quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
“AI PORTUGAL, PORTUGAL”
Meu artigo no JL de hoje sobre o novo ministro da Educação (o novo ministro é o 1.º à direita em baixo, num encontro da PARSUK):
Foi o retrato na capa de uma revista de grande circulação que o tornou famoso em Portugal um cientista que vivia pacatamente em Cambridge, no Reino Unido.
A Visão de 12 de Dezembro de 2013 exibia a abrir o rosto de Tiago Brandão Rodrigues com o título “O português que pode revolucionar o diagnóstico do cancro”, relegando para segundo plano a morte de Nelson Mandela. O jornalista usava comboio de adjectivos para descrever o cientista português que tinha publicado há pouco um artigo na Nature Medicine que aumentava bastante as hipóteses de detecção de tumores cancerosos. Logo no início “Obstinado, metódico, sensível, multifacetado” e, mais adiante, quando referia as qualidades que lhe vinham da prática do karate, “caráter, sinceridade, esforço, etiqueta e controlo”.
Eu tinha estado uns meses antes com o Tiago em Cambridge num workshop de comunicação de ciência que ele e os seus amigos “parsukianos” tinham organizado (a PARSUK é a associação de estudantes e cientistas portugueses no Reino Unido) e tinha verificado que essas designações eram merecidas. Num encontro de cientistas portugueses emigrados que se realizou na Universidade do Porto no Natal desse ano, referi o exemplo do Tiago como representante de uma geração que, tendo-se licenciado e doutorado em Portugal, só tinha encontrado uma oportunidade de trabalho lá fora.
Em Cambridge e no Porto falei-lhe na necessidade de organização de um recenseamento da diáspora de cientistas portugueses a trabalhar no estrangeiro, um projecto que contou desde logo com o seu apoio entusiástico e que está neste momento a ser organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. O percurso biográfico do Tiago mostra que o sistema educativo português consegue levar jovens da província a lugares cimeiros da ciência mundial. Nascido em Paredes de Coura, no Alto Minho, fez aí o ensino básico para entrar no secundário na escola Carlos Amarante em Braga, para depois seguir para o curso de Bioquímica da Universidade de Coimbra, escola onde se viria a doutorar após uma estada em Madrid e outra, mais curta, em Dallas.
Dizem todos os seus professores (conheço alguns, pelo que o sei de viva voz) que foi um estudante que aliava grande capacidade de trabalho a invulgares capacidades humanas. Após o grau doutoral mudou-se com armas e bagagens para Cambridge, a que ele chama o Disney World dos cientistas. É este cientista de 38 anos, dos quais 15 passados lá fora, que agora cai em Portugal de pára-quedas para ocupar uma das pastas mais difíceis do governo nacional. Vai precisar de todas as referidas qualidades para navegar em águas que se adivinham agitadas. Não lhe vão chegar as boas intenções, até porque cheios de boas intenções tem estado o Ministério da Educação cheio, designadamente quando chega um novo ocupante (as intenções costumam entrar em combustão rapidamente). Vai precisar também de força e coragem. Já começou o corifeu dos maus agoiros.
Dizem que o novo ministro é demasiado novo, algo que, se é um mal, o que não creio, se vai naturalmente curar com a passagem do tempo. De resto, há vários exemplos na Europa de ministros novos em posições-chave. A italiana Federica Mogherini foi ministra dos Negócios Estrangeiros de Itália com 40 anos e com essa mesma idade foi nomeada Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. A espanhola Carme Chacón passou aos 37 anos passou a ser ministra da Defesa de Espanha depois de ter sido ministra da Habitação.
Entre nós os problemas da Educação abundam, designadamente depois do mandato de Nuno Crato. Na minha opinião, o maior de todos eles é a situação de acabrunhamento dos professores, desiludidos como estão depois das elevadas expectativas que colocaram em Nuno Crato. Eles sentiram-se abandonados, após terem percebido rapidamente que o seu papel não estava a ser suficientemente valorizado.
Tiago Brandão Rodrigues, cuja mãe é professora aposentada, já deve saber que os professores vão precisar de um suplemento de alma. Poucas profissões são tão relevantes como a de professor mas, no entanto, poucas foram no nosso país tão proletarizadas. Os sindicatos não têm ajudado muito à dignificação dos docentes, ao ocuparem de forma excessiva o espaço da sua representação, pelo que seria bom que os professores recuperassem o papel e a imagem a que têm direito.
Julgo que ao convidar Tiago Brandão Rodrigues, António Costa teve em mente diminuir a tensão política que tem incendiado algumas questões educativas (recrutamento e avaliação de professores, municipalização da gestão escolar, etc.). Para além da magna questão da valorização dos professores (o que passa por renovar o corpo docente, estando eu em crer que a idade do ministro poderá ajudar na percepção do problema), há outras, como a centralização e a burocratização excessiva das escolas.
Antes de Crato, falou-se no “monstro” que era a máquina do ministério da Educação, mas não se pode dizer que os seus tentáculos sejam hoje menores. Agora assumem a forma informática: alguém carrega num botão na 5 de Outubro e chegam instantaneamente milhares de emails e anexos a todas as escolas, escritos numa linguagem nem sempre decifrável.
É preciso um simplex na Educação e espera-se que a ministra da Modernização Administrativa ajude Tiago Rodrigues. Há ainda questões de currículo. Foi colocado um peso talvez um pouco excessivo na Matemática e no Português, disciplinas ditas “estruturantes”, em detrimento das ciências experimentais – por exemplo, em Portugal a Física e Química não são obrigatórias para quem vai para áreas de ciência e tecnologia no ensino superior. E foram desvalorizados o desporto e as artes.
Aqui, na busca de um novo equilíbrio talvez ajude o facto de o novo ministro ter formação de karateca e ser um apaixonado pela música. De que música é que Tiago Brandão Rodrigues gosta?
Pois ele próprio já declarou que gosta, entre outros, de Jorge Palma: “Ai, Portugal, Portugal / Enquanto ficares à espera / Ninguém te pode ajudar”. O novo ministro não vai certamente deixar que Portugal fique à espera.
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1 comentário:
Vamos ver quanto tempo demora o Professor Fiolhais a enterrar este ministro, como fez com o anterior (seu) amigo, Nuno Crato.
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