no passado dia 22 deste mês, com o título “A Junta de Educação Nacional”, da autoria do professor reformado da Universidade de Évora, Augusto Fitas, debruça-se sobre o ensino universitário e a investigação científica nacional. Por vir a propósito,  referencio aqui  o 2.º lugar do prestigiado  “Prémio Pfizer” (1963), promovido por esta farmacêutica norte-americana, em parceria com a Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa e com o  apoio do semanário “Expresso”, atribuído   a investigadores do Instituto Nacional de Educação Física (INEF).

Esta matéria relacionada com o ensino superior mereceu-me um estudo, publicado em Lourenço Marques em 1972,  no livro da minha autoria, “Sem Contemporizar”,  portanto, em época anterior à existência da “internet (1980), em que esta espécie de trabalhos exigia exaustivas consultas a bibliotecas públicas e privadas, a revistas, a “Diários do Governo” e outras fonte de informação, inclusivamente, orais. Transcrevo, o que sobre esta temática escrevi no livro supracitado:

“Nos últimos anos da Monarquia, em Portugal, existiam no ensino superior, apenas, a Universidade de Coimbra e diversas escolas superiores espalhadas por Lisboa e Porto.

Com o advento da República, é criada, em 1911, a Universidade Clássica de Lisboa, agregando uma tantas escolas superiores que ministravam o ensino das disciplinas clássicas: Medicina, Letras, Ciências, Farmácia e Direito.

Por decreto de 1930, é estabelecida a Universidade Técnica de Lisboa com os cursos de Ciências Económicas e Financeiras, Engenharia na Faculdade de Engenharia e Instituto Superior Técnico e Veterinária. Em 1961, é-lhe agregado o  Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina por influência de Adriano Moreira, então Ministro do Ultramar.

Segundo o Decreto n.º 36 507, de 17 de Setembro de 1947, existem em Portugal os seguintes cursos superiores:

Integrados na universidade : Filologia Clássica, Filologia Românica, Filologia Germânica, Ciências Geográficas, Ciências Histórico-Filosóficas (posteriormente desdobradas  em Ciências Históricas e  Ciências Filosóficas), Direito, Medicina, Ciências Matemáticas, Físico- Químicas, Geofísicas, Geológicas, Biológicas, Curso de Engenheiro Geógrafo, Faculdade de Ciências, Faculdade de Engenharia, Instituto  Superior Técnico, Agronomia, Veterinária, Faculdades e Escolas de Farmácia, Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras e ISEU (integrado na Universidade Técnica de Lisboa em 1961, com o nome Instituto Superior de  Ciências Sociais e Política Ultramarina).

Fora da Universidade: Arquitectura, INEF, Escola Naval e Academia Militar” (fim de citação).

Verifica-se pelo exposto, que, ainda em datas relativamente recentes, coexistiram em Portugal, médicos licenciados por universidades de Coimbra, Lisboa e Porto e diplomados pela escolas médicas de Lisboa e do Porto.

Antes de 1930, os médicos veterinários eram  diplomados por uma escola  superior não universitária, verificando-se a respectiva integração universitária nessa data. O INEF, viria a ser integrado na Universidade Técnica de Lisboa (1975), Arquitectura (1979),  tendo sido anunciada no último boletim do INEF , inclusivamente, a respectiva integração na Universidade Nova de Lisboa, criada em 1973.

Foi numa perspectiva, “honoris causa”, perante as dúvidas levantadas sobre o estatuto académico que adjectivava o INEF de nacional, aliás adjectivo que serve de identificação para os institutos universitários de educação física espanhóis,  que me debrucei nesse meu livro sobre o passado do INEF, até porque, segundo Paul Ricoeur,  “a historia é uma mediação  entre o passado e o futuro”. Isto mesmo foi reconhecido  por Roberto Carneiro, então ministro da Educação, quando numa cerimónia solene comemorativa da criação da Faculdade de Motricidade Humana, afirmou, em citação “verbo pro verbo”: “O INEF subiu a pulso o caminho que o havia de levar à Universidade”

No ano de 1992, cumprindo um desejo de há anos demonstrado pela própria Universidade de Coimbra, com o parecer unânime do seu Senado, é criada a sua oitava e última faculdade: a Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física de que pertenci ao respectivo corpo docente inicial  na condição de convidado.

Nesta ocorrência é da maior justiça referir o papel do então Reitor, Professor Rui de Alarcão, do  Professor de Medicina Poiares Baptista, do Professor de Farmácia Pinho Brojo e do Professor de Psicologia e Ciências da Educação Manuel Viegas  Abreu. Seria lapso de memória imperdoável omitir o nome do professor catedrático Jorge Bento, director da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade do Porto

Quanto à integração universitária do INEF houve nomes de professores de educação física que por ela pugnaram com denodo. Cito como “primus inter pares”, José Esteves. .E porque, como sentenciou Goethe, “só os mesquinhos são humildes”, seja-me permitido associar o meu nome ao dele mas em que ele foi gigante e eu simples pigmeu numa actividade epistolar com ele mantida em sua vida para que a integração da Educação Física em meio universitário se tornasse numa realidade que viria a verificar-se, passados trinta e cinco anos,  com a integração universitária do INEF (1940-1975).

Empenhei-me nesta causa com respaldo em leituras de Ramalho Ortigão, escritor que no século XIX  muita atenção prestou à formação integral dos jovens: “Em Portugal país de magricelas de derreados da espinhela, nada mais importante do que a Educação Física; e a ginástica não é uma questão de circo ou barraca de feira, é uma alta e grave questão de educação nacional”.

De igual modo, Sílvio Lima, falecido em 1993, professor de Filosofia da Universidade de Coimbra, com um extenso acervo de artigos (97)  publicados no jornal portuense “O Primeiro de Janeiro”, entre os anos de 39 a 43 do século passado, cuja riqueza envolve matérias  de frondosa árvore de que colho títulos como “Reflexões Críticas Sobre Desporto”; Desporto e Sociedade”, “Desporto e Ciência”, “Medicina Desportiva”, “Desporto e  Economia”, etc.

Aliás, o licenciado em Filosofia, Pedro Falcão, defendeu a tese de mestrado na Universidade de Coimbra tendo como temática a obra de Sílvio Lima que, em crítica demolidora para com os seus detractores,de entre eles seus pares académicos, teve o Desporto “como uma questão grave (grave porque etimologicamente pesada) que só parece leve aos de  leve aos de cabeça leve como o sabugo ou o algodão”.

Pobre país o nosso que tem o atrevimento de se julgar na vanguarda dos melhores métodos  de formar integralmente os seu jovens, futuros timoneiros  de uma nau a meter água por rombos do casco indo de encontro a rochedos escutando, ao longe,  cantos de sereias do Mar Tirreno que lhe prometiam saber dando-lhe  apenas ignorância.

Em crítica de Sedas Nunes, professor universitário e político português (1928-1991): “As Universidades são formadas por mero somatório de faculdades entre as quais não se encontra instituída nem se verifica qualquer colaboração relevante para fins de ensino ou de pesquisa. Em Lisboa e no Porto, a dispersão espacial dos edifícios universitários consagra, materialmente, esta separação”. Hoje nem tanto, por ter diminuído o culto de capelinhas em que as universidades viviam numa espécie de casulo, separadas umas das outras ciosas das suas identidades e individualidades.

Contraditando esta situação, defendeu George Gusdorf: “A atitude do especialista, quer seja matemático ou botânico, filólogo ou historiador, que se debruce ciumentamente sobre o estrito compartimento da sua própria competência deve ser considerada uma demissão. Qualquer dissociação do conhecimento é uma negação do conhecimento. O dever presente é trabalhar para verificar, para dar corpo àquilo que um século de análise desmembrou. O pressuposto da especialização deve dar lugar ao pressuposto da convergência. Ciências e Letras, Ciências da Natureza e Ciências do Homem, que parecem votadas a caminhos distintos, devem tomar consciência, cada uma por seu lado, que são como paralelas que se afastarem da sua própria direcção encontrando-se no infinito”. 

Judiciosas palavas estas que encontram eco na Faculdade de Ciências do Desporto da Universidade de Coimbra que, para além de docentes com formação em Educação Física e Desporto, tem docentes de outras áreas científicas como, por exemplo, Medicina, Hematologia Ciências Biomédicas, Ciências da Educação. Isto porque a Educação Física e o Desporto sendo ciências moles, não pertencem ao núcleo das ciências duras que se bastam a si próprias como, por exemplo,  a Matemática.

“Post scriptum”: É natural que o leitor se interrogue sobre o facto de eu me ter ocupado somente do ensino superior antes de 25 Abril. A razão é simples: vivia-se uma época em que chamar Anabela a uma mulher feia dizia-se ser um paradoxo.  Hoje, quando se fala do curso superior de Miguel Relvas, e de tantos outros compinchas seus, como José Sócrates, que fez exames ao Domingo, corre-se o risco da risada ou mesmo da gargalhada!

Sem comentários:

50 ANOS DE CIÊNCIA EM PORTUGAL: UM DEPOIMENTO PESSOAL

 Meu artigo no último As Artes entre as Letras (no foto minha no Verão de 1975 quando participei no Youth Science Fortnight em Londres; esto...