sábado, 29 de junho de 2019

Carta aberta de um professor aos governantes

O semanário Expresso publicou hoje a carta aberta que o director de uma escola portuguesa, professor, endereçou aos governantes. No imenso ruído que acompanha o "congelamento" e o "descongelamento" - palavras tão infelizes - da carreira docente, surgem estas breves palavras que vão ao mais profundo da profissão: à sua dignidade.
Exas.
Venho pela presente e para cumprir a minha não progressão na carreira, requerer que o tempo atribuído aos docentes - por terem sido alvo de quase 10 anos de congelamento da progressão, agora transformado em quase três - não me seja aplicado.
É que, aos quase 52 anos de idade e com quase 24 de serviço docente, me encontro no 3.º escalão com a possível progressão ao seguinte, em maio de 2021 (sem a aplicação dos tais quase três anos). Habituei-me à ideia e já estou conformado. Na minha casa, em conjunto com a família partilhei que, a bem ver, a austeridade já tinha vindo para ficar. A minha mulher, conhecendo-me bem, nem estranhou. Os filhos e filhas de que temos a graça de sermos pais irão compreender seguramente.
E eu, enquanto professor por opção e motivação – a mais bela profissão e atividade do mundo – não poderia deixar que uma mensagem errada passasse na construção das suas personalidades e carácter. Não critico os tantos colegas que procuram qual a melhor forma de não serem mais prejudicados, mas em boa verdade, se for atrás da multidão, pouco terei a ensinar aos miúdos. Nas nossas experiências e vivências, através do que decidimos e assumimos, é aí que deixamos o nosso testemunho de cidadania, de ética, de valores e de liberdade.
Das primeiras coisas que me atormentaram, se fosse atrás do “prato de lentilhas” que nos apresentam, foi o meu pensamento sobre os nossos avós, o que passaram e o que lutaram para que hoje eu possa redigir uma missiva desta natureza. Em particular, os meus dois bisavôs foram presos por lutarem contra o regime de antanho, o paterno esteve deportado em S. Tomé e Cabo Verde quase 13 anos. O outro, por ser dono de uma tipografia, várias vezes foi parar a Caxias. O meu avô paterno também era tipógrafo (genro do anterior) e o meu pai passou longos períodos sem o pai, que se “alojara” no Aljube.
Não ficaria bem comigo mesmo e, uma destas noites acordei com este mesmo assunto em intermitência. É/será o preço a pagar pela consciência que construí, à volta dos valores que os meus antepassados já defendiam. Tenho imensa pena pelo que a profissão docente se veio a transformar. E posso assegurar que a conheço bem.
Houve um momento de grande rebeldia, é certo, mas de grande construção coletiva, onde cresci enquanto aluno, pessoa e professor (um aprendiz sempre...).
Não poderei trair o que sou. É mais importante do que possa vir a ter.
Rui Madeira
Diretor da Escola Artística António Arroio

1 comentário:

Anónimo disse...

Não menosprezando a alta questão da dignidade da profissão docente apresentada por Rui Madeira, nem a supremacia do ser em relação ao ter, deixo algumas reflexões pessoais à vossa consideração:
1- O esbulho dos salários dos professores e educadores de infância, praticado pelos governos do Sócrates, Passos Coelho e Costa, não significa que as autoridades alguma vez tenham considerado como inimigos os seus funcionários. Elas só não tinham dinheiro para nos pagarem.

2- Se em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão, não quer dizer que quando há fartura todos têm a obrigação de comer uma mesma dose elevada de pão.
3- Não faz sentido que professores do ensino secundário, que lecionam disciplinas como matemática, biologia, filosofia, química ou física, estejam integrados na carreira profissional dos educadores de infância.
Para funções diferentes, salários diferentes!

4- Na educação, Portugal deve pegar o touro pelos cornos ou esbanjar os milhares de milhões dos fundos europeus com um ensino profissional de faz de conta com manuais gratuitos?!

5- De que vale ter um sucesso escolar de 100% se os alunos não aprendem nada na escola?!

6- Alguém acredita que quando veio a troika, se a Catarina Martins já estivesse no Governo, não teria havido cortes nos salários e congelamento do tempo de serviço dos professores?!

7- Para que serve a escola?

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