«Aproveito o poente enquanto há
sangue lampo/ E, ambos surdos à borda da lareira, / Atiço positrões improváveis
no campo.»,
e suplica à Adrenalina:
«Leva-me lenta ao porto/ Da
Morte…».
Também, em Epigrafe, o autor não
tem escrúpulos em versejar sobre as doenças que o acompanham. Nemésio refere-se
amiúde a bactéria Escherichia coli.
À Epígrafe segue-se Canada-Flight
(as viagens entrópicas do poeta pelas grandes cidades do Canadá). O livro
culmina com o Cão Atómico, etc, e bio-poemas.
Neste último subcapítulo o poeta
não esquece a decadência sentimental da Europa:
«Eurátamo da Europa, sem núcleo,
/ Neutrão sem massa, / Erva de Átila em que tudo calca e passa,/ Tu, que deste
a cabeça ao Toiro/ E a Jove a mão, / Onde puseste o coração?»,
e os perigos da energia nuclear
em mãos demoníacas:
«…O Senhor teve pena do seu
servo/ E guiou a mão de Becquerel/ E pôs um raminho de polónio/ Ao peito de
Madame Curie,/ Mas veio o Diabo e queimou tudo/ Num cogumelo venenoso / E
imitou o chumbo no plutónio/…»
Escolher dois poemas para o
blogue foi uma tarefa delicada. Quase todos se enquadrariam bem nele.
FRAGMENTO
DE UM MADRGAL EXTRAVIADO
………………………
Deutério moderador
(Para alguns água pesada)
De teus dedos me dirija
A reacção encadeda.
Que eu só acelero por Amor
Por morrer com Energia.
Não chores mais, flor do isótopo,
Que tudo isto é poesia
E tempestade num copo
De H2O+ bem
comum:
Sem número de massas nem Z antes,
Que seu destino é nenhum.
+ Ironia do autor, ao escrever H2O,
em vez de H2O .
CÂMARA
HÚMIDA
Mais um paláce. Wellcome.
A pele da terra fêmea embandeirou.
Hot e Cold cumpriram
aljofrando.
Um repolho no hall é uma canadiana
velha, adiposa, encantada:
— Oh, darling!
Um electrão em órbita (sendo o
núcleo uma ervilha)
Dá à estampa à robe fraise que a enfeitou.
Wellcome. Carlton.
Verdadeiramente, esta cadeia é digna
de Ialta e Al Capone!
Sintonizo. Entro na órbita do
repolho fêmea,
Puro, electrónico, sem massa
(Toda a massa é do núcleo — a
ervilhaca da velha,
Que está de parabéns com um hippy às malas).
«A nossa cadeira dispõe de um Cyclotron sentimental no cityrama»
— Tirem a ervilha! — berro.
Carregaram de angústia o
dispositivo da euforia,
E eu fico com cara de gota em
halo de ventoinha
E sofro, sofro como um cão
A desintegração
Mas de α a ω espero o ϒ do perdão.
4 comentários:
Obrigado! Os poemas de "limite de Idade" mereciam mais do que um parágrafo seco...
Ando a ler a obra poética de Vitorino Nemésio.
Não foi pelo seu artigo que cheguei a ele.
Há coincidências felizes. Boas leituras!
Eu cheguei aqui pela releitura que estou a fazer do teu livro :) Cristina Pedrosa
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