Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente. Nuno Dias da Silva entrevistou-a para a revista Ensino Magazine. Eis o essencial da mesma, do ponto de vista educativo (sublinhados meus).
"As redes sociais (...) em nome da liberdade de expressão, tornaram-se um autêntico faroeste, onde tudo é permitido e inclusive amplificado por causa dos algoritmos. Este ambiente acaba por ser transferido para o mundo real, nomeadamente nas conversas entre as pessoas e até nos painéis de comentários televisivos
Escrevi recentemente um ensaio no Expresso sobre a história da decência em que falo da Janela de Overton. De acordo com a descrição deste politólogo, na década de 90, a sua janela incluía uma gama de ideias consideradas politicamente aceitáveis no clima atual da opinião pública (...). O espetro da aceitação das ideias variava nas seguintes dimensões: impensável, radical, aceitável, sensível, popular e politicamente implementada (...). a proliferação da internet permitiu o escancarar da Janela de Overton. Determinadas ideias que há uns anos se admitiam como impensáveis ou ultraradicais hoje em dia vêmo-las em todo o lado (...).
Em 2014, estive na sede do Facebook em Silicon Valley – um dos trabalhos que mais me marcou na carreira –, onde conheci a unidade que trabalha com o algorimo base do Facebook. As pessoas não têm a noção do quão importante pode ser o algoritmo, com a criação das tais bolhas virtuais, para a forma como as pessoas formam a sua visão da realidade concreta. E isto torna-se ainda mais preocupante quando é certo e sabido que a maior parte das pessoas procura informar-se através das redes sociais.
Churchill dizia que «uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter oportunidade de se vestir.». Com a internet, e a velocidade de propagação planetária que existe, a mentira já deu a volta ao mundo, mesmo antes de a verdade abrir a pestana (...).
Sempre existiram ideias consideradas indecentes na sociedade. A diferença é que a vergonha era um fenómeno de regulação social. Existia uma censura social perante uma ideia considerada chocante ou ofensiva. Nesse sentido as redes sociais marcam uma nova era: a vergonha como regulador social esvaiu-se muito porque as pessoas encontram bolhas onde as suas ideias – por mais chocantes que sejam – acabam por ser respaldadas (...).
A política da lógica e da razão faz parte do passado e hoje o que impera é a política das emoções.
Interpelada pelo entrevistador sobre o que diria se fosse a uma escola falar do livro disse:
A mensagem fundamental a passar aos jovens é fazerem o exercício, tão simples e tão complexo, de procurarem colocar-se no lugar do outro, sentirem os problemas dos outros. (...) A tolerância é o óleo do motor da sociedade e da democracia.
1 comentário:
No caso português, o discurso pateta daqueles que regem as nossas escolas básicas e secundárias, e os jardins de infância, atribui esta degradação dos valores civilizacionais, patente nas redes sociais, ao atraso que se verifica na recuperação das aprendizagens essenciais, nomeadamente na implementação do projeto de cidadania e na difusão da filosofia Ubuntu.
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