Está a ler este texto. Para isso teve que realizar um
conjunto de movimentos (desde os oculares aos do braço, mão e dedo que clicou
no botão do rato, entre outros) que de certa forma lhe parecem agora que foram
automáticos, feitos de forma inconsciente. Ou seja, não teve que pensar
conscientemente nos vários movimentos que teve de fazer para poder estar agora
a ler este texto. Também a compreensão do que está a ler envolve inúmeras
actividades realizadas em várias áreas do seu cérebro e que resultam de
aprendizagens antigas, de memórias sulcadas há muito tempo e que são agora
acedidas aparentemente sem esforço consciente e que permitem a compreensão do
que está agora mesmo a ver/ler. Dito de outro modo, há um conjunto de
actividades neuronais inconscientes que estão neste preciso momento a ocorrer
no seu cérebro e que permitem que esteja a ler e a compreender o que lê.
Mas, de facto, está consciente de si desde que acordou esta
manhã. Julga saber quem é e sente-se ao comando da sua vontade para efectuar as
acções que tem ou quer realizar. Mas a realidade exterior que sente é aquela
que o seu cérebro constrói de forma inconsciente a partir das precepções imanadas pelos órgãos dos
sentidos e demais ramificações nervosas sensíveis a vários parâmetros como sejam
a temperatura corporal, a posição do seu corpo, etc. A própria sensação de fome
ou sede não é ditada pela sua vontade consciente, mas pela informação que o seu
cérebro recebe do organismo e processa em áreas específicas neuronais de um
modo inconsciente.
Estas e muitas outras considerações sobre o funcionamento do
cérebro, tendo em conta os avanços mais actuais das neurociências, são
exploradas e explicadas magistralmente pelo neurocientista norte-americano
David Eagleman no seu livro “O Cérebro -à descoberta de quem somos”. Este livro
acaba de ser publicado entre nós e em boa hora pela editora Lua de Papel.
David Eagleman é um excelente divulgador científico das
neurociências. Já o tinha demonstrado em vários livros anteriores de sua
autoria dirigidos ao público em geral, como seja o incontornável “Incógnito”
(2012, Editorial Presença). Para além de escritor, este neurocientista é professor
no departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Universidade de
Stanford (Estados Unidos) e director do Centro de Ciência e Lei, que procura
analisar as relações entre a neurociência e a legislação e aplicação de leis.
Ao escrever o presente livro David Eagleman quis dirigir-se
a um público sem qualquer conhecimento especializado sobre as neurociências, apelando
à curiosidade e desejo de autoconhecimento por parte do leitor.
Ao longo de cerca de 200 páginas muito bem escritas, o autor
descodifica os termos e conceitos mais técnicos, usando uma linguagem simples
mas rigorosa, cativante mas objectiva, e aborda questões de sempre: como tomamos
decisões; como percepcionamos a realidade; quem somos; como a actividade
cerebral influencia as nossas escolhas para a nossa vida; como a actividade
cerebral se altera com a idade; entre muitas outras
Utilizando vários casos concretos com os quais nos podemos
identificar, David Eagleman guia-nos através deste livro numa viagem à descoberta
de como o cérebro funciona. O livro tem seis estações (capítulos) a saber: 1 –
Quem sou eu?; 2 – O que é a realidade?; 3 – Quem Comanda?; - 4 – Como decido?;
5 – Preciso de ti?; 6 – Quem seremos no futuro? Existem ainda dois outros
capítulos finais: um com notas alusivas aos vários temas abordados em cada
capítulo; um glossário que, apesar de não ser muito extenso, é sempre útil para
recordar e aprender um ou outro conceito que ajuda a uma melhor compreensão do
livro.
Esta é uma excelente obra de divulgação científica muito
útil a todos, mas principalmente a quem se quiser inteirar sobre o estado
actual do avanço das neurociências e tiver curiosidade em se compreender a si
mesmo. Ademais, fazia falta um livro actual de divulgação das neurociências em língua portuguesa.
Por fim, este é um livro admirável sobre como o cérebro se estuda
e compreende a si mesmo e nos permite deslumbrar com o Universo em que
existimos.
António Piedade
2 comentários:
Boa tarde,
Gostava de saber se este livro aborda os neuromitos. Grata pela atenção. Cumprimentos. Diana
O que são para si "neuromitos" e a quais se está a referir?
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