quinta-feira, 21 de novembro de 2024

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decenteNuno Dias da Silva entrevistou-a para a revista Ensino MagazineEis o essencial da mesma, do ponto de vista educativo (sublinhados meus).

"As redes sociais (...) em nome da liberdade de expressão, tornaram-se um autêntico faroeste, onde tudo é permitido e inclusive amplificado por causa dos algoritmos. Este ambiente acaba por ser transferido para o mundo real, nomeadamente nas conversas entre as pessoas e até nos painéis de comentários televisivos

Escrevi recentemente um ensaio no Expresso sobre a história da decência em que falo da Janela de Overton. De acordo com a descrição deste politólogo, na década de 90, a sua janela incluía uma gama de ideias consideradas politicamente aceitáveis no clima atual da opinião pública (...). O espetro da aceitação das ideias variava nas seguintes dimensões: impensável, radical, aceitável, sensível, popular e politicamente implementada (...). a proliferação da internet permitiu o escancarar da Janela de Overton. Determinadas ideias que há uns anos se admitiam como impensáveis ou ultraradicais hoje em dia vêmo-las em todo o lado (...).

Em 2014, estive na sede do Facebook em Silicon Valley – um dos trabalhos que mais me marcou na carreira –, onde conheci a unidade que trabalha com o algorimo base do Facebook. As pessoas não têm a noção do quão importante pode ser o algoritmo, com a criação das tais bolhas virtuais, para a forma como as pessoas formam a sua visão da realidade concreta. E isto torna-se ainda mais preocupante quando é certo e sabido que a maior parte das pessoas procura informar-se através das redes sociais.

Churchill dizia que «uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter oportunidade de se vestir.». Com a internet, e a velocidade de propagação planetária que existe, a mentira já deu a volta ao mundo, mesmo antes de a verdade abrir a pestana (...).

Sempre existiram ideias consideradas indecentes na sociedade. A diferença é que a vergonha era um fenómeno de regulação social. Existia uma censura social perante uma ideia considerada chocante ou ofensiva. Nesse sentido as redes sociais marcam uma nova era: a vergonha como regulador social esvaiu-se muito porque as pessoas encontram bolhas onde as suas ideias – por mais chocantes que sejam – acabam por ser respaldadas (...).

A política da lógica e da razão faz parte do passado e hoje o que impera é a política das emoções.

Interpelada pelo entrevistador sobre o que diria se fosse a uma escola falar do livro disse:

A mensagem fundamental a passar aos jovens é fazerem o exercício, tão simples e tão complexo, de procurarem colocar-se no lugar do outro, sentirem os problemas dos outros. (...) A tolerância é o óleo do motor da sociedade e da democracia.

3 comentários:

Anónimo disse...

No caso português, o discurso pateta daqueles que regem as nossas escolas básicas e secundárias, e os jardins de infância, atribui esta degradação dos valores civilizacionais, patente nas redes sociais, ao atraso que se verifica na recuperação das aprendizagens essenciais, nomeadamente na implementação do projeto de cidadania e na difusão da filosofia Ubuntu.

Anónimo disse...

As narrativas, como a roupa, também se fazem com retalhos e remendos.

Mário R. Gonçalves disse...

Tenho 'mixed feelings' neste assunto. Por um lado, a liberdade de expressão 'desbragada' nas redes sociais parece-me, sim, uma mais - valia.
Ter um bom retrato do que as pessoas pensam, mais fiel do que rádio ou TV; ter um sítio onde se podem descarregar raivas, ódios e paixões, em solilóquio ou em diálogo; resmungar, protestar, acusar - e defender - sem baias tudo o que nos desespera ou aflige. Isto é progresso na vida democrática, ou retrocesso? Opto pelo progresso, mesmo sabendo da má influência que pode ter na sociedade, nos jovens. temos que nos adaptar a essa realidade, sem optar pela proibição própria de ditaduras, como sucede na Rússia, no Irão, na China...
Não me parece que a 'vergonha' como factor de moderação seja boa medida de higiene, pelo contrário. Não estarão os seus defensores a desejar um regresso a uma moral vitoriana, 'new age' ?
Dou-me muito bem com Twitter e Instagram e Bluesky, só recebo o que quero ( uso os filtros) e nem me apercebo da ordinarice generalizada de que falam. Tirando a verborreia narcisista de Elon Musk, que posso em parte evitar, não me aparece nada de 'indecente', mas sim posições políticas extremadas, sinal dos tempos - é a mesma coisa na rádio / TV/ Jornais. E tenho acesso a fontes de notícias que estes meios não me dão, como testemunhos pessoais, directos da Ucrânia, de agendas culturais e arte, como dados estatísticos, sociais ou económicos, em 1ª mão sem filtros - o que sai nos media está mastigado ao gosto de jornalistas e políticas.
Enfim, não me queixo da libertinagem. Até gosto. Parece-me genuinamente um sobressalto democrático. Políticas estatais de contenção, restrição, controle, é que me lembram as velhas e gastas estratégicas censórias de quem só admite ouvir aquilo de que gosta.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...