Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião
Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação, escreveu um artigo sobre a condição docente para o jornal Público que saiu ontem
Em título destacou:
"O professor é um trabalhador por conta de outrem: o encarregado de educação".
O que se estranha na declaração não é o professor ser "um trabalhador por conta de outrem" - na verdade, é-o -, mas ser "um trabalhador por conta do encarregado de educação". E nós aproveitamos para acrescentar, por conta;
- de organizações supranacionais que "ditam" orientações para o ensino, a aprendizagem e a formação de professores,
- dos milhares de plataformas para "apoio ao ensino", muitas delas disponibilizadas por editoras de manuais escolares,
- das empresas de materiais tecnológicos, que os concebem como verdadeiros "fins" educativos,
- de fundações que dizem querer "transformar" o mundo através da educação e entendem que têm de "ajudar" os professores a envolver-se nessa missão,
- dos muitos gurús que têm visões transcendentes para a educação e oferecem a "salvação" aos professores,
- de jornalistas que, com raras excepções, tudo difundem sem critério ou pergunta e, sobretudo, sem contraditório,
- até de académicos que entendem que o ensino deve ser lido através das suas grelhas que dizem ser apuradas pelos métodos de investigação mais refinados,
- etc.
Ora, diz esta professora:
(...) a minha especialidade é o ensino. Estudei, apliquei o que aprendi e fui avaliada até me tornar profissional, certificada por uma universidade e, por conseguinte, pelo Ministério da Educação (...) Devo eu exercer a minha profissão em função das críticas dos leigos em ensino, grupo no qual se encontram a maioria dos encarregados de educação?
E, acrescentamos nós, mais aqueles que referimos. Este acrescento cai como uma luva ao que a articulista diz de seguida:
Entendem, certamente, onde quero chegar: a certa altura, os professores começaram a trabalhar para os pais. E vieram os papéis, e vieram os emails, e tudo é dito, demonstrado, explicado, repetido, assinado.
Para que se entenda melhor, dá um exemplo muito concreto:
Um dos grandes desassossegos são as chamadas “Medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão”, segundo o DL 54/2018 “as medidas universais são mobilizadas para todos os alunos”. São passe livre que dá ao professor uma autonomia verdadeiramente útil. Posso adaptar processos, ferramentas de ensino-aprendizagem e a avaliação conforme as exigências de cada aluno (...). Mas muitos professores ainda têm receio do questionamento dos pais. Estes, por vezes, reclamam por não entenderem a avaliação, quando dificilmente irão entender, pois a sua especialidade não é ensino, avaliação, pedagogia ou didáctica. E quando reclamam os professores e direcções ouvem, cedem, acalmam os ânimos, passando a explicar por A mais B a cada pai o que fazem em sala de aula.
Quando os professores têm de se justificar aos seus "clientes" e afins, o tempo falta para o essencial:
(...) não preparei as aulas da semana que vem. Passei a tarde (...), a preencher uns papéis e a fazer cruzes noutros, a registar textos explicativos no programa informático e a preencher tabelas, tudo para ensinar aos pais como ensino e, sobretudo, como avalio. Esta cultura de permanente justificação do professor ganhou uma dimensão tremenda, ocupando grande parte das nossas horas laborais. A desconfiança no professor (...) coloca interesses e preocupações que deveriam ser residuais à frente das querelas verdadeiramente importantes no ensino.
No final, reafirma o que disse antes:
(...) o professor deixou de trabalhar para os alunos, para a escola, para o Ministério.
Logo:
A escola pública está em apuros.
É também a nossa convicção!
6 comentários:
A minha formação, científica e educacional, de professor do ensino secundário tem a chancela de uma Universidade pública portuguesa dos anos 80 do século XX. Então, ensinaram-me que no exercício da minha profissão teria autonomia científica e pedagógica. O meu método de ensino não me seria imposto por encarregados de educação, nem por organizações económicas , internacionais, nem por editoras de manuais escolares, entre outras entidades, como associações de filosofia ubuntu. Mas, de facto, de figura central na escola, o professor transformou-se num pau mandado dessa turba de "especialistas" em ensino. Há porém um ponto em que discordo de Cristina Gaspar: as abstrusas "medidas universais" não vieram dar autonomia ao professor em contexto de sala de aula. O que os tais especialistas pretendem é apanhar um professor que não tenha preenchido todas as grelhas das medidas universais de um determinado aluno que merecia ser avaliado negativamente porque não tinha aprendido as aprendizagens essenciais e obrigá-lo a dar a positiva sob pena de o seu infeliz caso ser
em Conselho Pedagógico. Estas palermices e mal-entendidos resultam de muitos professores ainda não se terem apropriado do novo paradigma do ensino/ aprendizagem:
o foco da escola já não é o que os professores ensinam ou os alunos aprendem; agora, o foco está na inclusão e no sucesso de todos, que se mede pelas avaliações finais positivas de todos. Os fins justificam os meios.
O presente estádio do ensino só foi possível com a cumplicidade e colaboração dos professores.
Claro que sim, os professores são culpados de tudo o que de mal acontece no mundo desde o aquecimento global às epidemias, passando pela guerra em Gaza e pela eleição de Trump!
Estamos bonitos! Reforma aos 66 anos e 9 meses em 2026. Os avozinhos a tomarem conta de 24/30 alunos amorosos e cheios de papéis burocráticos para preencher ao fim de semana. Cada vez melhor!
Desconversar.
"Alunos amorosos" no sentido de alunos altamente excitados por sobrecargas de hormonas sexuais, que os fazem "trepar pelas paredes", em contexto de sala de aula. Obrigar professores, com mais de 65 anos de idade, a fazer de conta que estão a dar aulas nas escolas EB 1, 2, 3 +S + JI, conforme as diretivas gerais do Governo e das organizações internacionais, é ridículo e cruel!
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