No final de 2022, Daniel Arias Aranda, professor de Organização de Empresas da Universidade de Granada, publicou, numa rede social, o artigo
Querido alumno universitario de grado: te estamos engañando, que originou uma apreciável polémica. O título, coerente com o conteúdo, é surpreendente: será de esperar que um professor reconheça que o trabalho docente, é enganoso? Que diga que se enganam aqueles que se devem educar? Mais: que coloque o problema na primeira pessoa, assumindo que participa no engano? Que escreva, para leitura pública, aquilo que é frequente ouvir no resguardo do privado e a meia voz?
É que na lógica de marketing, que se tem entranhado nas mais diversas instituições, não sendo a universidade excepção, tal como as outras escolas sejam ou não de ensino superior :
é preciso arranjar clientes (sejam ou não os mais certos),
e vender-lhes produtos (no caso, cursos, que se adaptam continuamente aos seus interesses e necessidades e, de modo velado, também às suas capacidades, conhecimentos anteriores, disposição de aprender...),
não dificultando a transação (através de uma avaliação, digamos, criativamente soft),
para que a atribuição de diplomas flua (sem grandes sobressaltos e, acima de tudo, sem queixas e reclamações, que "mancham" a reputação da instituição, podendo traduzir-se em perda de clientes).
O produto das universidades é mostrado, com "base evidências", como de qualidade e ao gosto dos destinatários, correspondendo aos seus desejos, de modo que enquanto houver clientes e eles se sentirem "satisfeitos", "confortáveis", vamos andando: "gestores", "ensinantes" e "aprendentes"... Não sabemos bem porque vamos andando, nem qual a nossa direcção... mas, ainda assim, vamos andando...
É certo que a sociedade começa a perceber a falácia, questionando a substância do produto e, também, do processo a que ele conduz. Mas a sociedade é o que é, e não está imune à tal lógica, que, de resto, promove. Além disso, esse questionamento aberto ou, melhor, descarado, vem frequentemente de sectores oportunistas da mesma, mais interessados em destruir os sistemas educativos públicos do que em contribuir para a sua edificação.
Por isso, é importante que perguntas como as de Arias Aranda além de assinaladas sejam desenvolvidas. Foi o que ele fez num livro, saído em 2023 (editora Temas de Hoy) com título aproximado ao do artigo
.
Partindo da sua perspectiva de professor, especialista em organização de empresas é, sobretudo, na universidade e na sua área de estudo que situa a discussão, mas toca aspectos que são transversais ao ensino e, que, no momento, o subvertem: burocratização do trabalho docente, que o desvia do caminho que seria de esperar; falta de conhecimentos prévios dos alunos e a sua dificuldade em investir em tarefas de aprendizagem; abaixamento do nível de exigência académica nas diversas instâncias do sistema; legitimação, em letra de lei, de opções alheias aos propósitos da educação escolar; acomodação, não raras vezes por necessidade de sobrevivência, de instituições e profissionais ao estabelecido, fruto de interesses económicos e não só. Mas as mudanças sociais também contam, e contam muito: o pensamento superficial, líquido que nos prende a todo o momento, a destruição do sentido do colectivo e de aspectos que ele solicita, como o esforço; o uso inapropiado e contínuo das tecnologias...
Estou com Arias Aranda no respeitante a estes aspectos: tudo isto, e mais do que isto, tem promovido a degradação de instituições que, eticamente, temos a obrigação de preservar, até como forma de elevar a sociedade.
4 comentários:
Aprende-se a agir, a pensar e a sentir. Não obstante, não há causas do que não acontece.
Por que é que não é necessário fazer nada para que os alunos se enganem, embora nem tudo desabe estrepitosamente? Por que é que não é necessário empurrar um náufrago para que ele se afogue? Por que é necessário que o náufrago perceba que o é? Que o ignorante perceba que o é? Que Deus não tem que fazer nada para ser adorado?
Por outro lado, por que é preciso trabalhar muito para que tudo continue na mesma, e não se consegue? Por que temos a sensação de que o mundo se está constantemente a desmoronar, mas é sempre em redor?
Os humanos têm uma desenvolvida aptidão para agirem, reagirem e aprenderem a agir e a reagir; para pensarem e aprenderem a pensar; para sentirem e aprenderem a sentir; para chorarem e aprenderem a chorar e a não chorar; para rirem e aprenderem a rir e a não rir...
Aprende-se a agir, aprende-se a pensar, aprende-se a sentir, mas é necessário ser bem ensinado e ser bem orientado. O contrário, pode ter efeito contrário.
Essa aptidão tem sido aproveitada, inúmeras vezes, de modo abusivo, para treinar e ensinar a ter determinados comportamentos, ou desenvolver trabalhos.
É possível, através da instrução, das letras, dos desafios, da discussão de problemas, levar o ser humano a essa capacidade de colocar problemas e tentar equacionar soluções, desenvolvendo práticas e métodos de análise e de reflexão sistemática.
Aparentemente, cada um sente o que tem de sentir, porque sente e nada mais. Mas quantos dos sentimentos são ensinados e incutidos?
É possível ensinar e treinar, por exemplo, para a tolerância, para o respeito, para o amor e para o ódio.
A função e o papel da Família, da Escola e dos meios de comunicação social, enquanto divulgadores dos atores políticos, religiosos, desportivos, policiais, artísticos, no desenvolvimento e orientação destas aptidões podem ser mais ou menos eficazes consoante o grau de coerência e o nível de satisfação que permitirem, em termos de compensações intrínsecas e extrínsecas, uma vez que toda a ação tem em vista uma satisfação.
As notas fraudulentas no ensino secundário são um escândalo. Parte-se do princípio de que estudar e aprender é sempre bom. Então para sermos todos bons, devemos todos estudar, de preferência no Ensino Superior. Estudar "O Quê?" e "Para Quê?" são questões de somenos importância. Em Portugal, um dos países mais pobres e atrasados da Europa, um argumento muito forte defende que quando tivermos uma percentagem de licenciados e doutorados como a da Alemanha seremos, imediatamente, tão ricos como eles. Não importa saber se muitos dos nossos doutoramentos são em supervisão escolar ou em língua mirandesa...
Dentro desta lógica, os colégios particulares, sem a fiscalização do Estado, do tempo do Doutor Oliveira Salazar, comprazem-se a distribuir, a torto e a direito, notas finais de estabelecimento entre dezoito e vinte valores, e notas de exame, realizadas no mesmo estabelecimento, entre dezoito e vinte valores.
Na lógica do Estado atual, desde que o aluno seja classificado com notas exageradamente elevadas, independentemente do pouco ou nada que aprendeu, está tudo bem!
- A mal da Nação! - digo eu.
Tendo em conta que o autor do artigo é catedrático em gestão, falar em «engano» só pode ser uma ironia. Consequentemente, a sua referência à «lógica de marketing» é igualmente irónica. Não é, precisamente, essa a lógica que se ensina nos cursos de gestão para se gerir universidades, hospitais, editoras? Não são alguns deles que defendem o fim dos cursos de humanidades em virtude do seu «valor de mercado»?
Prezado Leitor Daniel Ferreira
Apesar de muitos gestores e economistas se imiscuírem na Educação ao ponto de traçarem o seu caminho - e de, atenção, os responsáveis directos pela Educação o permitirem, o acarinharem e, até, o solicitarem - não significa que os todos os gestores e economistas que participam na Educação queiram adequá-la aos seus interesses, através, nomeadamente da extinção de conteúdos disciplinares. É certo que o olhar deste professor, situado na organização de empresas, área em que investiga e ensina, será diferente do meu - e presumo que do seu - mas converge na constatação, e na preocupação, de que, como professores, participamos num engano. Um engano no qual, nomeadamente por questões éticas, não deveríamos participar.
Cordialmente,
MHDamião
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