segunda-feira, 30 de abril de 2018
domingo, 29 de abril de 2018
DÉFICE NA EDUCAÇÃO
A propósito de uma notícia, a circular no FB, de uma situação que, de estúpida, quero acreditar que é falsa, a da proibição de afixação de pautas dos resultados de exames, ocorre-me trazer de novo e uma vez mais, aqui, esta grave situação, no propósito de a não deixar esquecer.
Há pouco mais de um ano, o Primeiro Ministro, na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto, disse, preto no branco:
Mas a verdade é que nada, mas nada, foi feito para inverter esta situação que nos envergonha.
Num país, como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior, em todas as áreas do conhecimento, está ao nível do que caracteriza os países mais avançados, é confrangedor assistir à generalizada iliteracia dos portugueses, incluindo muitos dos nossos quadros superiores, intelectuais de serviço e políticos de profissão que, embora conhecedores dos domínios em que se movimentam, são falhos de outras culturas, em particular da científica, que a escola deveria dar mas não deu e continua a não dar, como está implícito nas palavras do Primeiro Ministro.
Restringindo esta minha reflexão ao ensino da geologia a nível do básico e do Secundário que conheço bem, sou levado a pensar, e não estou só nesta ideia, que grande parte da situação vinda agora, bem ao de cima nas ditas palavras, radica, desde há muito e em grande parte, na respectiva “máquina pedagógica” do Ministério da Educação. Nunca conheci nenhum destes elementos, mas é a eles e, também, necessariamente, a quem lhes foi dando posse, que se deve este estado de coisas que, oiço dizer, não é exclusivo da disciplina pela qual me venho batendo há décadas.
Os ministros e secretários de estado da tutela, uns com ideias, outros sem elas, têm-se sucedido ao sabor das legislaturas e das remodelações. Foram entrando, ignorando muitas das disposições dos que os antecederam, criando outras e desaparecendo de cena, dando lugar a novos outros, em repetição deste desgraçado ciclo. Mas a dita “máquina”, julgo saber, praticamente, não muda e é essa, quanto a mim uma das responsáveis pelo défice agora denunciado por António Costa.
Outra parte da responsabilidade desta triste e lamentável situação cabe aos sucessivos chefes de governo que, mais preocupados com outros sectores da administração, dividendos políticos e outras aberrações dos aparelhos partidários instalados, têm descurado este gravíssimo problema, dito agora nas palavras do primeiro ministro: “défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.
É, pois, com preocupação e tristeza que começo a acreditar que estas belas palavras não passam, afinal, disso mesmo.
É urgente olhar para a realidade do nosso ensino e é preciso vontade política para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação (despida de constrangimentos partidários) desta máquina ministerial
É preciso e urgente que o Ministério da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na escolha dos respectivos titulares, como nas dotações orçamentas que permitam dar às escolas as necessárias condições de trabalho e de relativa autonomia e, aos professores, a dignidade compatível com o importantíssimo papel que representam na sociedade, a começar pelos respectivos vencimentos, colocações e estabilidade.
É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si um conjunto de reconhecidamente bons professores e outros profissionais capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino básico e secundário, a começar na conveniente e eficaz formação e avaliação de professores, reformulação de programas passando pelos livros e outros manuais adoptados (que envolvem interesses instalados) com discursos estereotipados que se repetem acriticamente em obediência a esses programas, levando ou, melhor, obrigando os professores, não a ensinar e formar cidadãos, mas a “amestrar” alunos a acertar nos questionários de exames, por vezes, autênticas charadas.
Sempre disse e insisto em dizer que o professor deve saber muito, mas "muito mais" do que o estipulado no programa da disciplina que deve ter por missão ensinar. Não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes, insisto em dizer, estereotipadas e acríticas dos manuais de ensino.
Esse "muito mais" está na abrangência dos seus conhecimentos, não necessariamente especializados ou de ponta (indispensáveis no ensino superior), mas ao nível de uma sólida cultura científica e humanística. E isso vem de trás, da formação cívica que adquiriu em família e na escola, do modo como passou pela universidade e do proveito que tirou desse privilégio, numa sociedade plena de desigualdades como tem sido a nossa. Mas esses conhecimentos, todos sabemos, estão ao seu alcance nas hoje muito boas bibliotecas das escolas e, agora mais do que nunca, na inesgotável, imediata e acessível via “on line”.
Para tal, os professores necessitam de tempo, e tempo é coisa que os professores não têm. Há que libertá-los de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar. Há que resolver o problema das suas colocações, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias.
Se nada disto for iniciado por este governo, as palavras de António Costa não passam, uma vez mais, de palavras.
Posso estar mal informado, mas interiorizei a ideia de que os sindicatos, mais interessados nos problemas laborais, importantes, sem dúvida, têm descurado o da qualificação científica e pedagógica da classe, nivelando, por igual, os bons e os menos bons professores, que os há, como todos sabemos.
O sistema social e político dominante na sociedade capitalista que domina na União Europeia, continua a promover e alargar o fosso entre os que estudam, e assim aspiram e conquistam o direito à cidadania, e os outros. Transmitir esta mensagem aos jovens é um dever moral e cívico dos professores, essencial na luta contra o insucesso escolar e pelo direito a uma condição humana de maior dignidade. Não é fácil, mas não é impossível esta tarefa. Há que saber ganhar a confiança dos alunos e, também, o seu afecto. Feliz do estudante que goste da convivência com o seu professor.
Essa relação é decisiva na sua atitude face à escola e ao gosto de aprender. Duplamente feliz se o professor estiver à altura do seu papel que, para além de educacional, é, sobretudo, social.
Há pouco mais de um ano, o Primeiro Ministro, na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto, disse, preto no branco:
“De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.Dito, creio que, de improviso, o que me pareceu estar no pensamento de António Costa, governante que conheço pessoalmente, que estimo e admiro, veio ao encontro do que ando a dizer há muitos anos. Encorajado por este promissor discurso, enviei-lhe e ao actual Ministro da Educação (mas não sei se lhes chegou às mãos) a reflexão que agora reformulo. Reflexão que também fiz chegar ao conhecimento do Secretário de Estado João Costa e que sei ter recebido.
Mas a verdade é que nada, mas nada, foi feito para inverter esta situação que nos envergonha.
Num país, como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior, em todas as áreas do conhecimento, está ao nível do que caracteriza os países mais avançados, é confrangedor assistir à generalizada iliteracia dos portugueses, incluindo muitos dos nossos quadros superiores, intelectuais de serviço e políticos de profissão que, embora conhecedores dos domínios em que se movimentam, são falhos de outras culturas, em particular da científica, que a escola deveria dar mas não deu e continua a não dar, como está implícito nas palavras do Primeiro Ministro.
Restringindo esta minha reflexão ao ensino da geologia a nível do básico e do Secundário que conheço bem, sou levado a pensar, e não estou só nesta ideia, que grande parte da situação vinda agora, bem ao de cima nas ditas palavras, radica, desde há muito e em grande parte, na respectiva “máquina pedagógica” do Ministério da Educação. Nunca conheci nenhum destes elementos, mas é a eles e, também, necessariamente, a quem lhes foi dando posse, que se deve este estado de coisas que, oiço dizer, não é exclusivo da disciplina pela qual me venho batendo há décadas.
Os ministros e secretários de estado da tutela, uns com ideias, outros sem elas, têm-se sucedido ao sabor das legislaturas e das remodelações. Foram entrando, ignorando muitas das disposições dos que os antecederam, criando outras e desaparecendo de cena, dando lugar a novos outros, em repetição deste desgraçado ciclo. Mas a dita “máquina”, julgo saber, praticamente, não muda e é essa, quanto a mim uma das responsáveis pelo défice agora denunciado por António Costa.
Outra parte da responsabilidade desta triste e lamentável situação cabe aos sucessivos chefes de governo que, mais preocupados com outros sectores da administração, dividendos políticos e outras aberrações dos aparelhos partidários instalados, têm descurado este gravíssimo problema, dito agora nas palavras do primeiro ministro: “défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.
É, pois, com preocupação e tristeza que começo a acreditar que estas belas palavras não passam, afinal, disso mesmo.
É urgente olhar para a realidade do nosso ensino e é preciso vontade política para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação (despida de constrangimentos partidários) desta máquina ministerial
É preciso e urgente que o Ministério da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na escolha dos respectivos titulares, como nas dotações orçamentas que permitam dar às escolas as necessárias condições de trabalho e de relativa autonomia e, aos professores, a dignidade compatível com o importantíssimo papel que representam na sociedade, a começar pelos respectivos vencimentos, colocações e estabilidade.
É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si um conjunto de reconhecidamente bons professores e outros profissionais capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino básico e secundário, a começar na conveniente e eficaz formação e avaliação de professores, reformulação de programas passando pelos livros e outros manuais adoptados (que envolvem interesses instalados) com discursos estereotipados que se repetem acriticamente em obediência a esses programas, levando ou, melhor, obrigando os professores, não a ensinar e formar cidadãos, mas a “amestrar” alunos a acertar nos questionários de exames, por vezes, autênticas charadas.
Sempre disse e insisto em dizer que o professor deve saber muito, mas "muito mais" do que o estipulado no programa da disciplina que deve ter por missão ensinar. Não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes, insisto em dizer, estereotipadas e acríticas dos manuais de ensino.
Esse "muito mais" está na abrangência dos seus conhecimentos, não necessariamente especializados ou de ponta (indispensáveis no ensino superior), mas ao nível de uma sólida cultura científica e humanística. E isso vem de trás, da formação cívica que adquiriu em família e na escola, do modo como passou pela universidade e do proveito que tirou desse privilégio, numa sociedade plena de desigualdades como tem sido a nossa. Mas esses conhecimentos, todos sabemos, estão ao seu alcance nas hoje muito boas bibliotecas das escolas e, agora mais do que nunca, na inesgotável, imediata e acessível via “on line”.
Para tal, os professores necessitam de tempo, e tempo é coisa que os professores não têm. Há que libertá-los de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar. Há que resolver o problema das suas colocações, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias.
Se nada disto for iniciado por este governo, as palavras de António Costa não passam, uma vez mais, de palavras.
Posso estar mal informado, mas interiorizei a ideia de que os sindicatos, mais interessados nos problemas laborais, importantes, sem dúvida, têm descurado o da qualificação científica e pedagógica da classe, nivelando, por igual, os bons e os menos bons professores, que os há, como todos sabemos.
O sistema social e político dominante na sociedade capitalista que domina na União Europeia, continua a promover e alargar o fosso entre os que estudam, e assim aspiram e conquistam o direito à cidadania, e os outros. Transmitir esta mensagem aos jovens é um dever moral e cívico dos professores, essencial na luta contra o insucesso escolar e pelo direito a uma condição humana de maior dignidade. Não é fácil, mas não é impossível esta tarefa. Há que saber ganhar a confiança dos alunos e, também, o seu afecto. Feliz do estudante que goste da convivência com o seu professor.
Essa relação é decisiva na sua atitude face à escola e ao gosto de aprender. Duplamente feliz se o professor estiver à altura do seu papel que, para além de educacional, é, sobretudo, social.
A. Galopim de Carvalho
quinta-feira, 26 de abril de 2018
quarta-feira, 25 de abril de 2018
Rumo da educação escolar e democracia.
Quem conhece alguma coisa das políticas e medidas para a educação e formação que muitos sistemas de ensino estão a adoptar ou a consolidar por influência ou pressão de entidades internacionais, que, nesta matéria, se encontram em perfeita consonância (como o Banco Mundial, a OCDE, e a UE), não pode estar descansado quanto ao futuro da democracia no mundo.
É certo que a educação não acontece só na escola e que em regime totalitários a democracia desponta, mas em democracia a educação escolar deveria ser consonante com os princípios que dão substância a esse valor, preparando os mais novos para uma participação cidadã no espaço público, ou seja, no espaço de todos a que chamamos sociedade.
Passados quarenta e quatro anos sobre o 25 de Abril de 1974, talvez seja o momento de pensarmos com a profundidade que o assunto merece, sem amarras ideológicas ou outras, no rumo que o nosso sistema de ensino, tal como muitos outros, tem tomado. Rumo esse que foi recentemente (re)formalizado na nova revisão curricular que se encontra em discussão pública.
Ilustro a preocupação que formulei com palavras da filosofa americana Martha Nussbaum:
É certo que a educação não acontece só na escola e que em regime totalitários a democracia desponta, mas em democracia a educação escolar deveria ser consonante com os princípios que dão substância a esse valor, preparando os mais novos para uma participação cidadã no espaço público, ou seja, no espaço de todos a que chamamos sociedade.
Passados quarenta e quatro anos sobre o 25 de Abril de 1974, talvez seja o momento de pensarmos com a profundidade que o assunto merece, sem amarras ideológicas ou outras, no rumo que o nosso sistema de ensino, tal como muitos outros, tem tomado. Rumo esse que foi recentemente (re)formalizado na nova revisão curricular que se encontra em discussão pública.
Ilustro a preocupação que formulei com palavras da filosofa americana Martha Nussbaum:
Estão ocorrendo mudanças radicais no que as sociedades democráticas ensinam aos seus jovens, e essas mudanças não têm sido bem pensadas. Obcecados pelo PNB, os países – e os seus sistemas de educação – estão descartando, de forma imprudente, competências indispensáveis para manter viva a democracia. Se essa tendência prosseguir, todos os países estarão produzindo gerações de máquinas lucrativas, em vez de produzirem cidadãos íntegros que possam pensar por si próprios, criticar a tradição e entender o significado dos sofrimentos e das realizações dos outros. É disso que depende o futuro da democracia.
Que mudanças radicais são essas? Tanto no ensino básico e secundário como no ensino superior, as humanidades e as artes estão sendo eliminadas em quase todos os países do mundo. Consideradas pelos administradores públicos com enfeites inúteis para se manterem competitivas no mercado global, estão perdendo rapidamente o lugar nos currículos e, além disso, nas mentes e nos corações dos pais e dos filhos.
De facto, o que poderíamos chamar de aspectos humanistas das ciências e das ciências humanas – o aspecto construtivo e criativo, e a perspectiva de um raciocínio rigoroso – também está perdendo terreno, já que os países preferem correr atrás do lucro de curto prazo por meio do aperfeiçoamento das competências lucrativas e extremamente práticas adequadas à geração do lucro.
Embora esta crise esteja diante de nós, ainda não a enfrentamos. Seguimos em frente como se nada tivesse mudado, quando, na verdade, importantes mudanças de enfase são evidentes por toda a parte. Nós ainda não fizemos uma verdadeira reflexão sobre essas mudanças – na verdade, nós não as escolhemos – e, no entanto, elas limitam cada vez mais o nosso futuro (...)
Dado que especialmente neste momento de crise, todos os países buscam avidamente ao crescimento económico, foi levantada uma quantidade muito pequena de questões sobre os rumos da educação e, com eles, sobre as sociedades democráticas do mundo (...)
A minha preocupação é que outras competências, igualmente decisivas correm o risco de se perder no alvoroço competitivo; competências decisivas para o bem-estar interior de qualquer democracia e para a criação de uma cultura mundial generosa, capaz de tratar, de maneira construtiva, dos problemas mais prementes do mundo.Nussbaum, M. (2015). Sem fins lucrativos. Por que a democracia precisa das humanidades. São Paulo: Martins Fontes.
O sublime e o horror. Três filmes, três monstros
Artigo de Guilherme Valente no Público de ontem:
O branco na pintura, o
silêncio na música, o
não dito na poesia e na
literatura são o acme
da expressividade na
estética clássica chinesa.
Ideia e recurso que seria
posteriormente teorizada e
praticado no Ocidente.
O meu amigo Gary
Negai é um “letrado” chinês a quem a
cultura portuguesa em Macau deve estar
grata. Para além da estatura intelectual
(domina muitas línguas), Gary entra na
categoria de seres humanos que designo
por santos laicos. Encarna o ideal ético
do espírito chinês, para o qual o saber
não é um saber que se tem, mas um saber
que se é. Sofreu a Revolução Cultural.
Mas não se vislumbra nele o mais leve
vestígio de humano ressentimento,
rancor. Apenas uma lúcida inteligência
daquela realidade medonha.
Num jantar com a mulher na nossa
casa em Macau, disse-lhe: “Gary, nunca
me falou desses dois anos terríveis...”
Vi-lhe a face corar e senti o pé da senhora
Ngai tocar-me no sapato. O assunto
nem podia ser aflorado. Uma violência
e sofrimento inexprimíveis, indizíveis.
O que é verdadeiramente importante é
indizível, escreveu um letrado chinês no
século III a.C.
Se o leitor quiser ver um filme, a
muitos títulos admirável — metáfora
sobre a impossibilidade da vivência
partilhada do amor absoluto —, que
transmite, sem gritos nem retórica,
a dimensão de horror indizível da
Revolução Cultural, veja O Regresso a
Casa. Horror e sofrimento que só o “não
dito” pode comunicar. Um filme sobre
um monstro, Mao, que nunca é nomeado
no filme.
O Concerto é um filme que se vê
com divertido interesse. No tempo
de Brejnev, uma grande orquestra do
Bolshoi é desmantelada, os músicos
proibidos de o serem, o maestro, por ter
contratado músicos judeus, reduzido a
faxina do teatro. E a solista, uma grande
violinista, enviada com o marido para o
gulag na Sibéria. Quando preparavam
obsessivamente a grande interpretação,
muito aguardada, do Concerto n.º 1 para
Violino de Tchaikovsky.
O filme, como referi, é divertido, com
um happy end e um grand finale que
faz estremecer: o Concerto tocado pela
orquestra reconstituída no exílio em
Paris. Sem a solista, mas por ela...
/div>
Guilherme Valente (editor da Gradiva)
/div>
Sempre que ouço esta peça de
Tchaikovsky, o que acontece com
frequência porque a tenho gravada no
automóvel, não consigo deixar de “ver”
a cena que vale, afinal, o filme todo: a
violinista judia, no campo de trabalho na
Sibéria, a tocar o Concerto num violino
imaginário, sem cordas, sem som. Sem
som? Nunca ouvi interpretação mais
sublime da peça de Tchaikovsky, que
uma centelha de divino inspirou. Louca?
Um filme sobre outro monstro. Mais uma
vez, o indizível dito pelo “não dito”.
O filme sobre Churchill ainda nos
cinemas, A Hora Mais Negra, é outro filme
sobre outro monstro. Uma dimensão
de bestialidade e loucura que todavia
não é referida, não é descrita. Hitler,
Churchill refere-o apenas como o louco,
o monstro. O que o filme transmite, com
a história verdadeira e as excelentes
interpretações, é a intuição espantosa
do primeiro político que percebeu a
natureza nova, singular, da besta, a
novidade dessa aberração, desse sumo
mal que era
imperativo parar.
Mesmo que o
combate estivesse
antecipadamente
perdido, disse
Churchill,
dizendo tudo o
que apenas sem
ser dito poderia
ser comunicado,
devia morrer-se
a enfrentá-lo.
Contra tudo e
todos, contra
a posição até
aparentemente
mais sensata
de negociar,
Churchill levou
o parlamento,
a Inglaterra, a
Europa, os EUA,
o Mundo às costas para esse combate...
moral. E salvou a humanidade de um
futuro inimaginável. Mais uma vez, no
não dito, o horror e outro monstro.
Três monstros, todos filhos do mesmo
pai.
Numa das últimas cenas do filme,
à saída do debate triunfante no
parlamento, o assessor refere a mudança
(que vibra...) do rei e Churchill faz um
comentário que só por si valeria o filme:
“Os que nunca mudaram de ideias nunca
mudaram nada no mundo.” Confúcio
disse o mesmo no século IV a.C. “Só não
mudam o homem mais inteligente do
mundo e os burros.”
UMA REVOLUÇÃO NA CIÊNCIA
Meu texto na revista "Artes entre as Letras", que assinala o dia 25 de Abril:
Em Portugal assistiu-se, após a Revolução
de 25 de Abril de 1974, a uma revolução na ciência. A abertura de Portugal à
Europa em 1974 ajudou a um notável florescimento da ciência com a sua abertura
internacional. Momentos decisivos no percurso até à actualidade foram a entrada
na União Europeia em 1986, que permitiu a entrada de fundos europeus (só em
parte canalisados para a ciência) e o surgimento do Ministério da Ciência e
Tecnologia em 1995, com a fundação no ano seguinte de uma nova agência de
financiamento, a Fundação para a Ciência e Tecnologia, e de uma agência para a
cultura científica e tecnológica, a Ciência Viva, que permitiram uma dinâmica
na utilização das verbas disponíveis. Portugal tinha até 1974 uma ciência muito
incipiente, confinada a meia dúzia de universidades, com débil ligação ao
exterior. Hoje a ciência em Portugal está espalhada por muito mais instituições
e encontra-se fortemente internacionalizada. Um símbolo, ainda que caricatural,
da entrada da ciência em Portugal em 1974 é o cartoon de João Abel Manta, que mostra um oficial ao MFA a
apresentar Albert Einstein ao Zé Povinho.
Dois indicadores inequívocos do
enorme salto que a ciência deu em Portugal podem ser encontradas na PORDATA: o número
de doutoramentos e o número de publicações científicas. O primeiro reflecte o
crescimento de recursos humanos qualificados e o segundo o acréscimo de
conhecimentos segundo padrões internacionais. Vejamos, em primeiro lugar, o
número de doutoramentos: em 1974 houve apenas 87 doutoramentos, dos quais 36
realizados em Portugal (do total de 87 só 11 foram de mulheres). Em 2015,
último ano para o qual existem estatísticas nessa base de dados, o número de
novos doutores foi de 2969, dos quais 2351 foram completados em Portugal (a
maioria, 1587, eram mulheres, um número que reflecte o enorme avanço da
presença feminina no ensino superior português!). O crescimento foi, portanto,
impressionante: 34 vezes. Olhando agora para o número de publicações, a PORDATA
não mostra o número de publicações científicas em revistas de circulação
internacional de anos anteriores a 1981. Nesse ano, regista 308 artigos, dos
quais 87 realizados em colaboração com autores de outros países. Contudo, em
2015 as publicações científicas de autores em Portugal já totalizaram 21.333,
dos quais 10.582 realizadas no quadro de colaborações internacionais. O
crescimento é ainda maior do que no caso anterior: 69 vezes. Poucos indicadores
cresceram tanto em Portugal desde o 25 de Abril. É claro que não se teriam
conseguido estes notáveis resultados sem maior investimento: em 1982 investiu-se
em ciência e tecnologia 0,27% do PIB, ao passo que, em 2015, já se investiu
1,24% do PIB, cerca de cinco vezes mais (tendo o PIB aumentado de 1982 para 2015).
Assisti a todo este processo de
crescimento. O escritor Baptista Bastos poder-me-ia ter perguntado: onde estava
eu no dia 25 de Abril de 1974? Pois estava no 1.º ano do curso de Física da
Universidade de Coimbra, para o qual tinha entrado em Outubro de 1973 após ter
concluído o 7.º ano dos liceus, correspondente ao actual 11.º ano (não havia numerus clausus e a média das notas do
liceu chegou para entrar, sem prova de admissão, na universidade que quis e no curso
que quis). O 25 de Abril de 1974 foi uma quinta-feira, tendo eu e os meus
colegas percebido que havia uma revolução logo de manhã, a meio de uma aula de Análise
Matemática. É da história que os dias seguintes foram de grande alvoroço, tanto
em Coimbra como noutros sítios do país. Era a liberdade a chegar e, na
Universidade, não chegou sem confusão. A liberdade é essencial á ciência. Mas não
devemos ser injustos com o passado: a verdade é que, apesar dos escassíssimos
meios e das restrições à circulação, já havia um Departamento de Física da Universidade
de Coimbra, alguma investigação científica em várias áreas com colaborações
internacionais, em particular na área da Física Teórica, pela qual me passei
progressivamente a interessar. Lembro-me de, em 1972-1973, o director do Laboratório
de Física, João de Almeida Santos, que foi demitido após o 25 de Abril, ter
dito na visita que a minha turma fez ao “seu” laboratório, que a ciência não
conhecia fronteiras. Ele próprio tinha estudado décadas antes na Universidade
de Manchester, no Reino Unido, sob a supervisão de um dos mais jovens prémio
Nobel de sempre, o físico britânico William Lawrence Bragg. A verdade é que a
produção científica dele se limitou ao seu período de doutoramento. Chegado ao
país viu-se confrontado com enormes cargas lectivas e com difíceis actividades
de gestão. Em particular, foi ele que ajudou a construir um novo edifício de Física
e Química, muito maior do que as instalações antigas no Colégio de Jesus, que
tinha sido desde o século XVI ao século XVIII uma casa dos Jesuítas. As novas
instalações nunca foram oficialmente inauguradas pois o poder político se
encontrava ocupada com as peripécias do PREC e a universidade estava em tumulto.
Na minha área universitária a Revolução de Abril significou uma casa nova
quando estava no segundo ano da Faculdade.
Em 1985, quando Mário Soares
assinou o documento de entrada de Portugal na União Europeia (então Comunidade
Económica Europeia), no Mosteiro dos Jerónimos (lembro-me com facilidade da
data, 12 de Junho, por ser o dia dos meus anos), já eu tinha, dois anos e meio antes,
obtido o doutoramento em Física Teórica na Universidade Goethe em Frankfurt am Main,
na República Federal da Alemanha. Em 1995, quando eu já era professor associado
na Universidade de Coimbra, não me esqueci de felicitar o meu colega físico José
Mariano Gago por ter sido recém-empossado como ministro da Ciência e
Tecnologia: é justo reconhecer que ele foi um dos maiores responsáveis pelo Big Bang da ciência em Portugal no pós
25 de Abril. Pouco tempo depois, em 1997, obtive o grau de agregado em Física na
Universidade de Coimbra, e não demorou a ficar catedrático. Portanto, assisti
e, na medida das minhas possibilidades, colaborei na revolução da Ciência em
Portugal que houve em Portugal depois de 1974. Como professor e investigador, a
par com muitos outros colegas, formei novos doutores, publiquei artigos
científicos e transferi conhecimento para a sociedade, contribuindo para que
houvesse mais ciência em Portugal. Sendo parte activa desse processo, não me é
possível analisar de fora, com total isenção. Mas, mesmo assim, arrisco-me a afirmar
que 25 de Abril de 1974 foi uma data decisiva para a história da ciência em
Portugal. A ciência em Portugal tem decerto uma história anterior. Contudo, o
25 de Abril foi o início, entre nós. de uma nova fase, um período de luz após
um longo período de sombra.
25 ANOS DO BARTOON DE LUÍS AFONSO
Ontem foi lançado o livro antológico dos cartoons de Luís Afonso publicados pelo Público ao longo de 25 anos e agora reunidos em volume pela Arranha Céus de João Paulo Cotrim, Escolhi alguns desses cartoons e escrevi um pequeno texto introdutório:
Ao balcão do bar é feita uma radiografia de Portugal e dos
Portugueses. E essa radiografia é permanente e inacabada, faz-se dia a dia,
basta ir ao Bartoon. Temos um óbvio problema com o desenvolvimento (o desenvolvimento é
para nós uma espécie de D. Sebastião, já houve e pode ser que um dia volte
a haver). País pequeno mas desigual, com cidades onde cabe o país todo (o Porto é uma nação? não: é um planeta!). Temos,
sempre tivemos, problemas com a passagem do tempo (ver Camões e os erros ou esperança média de vida. Não temos petróleo, mas temos a esperança que apareça (talvez
haja no Beato, procurem bem). Temos dificuldade em debater (por exemplo, discussão do aborto ou
o mordaça nos funcionários), o que seria uma boa maneira de nos pormos de acordo sobre o futuro. E
somos um país de aparições surpreendentes (não admira que
apareçam muitos contrutores).
Luís Afonso é um observador arguto de Portugal. Cada um dos seus
cartunes é um verdadeiro artigo de opinião. E, se as suas opiniões valessem, Portugal estaria muito melhor. O
cartunismo afonsino é um caminho, a rir, para o desenvolvimento.
segunda-feira, 23 de abril de 2018
Damião de Goes, projecto para Mariano Gago
Texto da fotógrafa Luísa Ferreira, que preparou um belo projecto fotográfico de homenagem a José Mariano Gago em Alenquer (com catálogo):
No início de 2015 José Mariano Gago telefonou-me para combinar uma sessão de retrato e uma ida a Alenquer. O que vamos fazer a Alenquer? A minha referência era o presépio gigante que via da Estrada Nacional a caminho da aldeia dos meus pais quando era pequena. No próprio dia, já dentro do carro, Mariano disse-me o que íamos fazer a Alenquer: fotografar Damião de Goes.
Falou-me ainda de Alhazen, físico e matemático árabe do século XI, que “escreveu o primeiro Tratado decente sobre Óptica. Na Antiguidade supunha-se que a luz saía dos nossos olhos para os objectos. Alhazen fabricou várias cameras obscuras. Depois de deduzir a formação da imagem na retina, descobre que a imagem está invertida, que é o nosso cérebro que a descodifica. A imagem
não é fixa e tem que ver com o movimento sensorial.” (das notas que escrevi do que Mariano me disse)
Passámos algures, para buscar o Zé Carlos. Mariano falou-me mais sobre Damião. O grande humanista português do século XVI nasceu e morreu em Alenquer, depois de ter passado muitos anos fora do país. Foi viver para a corte aos nove anos e o Rei enviou-o para a Europa. Conviveu com Erasmo de Roterdão, entre outros pensadores, comprou e partilhou obras de arte, voltou a Alenquer onde adquiriu uma quinta e sofreu com a Inquisição.
Damião de Goes encomendou um busto funerário, e Mariano queria ver esse rosto. Disse-me que seria o retrato mais verdadeiro. Queria olhá-lo de frente. Queria ler o que ele mandara gravar na pedra, pois Goes escreveu o seu próprio epitáfio e a inscrição para a laje tumular. O busto de Damião de Goes estava partido. Não pudemos ver o que Mariano tanto queria. Vimos um rosto alterado.
Para José Mariano Gago, «fotografia é estar com os outros, mostrar-lhes, ver. A fotografia é VER”, como me respondeu, em Dezembro de 2014, a um inquérito feito no âmbito do meu doutoramento na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
O busto estava muito alto na parede da capela, e não havia escadote disponível. Voltei a Alenquer com o Zé Carlos e um escadote para ficar de frente com Damião de Goes. Mariano queria ter um retrato de Damião de Goes na sua casa e queria também colocar um na Real Academia Belga. Queria ainda organizar um Caderno de Alenquer, com fotografias e legendas, que começou a discutir com a sua filha Catarina.
Ao falar com Karin Wall, sua mulher, sobre a possibilidade de fazer uma exposição para homenagear José Mariano Gago, ela pediu-me que concluísse e desse vida ao Caderno de Alenquer, um trabalho que ficara parado desde a morte de Mariano: após a nossa expedição, eu nada mais fizera que uma primeira versão provisória do Caderno, a pedido dele.
Tentei desenvolver este objecto-livro através de uma narrativa fotográfica em torno de José Mariano Gago e de Damião de Goes, procurando na casa de Mariano, lendo Damião de Goes e estudos sobre ele. Voltei a Alenquer, agora com a Descrição da Cidade de Lisboa de Damião de Goes e com o apoio do historiador Filipe Rogeiro (Karin Wall oferecera-me esse livro na minha primeira visita a sua casa). Na Torre do Tombo, onde Damião fora Guarda-Mor, Silvestre Lacerda facultou-me o acesso
a documentos e a importantes livros daquela época, que fotografei.
Paralelamente fui ao encontro de Mariano a casa da mãe, Maria das Dores, descobri o Humanista jovem que não conhecia. Recolhi ainda algumas fotografias que realizei para Mariano Gago enquanto Ministro da Ciência e Tecnologia e mais tarde MCTES. Este trabalho paralelo será publicado em livro com o título Ao encontro de ZÉ MARIANO.
Os dois projectos cruzam-se na presente exposição.
Luísa Ferreira
Agradecimentos
Agradeço especialmente a Karin Wall a confiança pessoal, a colaboração e o financiamento do projecto. E a Dulce Anahory, por me ter apresentado a José Mariano Gago em 1996. Agradeço também a Catarina Wall Gago e a Maria das Dores Pires Gago.
E agradeço a todos aqueles que me ajudaram na pesquisa histórica e documental, na concepção editorial e na realização gráfica e técnica deste livro, e cujos contributos tão importantes foram para mim: Alberto Caetano, Ana Barata, Ana Paula Dias, Ana Trindade, António Coxito, Bruno Carvalho, Célia Cunha Ferreira, Elina Heikka, Filipe Rogeiro, Horácio Villalobos, Hugo Alexandre, Hugo David, meu filho, Inácio Andaluz, José Carlos Nogueira, José Sousa Machado, Leonel Azevedo, Lourenço Correia de Matos, Luís Carrôlo, Luís Filipe Barreto, Márcia Andrade, Maria Carlos Loureiro, Maria José Miguel, Maria Tavares, Miguel Cunha Ferreira, Nuno Pacheco, Nuno Soares, Olli Jaatinen, Rui Prata, Silvestre Lacerda, Vasco Rosa e Vera Velez. E ainda, relativamente à presente exposição agradeço a Chloé Pais Daquet, Luís Figueiredo, Max Man, Rosário Costa e Rui Costa, um agradecimento muito especial ao meu filho pela ajuda preciosa na instalação das fotografias no Museu, na Igreja da Várzea.
Exposição
Ao encontro de DAMIÃO DE GOES para JOSÉ MARIANO GAGO
Luísa Ferreira
Museu de Damião de Goes e das Vítimas da Inquisição - Igreja de Santa Maria da Várzea, Alenquer
25 de Fevereiro a 30 de Abril de 2018
Todos os dias das 10h às 18h
Livraria Sá da Costa – Galeria, Lisboa, Março de 2017.
Livro
Ao encontro de DAMIÃO DE GOES para JOSÉ MARIANO GAGO
fotografias de Luísa Ferreira, 2015-2017
Edição de autor
300 exemplares, impressos por Digiset.
Depósito Legal 422766/17
ISBN 978-989-20-7387-3
2ª edição
aumentada com texto de Karin Wall,
lido pela autora no dia da inauguração
da exposição e da apresentação do livro
na Livraria Sá da Costa – Galeria,
Lisboa, 10 de Março de 2017.
200 exemplares, impressos por Digiset.
Depósito Legal 429724/17
ISBN 978-989-20-7387-3
www.luisaferreira.com
O modelo educativo finlandês: replicá-lo ou evitá-lo?
Gabriel Heller Sahlgren, investigador sueco na área da "Economia da educação", com carreira feita em Londres, publicou recentemente um livro bastante crítico sobre o sistema de ensino finlandês com o título Real Finnish Lessons. Isso valeu-lhe um prémio importante e ser apresentado como o "homem que desmontou" a ideia de que a educação finlandesa é uma referência e, portanto um "modelo a imitar". Na verdade, é o contrário será "um perigo imitá-la".
Numa entrevista que lhe foi feita recentemente, publicada no início deste mês (ver aqui), reafirma que os bons resultados obtidos por esse país se devem à sua tradição educativa e não às reformas mais recentes, que tem implementado. De facto, os excelentes posicionamentos no PISA e no TIMSS (dois programas internacionais de avaliação dos sistema educativos através da prestação dos alunos) têm vindo a baixar e isso decorre, em grande medida dessas reformas, que uma multiplicidade de países procura replicar.
Dessa entrevista saliento duas passagens.
A referência que faz às orientações da OCDE que, afirma, não partirem de uma base substancial:
Referência completa do livro: Heller Sahlgren, Gabriel (2015). Real finnish lessons. The true story of an education superpower. London, UK: Centre for Policy Studies.
Numa entrevista que lhe foi feita recentemente, publicada no início deste mês (ver aqui), reafirma que os bons resultados obtidos por esse país se devem à sua tradição educativa e não às reformas mais recentes, que tem implementado. De facto, os excelentes posicionamentos no PISA e no TIMSS (dois programas internacionais de avaliação dos sistema educativos através da prestação dos alunos) têm vindo a baixar e isso decorre, em grande medida dessas reformas, que uma multiplicidade de países procura replicar.
Dessa entrevista saliento duas passagens.
A referência que faz às orientações da OCDE que, afirma, não partirem de uma base substancial:
"El gran problema no son los resultados en sí, que están bien, sino las recomendaciones de la OCDE u otras organizaciones que se preguntan qué deben hacer los países para obtener mejores notas, y que a menudo no se basan en nada.A sua análise vinculada ao modelo económico, segundo a qual a escola tem de estabelecer uma ligação estreita com a economia.
... es importante recordar que la evidencia sugiere que un rendimiento mayor es clave para el crecimiento económico. Los resultados ya no solo miden los conocimientos, sino otras habilidades como la conciencia social, la capacidad para trabajar duro, etc., que también son muy importantes para el futuro de los niños en el mercado laboral.Em suma, é, na verdade, fundamental questionar, de modo objectivo, modelos educativos que se apresentam como intocáveis mas é também fundamental encontrarmos outros olhares que não só nem principalmente o económico.
Referência completa do livro: Heller Sahlgren, Gabriel (2015). Real finnish lessons. The true story of an education superpower. London, UK: Centre for Policy Studies.
domingo, 22 de abril de 2018
ACESSO ABERTO
Mensagem recebida do RCAAP:
Foi publicado um estudo q sobre Modelos, Políticas e Custos de Acesso Aberto, no âmbito da implementação da Política Nacional de Ciência Aberta. Este
documento tem dados correspondentes a 2016 e foi realizado pela FCT, a
pedido da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior,
integrando-se na estratégia nacional para a Ciência Aberta,
impulsionada pelo MCTES.
Trata-se de um documento importante que produz uma análise sobre os seguintes aspetos:
Trata-se de um documento importante que produz uma análise sobre os seguintes aspetos:
- Evolução da publicação científica
- Modelos e meios de disseminação científica em Acesso Aberto
- Políticas de Acesso Aberto
- Custos de acesso
Conclui
com um conjunto de resultados e recomendações com os quais pretende
enriquecer a discussão sobre as diferentes alternativas de Acesso Aberto
às publicações científicas.
O documento encontra-se disponível na página da Política de Acesso Aberto da FCT e na página da Ciência Aberta.
The Experimental and Historical Foundations of Electricity
Mensagem recebida do físico brasileiro Andre Assis:
I am writing to inform about the publication of the Volume 2 of the book:
A. K. T. Assis, The Experimental and Historical Foundations of Electricity,
Volume 2 (Apeiron, Montreal), 306 pages, ISBN 978-1-987980-10-3 (print) and ISBN 978-1-987980-11-0 (PDF).
The book is freely available in PDF format, in English and Portuguese, at:
http://www.ifi.unicamp.br/~assis/Electricity-Vol-2.pdf
http://www.ifi.unicamp.br/~assis/Eletricidade-Vol-2.pdf
This work deals with the most fundamental aspects of physics. The book describes the main experiments and discoveries in the history of electricity. It deals with attractions and repulsions, positive and negative charges, conductors and insulators, electrification by friction/contact/induction,
the triboelectric series, electrification of adhesive tapes, distribution of charges in conductors, electric equilibrium and the instrument which indicates potential difference, electric shielding, the power of points, sparks and electric discharges in air, electrets and the temporal preservation of the electrification of bodies, the mysterious non-electrostatic forces, etc. This work explains how to build several instruments: versorium, electric pendulum, electroscope, charge collector, circuit tester, electrophorus, the Leyden jar and capacitors, etc. All experiments are clearly described and performed with simple, inexpensive materials.
These experiments lead to clear concepts, definitions and laws describing these phenomena. Historical aspects are presented, together with relevant quotations from the main scientists. A large bibliography is included at the end of the work.
The printed book, in English and Portuguese, can be ordered through Amazon:
http://www.amazon.com/dp/1987980107
http://www.amazon.com/dp/1987980093
I would appreciate if you might forward this information to your interested colleagues, students, discussion groups and social networks.
-----------------
Andre Koch Torres Assis
Email: assis@ifi.unicamp.br
Institute of Physics, University of Campinas
13083-859 Campinas, SP , Brazil
Homepage: http://www.ifi.unicamp.br/~assis
I am writing to inform about the publication of the Volume 2 of the book:
A. K. T. Assis, The Experimental and Historical Foundations of Electricity,
Volume 2 (Apeiron, Montreal), 306 pages, ISBN 978-1-987980-10-3 (print) and ISBN 978-1-987980-11-0 (PDF).
The book is freely available in PDF format, in English and Portuguese, at:
http://www.ifi.unicamp.br/~assis/Electricity-Vol-2.pdf
http://www.ifi.unicamp.br/~assis/Eletricidade-Vol-2.pdf
This work deals with the most fundamental aspects of physics. The book describes the main experiments and discoveries in the history of electricity. It deals with attractions and repulsions, positive and negative charges, conductors and insulators, electrification by friction/contact/induction,
the triboelectric series, electrification of adhesive tapes, distribution of charges in conductors, electric equilibrium and the instrument which indicates potential difference, electric shielding, the power of points, sparks and electric discharges in air, electrets and the temporal preservation of the electrification of bodies, the mysterious non-electrostatic forces, etc. This work explains how to build several instruments: versorium, electric pendulum, electroscope, charge collector, circuit tester, electrophorus, the Leyden jar and capacitors, etc. All experiments are clearly described and performed with simple, inexpensive materials.
These experiments lead to clear concepts, definitions and laws describing these phenomena. Historical aspects are presented, together with relevant quotations from the main scientists. A large bibliography is included at the end of the work.
The printed book, in English and Portuguese, can be ordered through Amazon:
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Andre Koch Torres Assis
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Institute of Physics, University of Campinas
13083-859 Campinas, SP , Brazil
Homepage: http://www.ifi.unicamp.br/~assis
OBRAS PIONEIRAS DA CULTURA PORTUGUESA NA ANTENA 2
A Antena 2, rádio pública de teor cultural, iniciou, sob a direção de Luís Caetano, uma série de programas dedicados à nossa coleção das Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa.
Deixo aqui o link para que os interessados possam ouvir um dos programas já feitos com a
particie Aida Sampaio Lemos, responsável pela
supervisão linguística da nossa coleção:
ou (versão streaming):
ABEL SALAZAR NO "VISITA GUIADA"
Emissão do episódio do Visita Guiada sobre Abel Salazar na RTP2.
É já na próxima 2ª feira, 23 de Abril, pelas 23h15.
O vídeo-promoção já está disponível na página de facebook do Visita Guiada:
UMA REFLEXÃO SOBRE O MODERNISMO NA PINTURA, AO ALCANCE DE TODOS.
(Impression, soleil levant), 1872, Claude Monet.
|
No que se refere à pintura, os artistas acompanharam esta revolução na sociedade, criando novas respostas plásticas definindo movimentos mais restritos, geralmente referidos por estilos ou escolas. De entre eles, os historiadores e críticos de Arte, falam de Realismo, Impressionismo, Fauvismo, Futurismo, Cubismo, Neoplasticismo, Simbolismo, Expressionismo, Suprematismo, Dadaísmo, Surrealismo, Raionismo, Construtivismo. Nomes que os historiadores, críticos de Arte e outros eruditos “tratam por tu”, que “assustam” os muitos que nada sabem deste domínio da criatividade humana (e a Escola nada nos ensinou nestas matérias), mas que podem ser perfeitamente explicados por palavras que todos entendem.
Não é raro encontrar aspectos comuns entre alguns destes estilos ou escolas, havendo, porém, diferenças que os caracterizam e, até mesmo, os mostram como antagónicos.
O movimento modernista assentou na afirmação de que as formas tradicionais de vida do dia-a-dia das gentes estavam ultrapassadas e que, assim, havia que abandoná-las e substitui-las por outras entendidas como novas. Os modernistas propunham uma nova cultura, reexaminando todas as vertentes da vida em sociedade, do comércio à filosofia e à política, no caminho do progresso, numa convicção de o que era novo era, também, bom e belo, duas apreciações subjectivas, propícias à sempre salutar discussão. O Modernismo foi uma luta contra o passadismo, apontado como sério obstáculo à livre criação dos artistas, dirigida contra os padrões académicos das escolas de então e em luta pela abertura de novos horizontes.
A recusa à tradição que transparece no Impressionismo (o termo radica no nome do quadro a óleo “ Impression, soleil levant”, de Claude Monet, Paris,1872), faz deste estilo de pintura um dos primeiros movimentos ou escolas a incluir no âmbito do Modernismo. De início mais interessados no trabalho feito ao ar livre, do que no realizado nos “ateliers”, os impressionistas pioneiros defendiam que o que era dominante na nossa percepção dos objectos era a luz que reflectiam.
Impressionistas, com destaque para Pierre-August Renoir, Paul Cézanne, Edgar Degas, Paul Gauguin, Vincent Van Gogh desinteressados das temáticas nobres ou o retrato fiel da realidade, afastaram-se do Realismo e do Academismo, pondo nas suas pinturas a obra em si mesma. Executavam-nas de preferência ao ar livre, procurando transportar para a tela as variações de cores que observavam na natureza.
O Modernismo em Portugal situa-se já em pleno século XX, na transição da Monarquia para a República, prosseguindo durante a ditadura do Estado Novo até, praticamente, o fim deste sufoco político. Almada Negreiros, Amadeu de Souza Cardoso, Maria Helena Vieira da Silva, Júlio Resende e muitos outros encabeçam este movimento. Entre nós o Modernismo ficou marcado por doses maiores ou menores de anarquismo, nacionalismo conservador de extrema direita e neorrealismos de esquerda.
A. Galopim de Carvalho
A "OCDE como instância de legitimação das políticas" educativas
António Teodoro, professor universitário, num artigo de opinião publicado no dia 5 de Abril no Diário de Notícias online com o título Incoerência nas políticas de ensino superior e ciência, detém-se na influência que a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) tem ganho nas políticas educativas do ensino superior, destacando o caso de Portugal.
As considerações que faz aplicam-se a todos os níveis de ensino e o país poderia ser outro. De facto, independentemente do contexto, até partidário, a "narrativa" da OCDE impõe-se pelo mundo fora sem resistências, apenas com cedências, determinando o rumo da escola pública.
Recupero as passagens mais generalistas que traduzem bem esse rumo, e que não é visível para todos, pois a "narrativa" que o apresenta, esconde-o.
As considerações que faz aplicam-se a todos os níveis de ensino e o país poderia ser outro. De facto, independentemente do contexto, até partidário, a "narrativa" da OCDE impõe-se pelo mundo fora sem resistências, apenas com cedências, determinando o rumo da escola pública.
Recupero as passagens mais generalistas que traduzem bem esse rumo, e que não é visível para todos, pois a "narrativa" que o apresenta, esconde-o.
(...) não deixa de ser interessante a escolha da OCDE como instância de legitimação das políticas apresentadas, insistentemente presente nas notas introdutórias de quase todos os projetos de diploma apresentados. A OCDE é, reconhecidamente, o principal think tank internacional do projeto neoliberal: na economia, nas relações laborais, mas também na educação.
A ironia é que o governo da geringonça, que se afirma de esquerda e adversário confesso das políticas neoliberais, tenha recorrido a essa legitimação (que, obviamente, não é "técnica" mas ideologicamente orientada).
A OCDE não é a única organização internacional presente no espaço da "consultoria" internacional. Porque se omite sempre a UNESCO, com um imenso trabalho na educação (...) desde há décadas? (...) Será porque se teme que as recomendações não correspondam ao que se deseja? (...)
Os projetos de diploma apresentados acentuam algo muito grave no discurso do atual (...): o conhecimento válido é aquele que tem valor de mercado.
Todas as prioridades, todas as introduções, todos os discursos, incluindo a nova modalidade de mestrados em empresas, vão neste sentido (...). Mal vai um país que não valoriza o conhecimento crítico, reflexivo, "desinteressado".
O discurso dominante é, em primeiro lugar, penalizador para as ciências sociais, para as artes, para as humanidades, mas também para áreas como as ciências da vida ou as matemáticas. Mas a prazo afeta todas as áreas do conhecimento e da cultura (...)
A construção de políticas de educação e ciência que juntem conhecimento e verdade (...), a justiça social tem um longo caminho ainda a percorrer. E essa é também a função dos intelectuais e dos cientistas que partilham esses valores. E não será seguramente numa leitura acrítica, tecnocrática, das agendas da OCDE que haverá políticas que privilegiem a justiça social."
sábado, 21 de abril de 2018
"Inteligência competitiva": mais uma "inteligência" entre muitas outras!
Imagem encontrada aqui. |
A "inteligência" tem sido um conceito de primeira linha na psicologia, desde que se constituiu como disciplina científica. Mas, à semelhança de outros conceitos que explora - a atenção, a memória ou a motivação -, também este tem conduzido a dificuldades de definição e de operacionalização. Ainda assim, a investigação avançou de modo que temos hoje uma ideia mais concreta das capacidades que a integra e de como se podem desenvolver.
Sendo psicologia a minha formação de base interessa-me sobretudo esta possibilidade por via da educação formal. De facto, sabemos hoje com grande certeza que a inteligência não é determinada à nascença ou até antes, depende substancialmente da estimulação proporcionada não só durante a infância mas ao longo da vida.
Foi, pois, com admiração e apreensão que vi, há alguns anos, entrarem no campo da educação expressões que dispersavam a inteligência, como entidade coesa, em múltiplas dimensões mais ou menos individualizadas, eram as "inteligências múltiplas" (interpessoal, intrapessoal, social, sinestésica, etc.
competitiva.
A inteligência competitiva é qualquer coisa! Encontrei uma revista que lhe é dedicada - aqui, livros - um exemplo aqui, pós-graduações - um exemplo aqui, vídeos dois exemplos aqui e aqui, consultaria - um exemplo aqui). Com um suporte tão diversificado e um aspecto académico tão robusto quem se atreve a duvidar da sua existência e pertinência. Mais dia menos dia está no currículo escolar.
OS CAFÉS HISTÓRICOS NA EUROPA: O SEU LUGAR NA SOCIEDADE
Minha intervenção de hoje no Encontro Internacional de Cafés Históricos no Café de Santa Cruz em Coimbra:
O ensaísta Georges Steiner escreveu em "A Ideia de Europa" (Gradiva, 2005): "A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo (...) Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da 'ideia de Europa' "No Ano Europeu do Património Cultural celebramos os cafés históricos como locais patrimoniais da cultura.
Portugal é, sempre foi, parte da Europa e a confirmá-lo está o facto de aqui existirem alguns dos mais belos cafés históricos - de que é exemplo o magnífico Café de Santa Cruz de Coimbra que nos acolhe, hospitaleiro como sempre.
Steiner enfatizou o papel dos cafés como lugares de cultura: a ideia de Europa é eminentemente uma ideia cultural. Em cafés como o de Santa Cruz, no encontro convivial das mentes que a cafeína se encarrega de estimular, fez-se, faz-se cultura.
Há não só uma história que liga os europeus mas também, enraizada profundamente nessa história, uma arte (que se espraia em diversas formas que vão da literatura à música, passando pelas artes visuais e artes de palco) e uma ciência europeias, uma arte e uma ciência de que os cafés foram muitas vezes, na vida urbana, cenários propícios. Recordar o papel dos cafés europeus como lugares de cultura é também projectá-los para o futuro, porque a Europa só terá futuro se, com base na sua rica herança, alimentar um projecto cultural comum.
António Sousa Ribeiro, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Daphne Cordeiro, professora na Universidade Fluminense e no ISCTE e Fernando Franjo, jornalista espanhol e autor do livro "50 Cafés Históricos de España e Portugal" são, como eu, frequentadores de cafés. Eles trazem-nos aqui os seus depoimentos sobre o passado, o presente e o futuro dos cafés, com base nas suas experiências à mesa dos cafés.
Os cafés continuam a ser locais de cultura, numa sociedade com novos meios de comunicação, designadamente à distância? A dinâmica social das cidades ainda passa pelos cafés? Na sociedade de consumo de hoje o que pode levar os consumidores aos cafés? E o que é que eles podem de lá levar?
sexta-feira, 20 de abril de 2018
VALHA-NOS S. FRANCISCO
Meu artigo no "Diário de Coimbra" de ontem:
Embora
o magazine Ticket que anuncia espectáculos
em todo o país seja dominado por eventos em Lisboa e Porto, também se encontram
eventos noutras cidades. Mas não se encontra nada que tenha lugar no Convento
de S. Francisco em Coimbra, um equipamento que custou 42 milhões de euros e que
devia ter projecção nacional. Planeado para ser um Centro de Congressos
internacional está a falhar esse objectivo, pois a Câmara Municipal, detentora
do equipamento, não conseguiu atrair congressos suficientes para garantir a
necessária sustentabilidade (uma andorinha de um congresso de saúde não faz a Primavera!).
Planeado também para ser um Centro de Cultura nacional, também tem falhado esse
outro objectivo pois não existe uma programação coerente nem uma gestão
autónoma que a permita concretizar. Pretendendo rivalizar com a Casa da Música ou
com o Centro Cultural de Belém está muito longe dos padrões de excelência
desses centros. Nem sequer chega ao Centro de Artes e Espectáculos da Figueira
da Foz. Recebo os programas desses centros culturais mas nunca recebi
informação nenhuma de S. Francisco. Consultado o respectivo website, encontro coisas avulsas, sem
suficiente qualidade e acima de tudo sem qualquer coerência. A programação é o
que calha, quando calha. Há muitos dias, demasiados dias, em que não calha
nada. Valha-nos S. Francisco!
Vale
mais a pena deslocar-me à Casa da Música ou ao Centro Cultural de Belém, ou,
mais perto, ao Centro de Artes e Espectáculos do que ao Convento de S.
Francisco pois esses centros têm uma programação regular de qualidade, que é divulgada
com antecedência. Não percebo por que é que S. Francisco não tem um prospecto semelhante
aos que recebo do Porto ou de Lisboa, ou da Figueira da Foz. O problema pode
ser da gestão. Têm sido feitos contratos por ajuste directo e a prazo com pessoas
do agrado político, que fazem sugestões. Mas tudo tem de ser aprovado pelo Presidente
da Câmara. Os preços dos bilhetes são aprovados em reunião camarária, mesmo a posteriori. A cidade, os seus agentes
e meios culturais, vivem desligados de S. Francisco. Perguntei já a várias
pessoas da área da cultura de Coimbra e nunca ninguém me disse ter sido ouvido
sobre S. Francisco. Perguntei a outras pessoas da mesma área em Lisboa e Porto,
mas esses nem sequer sabiam o que era S. Francisco. Está à vista o seu fracasso
não só como Centro de Congressos internacional mas também como Centro de Cultura
nacional. Se falha nos congressos e na cultura para que serve? Parece que tem
lá havido reuniões políticas: não sei se o aluguer foi pago, pois as contas de
S. Francisco estão nos segredos dos deuses.
Coimbra
tem, de facto um belo equipamento da autoria de um prestigiado arquitecto, mas
é como se o não tivesse pois não o valoriza. O objectivo de S. Francisco é
indefinido (as frases sobre a missão no website
são absolutamente vazias). O modelo de gestão também não foi definido. E o
elefante branco vai consumindo elevados recursos da Câmara, quer dizer de nós
todos, sem que haja um benefício claro para todos. Coimbra continua uma cidade com
história e património, mas sem uma identidade cultural que ligue o antigo e o
moderno.
A
última noticia sobre S. Francisco é que a Câmara de Coimbra quer lá colocar a
colecção de fotografia do Novo Banco. O governo, de posse de um grande espólio
fotográfico e sem saber o que fazer com ele, quer emprestá-lo à Câmara e esta,
sem pensar, estendeu logo a mão ávida da esmola. Com certeza que a cidade, que tem
a rica tradição dos Encontros de Fotografia realizados entre 1980 e 2000, pode
exibir esse espólio, atraindo público da cidade e de fora. Mas o Convento de S.
Francisco não foi feito para museu de fotografia e não tem as condições
técnicas adequadas. A colecção nem sequer lá cabe. Para caber uma parte as
mudanças estruturais seriam demasiado caras. De resto, a Câmara faria mal em
gastar o seu dinheiro nisso quando não consegue manter a valiosa colecção dos
Encontros de Fotografia, que está armazenado num exíguo espaço do Centro de
Artes Visuais (CAV) sem ar condicionado e à mercê de infiltrações de água.
Parece que o Secretário de Estado da Cultura, quando já sabia que o CAV estava
condenado em primeira instância, foi visitá-lo como se nada soubesse. Ainda não
se sabe se lhe vai dar os meios necessários para ele que a colecção possa ser
não só mantida como mostrada.
Será
que a Câmara vai pedir ao CAV para fazer a curadoria da mostra do Novo Banco?
Será decerto necessário alguém competente que saiba organizar as fotografias do
Novo Banco numa rede de salas que abranja a cidade e a universidade, como
fizeram os Encontros de Fotografia e está agora fazer a Estação Imagem, uma
iniciativa que desfruta do louvável apoio da Câmara de Coimbra. A Câmara tem
feito tanta coisa mal na cultura que temos de lançar um foguete quando faz uma
bem. Um foguete? Meio, pois “esqueceu-se” de associar os média locais…
*Professor
da Universidade de Coimbra
quinta-feira, 19 de abril de 2018
quarta-feira, 18 de abril de 2018
OS NOSSOS "PERFIS SOMBRA"
Não precisamos de ter facebook para que lá constem informações sobre nós e, claro está, para que essas informações sejam recuperadas e agrupadas, constituindo o que se designa por "perfis sombra". Assim, potencialmente toda a gente está nessa rede. Não é legal nem é moral, mas faz-se. Eis o que o criador do facebook diz sobre o assunto:
Alguns artigos interessantes sobre o assunto podem ser encontrados AQUI, AQUI, AQUI
Alguns artigos interessantes sobre o assunto podem ser encontrados AQUI, AQUI, AQUI
segunda-feira, 16 de abril de 2018
O PAPÃO DA MATEMÁTICA
Matemática é raciocínio puro, aristotélico, límpido, e o cérebro humano do século XXI, com milhões de anos de apuramento, excluídos os casos de deficiências clinicamente reconhecidas, tem plenas capacidades para se envolver com ela, com as suas regras e os seus símbolos.
Isto para dizer, preto no branco, que o insucesso de um aluno em matemática (como em outra qualquer disciplina), partindo do princípio não estar diminuído nas suas faculdades cerebrais ou perturbado por problemas comportamentais, só pode ser da responsabilidade do sistema educativo e/ou de quem lhe ministra o ensino.
“- A matemática é como uma escada que se sobe, degrau a degrau, desde o primeiro até ao mais alto que se puder”. - Disse-me o meu professor, do segundo 7.º ano do Liceu (o actual 11.º), que tive de repetir, após reprovação no exame final do ano lectivo anterior.
A geologia, ramo do conhecimento no qual desenvolvi toda a minha actividade docente e de investigação, percorre muitos dos seus caminhos de mãos dadas com diversos domínios da matemática (trigonometria, cálculo diferencial, integral, vectorial e tensorial, mecânica, probabilidades, erros e estatística, entre os mais utilizados). Áreas de investigação como cristalografia, tectónica, geofísica, petrologia, geoquímica e sedimentologia não prescindem de uma ou outra destas ferramentas. Estou, pois à vontade para afirmar que, entre nós, povo, na grande maioria, inculto nesta e em muitas outras coisas do saber científico, generalizou-se uma injustificável vénia pela matemática, vénia que atesta este mesmo lamentável padrão nacional.
Nem sempre gostei de matemática. Aprendi a tabuada com a minha mãe que, enquanto costurava, me mandava recitá-la desde o dois vezes dois, quatro, ao nove vezes nove, oitenta e um, numa cantilena de que a minha geração se lembra com saudade. Na escola primária, vá que não vá, a aritmética e a geometria prenderam a minha atenção e até gostei de fazer aqueles problemas complicados, na 4.ª classe (4.º ano), de um tanque com 6,50 m de comprimento por 3, 20 m de largura e 1,75 m de fundo, recebe água de uma torneira, à razão de 7,5 litros por minuto. Quanto tempo demora este tanque a encher, até transbordar?
Mas no Liceu as coisas não correram tão bem, certamente por culpa minha, mas também, seguramente, por deficiência do professor que me coube em sorte, que me não soube abrir o caminho e estimular o suficiente e o necessário. Neste contexto, fui um aluno sofrível até ao 7.º ano (o actual 11.º), transitando de ano para sempre coxo, sem alegria e a muito custo como dizia o meu pai. E, como era previsível, nesse último ano, tive boas notas em todas as disciplinas, mas chumbei em matemática. E foi o melhor que me podia ter acontecido. Fiquei um ano a repetir esta matéria, mas desta vez, com um professor a sério, digno desse nome. Este, sim, um verdadeiro mestre a ensinar e a cativar os alunos. Era algarvio e, logo nas primeiras aulas, o Dr. Seruca procurou avaliar a bagagem dos seus novos alunos e eu era um deles.
- Se não souberes bem e se não te familiarizares com as bases da matemática, que são as coisas mais simples deste mundo, nunca gostarás desta disciplina. Pelo contrário, se aprenderes a lidar tu cá, tu lá com elas, irás ver que a matemática é como o ar que se respira. – E continuou. – A matemática é como uma escada que se sobe, degrau a degrau, desde o primeiro até ao mais alto que se puder.
Na sequência desta conversa que, só por si, me predispôs a encetar uma nova maneira de ser aluno, passei a sentir prazer nas aulas deste professor. Voltei, por assim dizer, ao rés-do-chão da matemática e, encorajado e acompanhado por ele, fui subindo essa escada, ao longo desse ano, até ao patamar que, em cumprimento do programa, me era exigido. E passei no exame com uma boa nota que, associada ás obtidas nas outras disciplinas, me dispensaram do exame de admissão à Faculdade.
A. Galopim de Carvalho
PRÉMIOS UNICÓRNIO VOADOR: RTP1, MANUEL PINTO COELHO E FACULDADE DE FARMÁCIA DE COIMBRA
Já foram atribuídos pela Comcept os Prémios Unicórnio Voador, que distinguem o "melhor do pior": ver aqui.
domingo, 15 de abril de 2018
Bárbara Pinho venceu FameLab Portugal 2018
Bárbara Pinho, da Universidade de Aveiro, venceu a edição do famelab de 2018, onde fui membro do júri. A final deste concurso esta ano com a maior participação de sempre realizou-se no Coliseu dos Recreios no quadro da National Geographic Summit, uma vez que a National Geographic juntou-se ao British Council e ao Ciência Viva como coorganizor,. A Bárbara vai agora representar Portugal na final internacional em Cheltenham, no Reino Unido.
"Transmitir o melhor da Humanidade para que a Humanidade seja melhor"
Minha decelarações à Agência Ecclesia, realizadas no domingo passado no Meeting Lisboa, realizado no CCB em Belém: aqui.
sábado, 14 de abril de 2018
Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor
22 e 23 abril | Coimbra
Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor
Na sequência da expansão do Plano Nacional de Leitura (PNL2027), compete à área da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior o desenvolvimento de uma política integrada de promoção da leitura e da escrita e das múltiplas literacias, nomeadamente, a científica e a digital (PNL-CTES).
Pelo alargamento dos agentes envolvidos, do público-alvo, das áreas cobertas, das metodologias adotadas e dos meios e suportes requeridos, o PNL2027 assume uma nova ambição configurada num vasto quadro de ações e projetos de grande impacto para a literacia nacional, na convicção de que uma boa capacidade de usar a escrita e a leitura é determinante de uma mais profunda aquisição de conhecimento e de uma melhor e mais ativa intervenção na sociedade.
O Plano PNL-CTES “Ler+ Ciência, Ler+ no Superior” reflete o compromisso assumido pela área governativa da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, através de um conjunto de iniciativas que abrangem diversos públicos. O Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor é assinalado através deste programa.
PROGRAMA
Dia 22
10:00 | Explorastórias : “Uma última carta”
Exploratório - Centro Ciência Viva de Coimbra
Um programa pensado para os mais pequenos, onde as histórias são o ponto de partida para explorar a ciência escondida entre páginas. Neste livro de Antonis Papatheodoulou e Iris Samartzi, recuamos no tempo, para uma época em que as notícias viajavam a pé e as mensagens podiam ser secretas.
Dia 23
14:00 | Eça de Queirós e a ciência: um olhar sobre Darwin
Rómulo - Centro de Ciência Viva da Universidade de Coimbra
Carlos Fiolhais, físico e comunicador de ciência, conduz uma discussão sobre a ciência na obra de Eça de Queirós, com referência à teoria da evolução de Charles Darwin, autor do livro “A Origem das Espécies”, que levantou desde logo a polémica: seria o homem descendente do macaco?
16:00 | LER+ CIÊNCIA
Museu Machado de Castro
Apresentação do projeto Ler+ Ciência, a assinalar o Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor
INTERVENÇÕES
• Ana Alcoforado | Museu Machado de Castro
• Teresa Calçada | Comissária do PNL 2027
• Cristina Robalo Cordeiro | Representante do MCTES no PNL 2027
• Fernanda Rollo | Secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
LEITURAS CRUZADAS
Natália Luíza, do Teatro Meridional, animará uma sessão com uma vertente essencialmente lúdica, envolvendo o público na comunicação de diferentes textos, poéticos ou de prosa, e que articulem conteúdos no âmbito da educação, ciência e tecnologia.
21:00 | OCUPAÇ ÃO LITERÁRIA FEMINISTA
Salão Brazil
As Ocupações Literárias da Secção de Escrita e Leitura da Associação Académica de Coimbra (SESLA) são intervenções artístico-literárias em diálogo com a cidade por meio dos seus espaços e das suas memórias, estimulando a sensibilidade dos ouvintes a partir de peças sonoras, projeções visuais e performances corporais que acompanham a leitura de textos.
Com o apoio do Museu Machado de Castro
Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor
Na sequência da expansão do Plano Nacional de Leitura (PNL2027), compete à área da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior o desenvolvimento de uma política integrada de promoção da leitura e da escrita e das múltiplas literacias, nomeadamente, a científica e a digital (PNL-CTES).
Pelo alargamento dos agentes envolvidos, do público-alvo, das áreas cobertas, das metodologias adotadas e dos meios e suportes requeridos, o PNL2027 assume uma nova ambição configurada num vasto quadro de ações e projetos de grande impacto para a literacia nacional, na convicção de que uma boa capacidade de usar a escrita e a leitura é determinante de uma mais profunda aquisição de conhecimento e de uma melhor e mais ativa intervenção na sociedade.
O Plano PNL-CTES “Ler+ Ciência, Ler+ no Superior” reflete o compromisso assumido pela área governativa da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, através de um conjunto de iniciativas que abrangem diversos públicos. O Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor é assinalado através deste programa.
PROGRAMA
Dia 22
10:00 | Explorastórias : “Uma última carta”
Exploratório - Centro Ciência Viva de Coimbra
Um programa pensado para os mais pequenos, onde as histórias são o ponto de partida para explorar a ciência escondida entre páginas. Neste livro de Antonis Papatheodoulou e Iris Samartzi, recuamos no tempo, para uma época em que as notícias viajavam a pé e as mensagens podiam ser secretas.
Dia 23
14:00 | Eça de Queirós e a ciência: um olhar sobre Darwin
Rómulo - Centro de Ciência Viva da Universidade de Coimbra
Carlos Fiolhais, físico e comunicador de ciência, conduz uma discussão sobre a ciência na obra de Eça de Queirós, com referência à teoria da evolução de Charles Darwin, autor do livro “A Origem das Espécies”, que levantou desde logo a polémica: seria o homem descendente do macaco?
16:00 | LER+ CIÊNCIA
Museu Machado de Castro
Apresentação do projeto Ler+ Ciência, a assinalar o Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor
INTERVENÇÕES
• Ana Alcoforado | Museu Machado de Castro
• Teresa Calçada | Comissária do PNL 2027
• Cristina Robalo Cordeiro | Representante do MCTES no PNL 2027
• Fernanda Rollo | Secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
LEITURAS CRUZADAS
Natália Luíza, do Teatro Meridional, animará uma sessão com uma vertente essencialmente lúdica, envolvendo o público na comunicação de diferentes textos, poéticos ou de prosa, e que articulem conteúdos no âmbito da educação, ciência e tecnologia.
21:00 | OCUPAÇ ÃO LITERÁRIA FEMINISTA
Salão Brazil
As Ocupações Literárias da Secção de Escrita e Leitura da Associação Académica de Coimbra (SESLA) são intervenções artístico-literárias em diálogo com a cidade por meio dos seus espaços e das suas memórias, estimulando a sensibilidade dos ouvintes a partir de peças sonoras, projeções visuais e performances corporais que acompanham a leitura de textos.
Com o apoio do Museu Machado de Castro
CLASSICA DIGITALIA - 10 Anos e Nova Biblioteca Digital
Mensagem recebida de Delfim Leão, director da Imprensa da Universidae de Coimbra:
Numa altura em que os Classica Digitalia celebram 10 anos de existência, temos o gosto de dar a conhecer o novo sítio da biblioteca digital, que agrega 256 livros, distribuídos por 12 subséries e 3 publicações periódicas, em acesso aberto:
Agradecemos
aos cerca de 1.000 Investigadores (autores e revisores das mais
diversas geografias) que contribuíram de forma determinante para dar
vida a este projeto comum.
Obrigado também pela atenção com que nos acompanharam. A biblioteca é agora inteiramente vossa: consultem, desfrutem, partilhem.
Votos de boas leituras,
Delfim Leão
Poções e Paixões – Química e Ópera
O autor João Paulo
André, professor de Química na Universidade do Minho, apresenta o seu mais recente livro "Poções e Paixões" (Gradiva, colecção Ciência Aberta) com extractos e links par algumas óperas (em cima a Madama Butterfly):
“Como pode uma história ficcional, consubstanciada pelas
acções que decorrem em cena, encantar e emocionar intensamente uma audiência? A
verdade é que, ao sermos conduzidos pelos actores ao âmago de um enredo,
entramos numa permuta emocional activa em que partilhamos os problemas dos
personagens, sentindo e vivendo as metamorfoses das suas emoções e os seus
conflitos. Em suma, estabelecemos empatia com os personagens da narrativa.
Madama Butterfly de Puccini
O que acabou de ser exposto poderá ser
ilustrado com a ópera Madama Butterfly (1904) de Puccini. Ao apercebermo‑nos
da tristeza e das saudades que Cio‑Cio‑San sente por Pinkerton, o marido que há
muito a abandonou, estabelecemos com ela uma relação de empatia e, por isso,
sofremos também (mesmo que a soprano que interpreta o papel tenha quarenta e
cinco anos, ou seja, o triplo da idade do personagem que encarna - o que, de
resto, é bastante comum).
Cartaz de Leopoldo Metlicovitz para a estreia de Madama
Butterfly
A empatia tem na verdade uma base
neuropsicológica, a qual reside nos sistemas de neurónios-espelho. Eles
constituem a parte do nosso sistema nervoso que nos permite reconhecer e
simular mentalmente uma acção que observamos, contribuindo, assim, para que se
atenuem certas fronteiras entre nós e os outros. Em nós, humanos, esses
sistemas neuronais encontram‑se localizados sobretudo nas áreas cerebrais
envolvidas no processamento da linguagem e na
interpretação de expressões faciais - aspectos que são essenciais na arte
dramática.”
“No I acto de Carmen (1875) de Bizet, as cigarreras
saem da fábrica de tabaco com o charuto nos dentes e, rebolando as ancas,
elogiam a natureza sedutora do fumo. Por sua vez, os voyeurs e
pretendentes que as aguardam também fumam para matar o tempo («On
fume, on jase...»). A quem não passou despercebido o conteúdo deste
coro, conhecido como «La fumée», e muito em particular os versos «Sobe
suavemente à cabeça, e, lentamente, / Deixa a alma em festa!», foi a uma
agência governamental australiana, de seu nome Healthway (!), que
imediatamente suspendeu o financiamento de uma produção da ópera que a West
Australian Opera iria levar à cena em 2014. O argumento apresentado foi o de a
obra de Bizet fomentar de forma explícita o tabagismo”.
(Excerto do capítulo 5)
(Excerto do capítulo 5)
Planta do tabaco e estrutura molecular da nicotina
Francesca da Rimini de Zandonai
Entre muitos exemplos clássicos de «amores à
primeira vista», poderá citar‑se o caso de Paolo e Francesca, personagens
históricos da Itália medieval cuja paixão arrebatadora é relatada na Divina
Comédia de Dante Alighieri (canto v de O Inferno - o par amoroso, condenado pelo pecado
da luxúria, encontra‑se no segundo círculo do Inferno, chicoteado
incessantemente por um redemoinho de vento).
Sob o título de Francesca da Rimini,
os amores de Paolo e Francesca foram colocados em ópera por Sergei Rachmaninov
(1906) e Riccardo Zandonai (1914).
Giovanni Martinelli (Paolo) e Frances Alda (Francesca) em Francesca
da Rimini de Zandonai, 1916 (The Metropolitan Opera Archives)
No I acto da versão do compositor italiano,
do alto da sua loggia em Ravena, Francesca da Polenta vê chegar o
garboso Paolo Malatesta, conhecido como Paolo, il Bello, acreditando ser
este o noivo que a família lhe destinara (num arranjo político que uniria as
duas famílias). Apaixonam‑se de imediato um pelo outro («Portami nella
stanza») mas o que Francesca não sabe é que Paolo se faz passar pelo seu
irmão Gianciotto, senhor de Rimini mas com uma deformidade física. A relação
proibida de Francesca e Paolo durou uma década, sendo lendário o seu trágico
final.
A ópera de Zandonai estará entre as mais
belas do século xx, com harmonias raramente encontradas até então num
compositor italiano (Puccini à parte), próprias de alguém que não só assimilara
a escrita de Wagner como também estava a par das tendências mais recentes,
nomeadamente da música de Claude Debussy e de R. Strauss.”
(Excerto do capítulo 9)
Louise de Charpentier
“O rádio (Ra), elemento químico de número atómico* Z = 88, fora descoberto em 1898, em Paris, por Marie e Pierre Curie, que uns meses antes já tinham encontrado outro novo elemento, o polónio (Po), de número atómico Z = 84. Indirectamente, esta súbita revelação de dois elementos químicos radioactivos era o corolário da descoberta dos raios X pelo alemão Wilhelm Conrad Röntgen, ocorrida apenas três anos antes.
Embora a natureza dos raios X (X de
incógnita) e dos raios gama, estes últimos emitidos por espécies radioactivas,
não fosse à época conhecida, não tardaria a ser demonstrado que em ambos os
casos se trata de radiação electromagnética, exactamente como as luzes da
cidade de Paris celebradas na ópera Louise (1900) de Gustave Charpentier
(figura 10.2), contemporânea destas geniais descobertas científicas. (No III
acto, do alto da colina de Montmartre, os amantes Louise e Julien contemplam
apaixonados o clarão grandioso da Cidade‑Luz, que exaltam no dueto «Paris! Cité de force et de
lumière! - «Paris! Cidade de força e de luz!»)
Cartaz de Georges
Antoine Rochegrosse para a estreia de Louise e espectro electromagnético
Os únicos aspectos que distinguem estas duas
formas de radiação relativamente à luz que nos ilumina é não serem perceptíveis
aos nossos olhos e terem uma frequência muito superior, sendo consequentemente
muito mais energéticas. Só os raios cósmicos as suplantam em energia.
Em Paris tudo começara quando Marie
Skłodowska Curie escolheu para tema da tese de doutoramento o estudo das
radiações emitidas por compostos de urânio, descobertas dois anos antes por
Henri Becquerel.”
(Excerto do capítulo 10)
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