domingo, 27 de outubro de 2013

DO SEDIMENTO À PEDRA DURA (2)

Camadas de calcário do Cretácico na Avenida Calouste Gulbenkian
A maioria dos calcários, como os que pisamos na calçada portuguesa vemos nas cantarias e na estatuária, começaram por ser sedimentos soltos ou móveis acumulados em fundos marinhos de pequena profundidade, nas chamadas plataformas carbonatadas, com águas mornas como os que actualmente temos na zona intertropical, bem conhecidas pela espectacularidade dos seus recifes,. Com muito menor representação à escala do planeta, conhecemos calcários marinhos de águas muito profundas e calcários lacustres. Nas plataformas carbonatadas movimentam-se e depositam-se dois tipos de sedimentos: bioclastos e os chamados grãos revestidos. 


Os bioclastos são partículas resultantes da fragmentação e pulverização de conchas de moluscos e de outros restos esqueléticos, inicialmente de aragonite (um carbonato de cálcio instável), cujas dimensões variam entre as dos seixos e as das argilas, passando pelas das areias.

Grãos revestidos
Os grãos revestidos compreendem corpos esferoidais ou elipsoidais, no geral de carbonato de cálcio, uns pequenos, com diâmetro geralmente inferior a 1 mm (na maior parte das vezes entre 0,2 e 0,5 mm) e estrutura interna concêntrica ou radiada, a que foi dado o nome de oólitos, assim chamados por lembrarem pequenos ovos de peixe (do grego ôon, ovo); outros maiores, sem estrutura definida, designados por pisóides ou pisólitos, semelhantes, no tamanho, a grãos de ervilha (do grego pisum, ervilha).

Compreendem, ainda, oncólitos (do grego onkos, tumor), maiores e mais irregulares do que a generalidade dos pisólitos, são nódulos milimétricos a centimétricos, geralmente de origem microbiana e algal, e pelóides, representados por pequeníssimos corpos carbonatados, no geral de origem fecal.

Da diagénese das rochas carbonatadas, além da compactação inerente ao processo de acumulação de sedimentos, têm importância a dissolução, a cimentação, a recristalização e a metassomatose ou epigenia.

Numa primeira fase da diagénese, a compressão reduz o volume do depósito (por diminuição da respectiva espessura) e perda de água, como acontece nos depósitos terrígenos. Por exemplo, um depósito de micrite chega a reduzir o seu valor a metade, sob a pressão de 100 m de sedimentos. Assim, numa sequência de camadas de calcário, os mais finos e compactos representam valores de espessura muito inferiores aos das vasas que lhes deram origem. Nestes calcários, as conchas côncavo-convexas de ostracodos, bivalves, gastrópodes e braquiópodes encontram-se esmagadas a menos que tenham sido, logo de início, preenchidas por sedimentos.

Estilólitos em calcário numa cantaria (foto de Carlos Marques da Silva)
Em fase mais tardia (em geral, alguns milhões de anos depois) o aumento da compactação conduz à formação de estilólitos (Do grego stylos, coluna, em alusão à forma das penetrações) à semelhança de dentes alojados nos seus alvéolos.

Tornadas visíveis pela presença de “impurezas” (argilas, óxidos de ferro, matéria orgânica, etc.) que permanecem como resíduos insolúveis, estas superfícies de contacto, irregulares, com indentações mútuas, confundem-se, por vezes, com juntas de estratificação. Em muitos casos, o volume de rocha consumida testemunhada por um contacto estilolítico pode corresponder à desaparição de um quarto do volume original.

Fenestrae em calcário
Um dos processos mais importantes no âmbito da diagénese dos calcários é a dissolução numa qualquer parte do corpo sedimentar, o que mobiliza os componentes químicos necessários à cimentação noutros locais desse ou de outros corpos, carbonatados ou não. Por exemplo, uma areia quartzosa percorrida por águas ricas em carbonato de cálcio pode, se as condições locais o permitem, transformar-se num arenito quartzoso de cimento calcário.

Um outro aspecto ligado à dissolução no seio dos calcários é a abertura de espaçamentos alongados, de contornos irregulares, paralelamente à laminação designados por fenestrae.

(Continua)

A. Galopim de Carvalho

Sem comentários:

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...