sexta-feira, 7 de junho de 2024

MOLDAR O BARRO, DA PRÉ-HISTÓRIA AOS DIAS DE HOJE (1): CERÂMICA, TECNOLOGIA E ARTE

Por A. Galopim de Carvalho

Desde muito cedo, no Paleolítico superior, o Homem conheceu a moldabilidade do barro molhado, teve a percepção de que, uma vez seco, este se comportava como um sólido pouco rígido e macio, que se deixava riscar facilmente pelas unhas. Verificou que, humedecido de novo, voltava a ser moldável. Verificou, ainda, talvez por acaso, que, por aquecimento ao fogo, o barro endurecido pela secagem consolidava de vez, tornando-se coeso e rígido e. Nasceram assim, entre outros objectos achados, as conhecidas Vénus paleolíticas.

Tais características físicas do barro determinaram, desde então, o seu uso numa tecnologia/arte, a que foi dado o nome de cerâmica, a partir do termo grego, Kerameikos, nome de uma área de Atenas, localizada a noroeste da Acrópole, conhecida como o bairro dos kerameis, os artesãos que trabalhavam o barro (kéramos), ou seja, os oleiros, nas suas olarias, palavra que radica em ola, o nome antigo da panela de barro.

Uma realidade em todos os tempos e em todas as latitudes, a cerâmica acumula hoje uma indústria e um artesanato com assinalável importância económica, criando e desenvolvendo uma ampla diversidade de produtos de características muito diferentes, tendo a argila, na sua diversidade, por única ou principal matéria-prima. Entre os produtos mais conhecidos figuram o barro vermelho, a porcelana, a faiança e o grés.

Vista como uma tecnologia e, em muitos casos, uma arte, a cerâmica evoluiu e afirmou-se a partir do Neolítico, em especial, sob a forma de vasos, certamente para cozinhar e conservar alimentos. Uma importante expressão desta arte (no sentido de técnica ou habilidade) está na base da chamada Cultura do Vaso Campaniforme. 


Datada (pelo carbono 14) de há cerca e 3000 anos a.C., a cerâmica dita do vaso campaniforme, concebida e executada com fins utilitários, admite-se para cozinhar e guardar alimentos, terá tido origem no Castro calcolítico (Idade do Cobre) do Zambujal, nas proximidades de Torres Vedras. Trata-se essencialmente de vasos de barro cozidos ao fogo, decorados, com a forma de um sino (daí o qualificativo campaniforme) invertido, encontrados em associação com sítios funerários.

Este tipo de cerâmica alastrou da Estremadura portuguesa para a Península Ibérica e daqui para toda a Europa, exportação que, segundo se crê, não foi acompanhada por grandes migrações de populações, pois, segundo estudo de DNA realizados, não há indícios de exportação genética da Península Ibérica para o resto da Europa.

Num outro domínio da criatividade humana, lembremos as “tabuinhas” de argila gravadas pelos sumérios, a partir de cerca de 3200 a.C., com auxílio de objetos em formato de cunha são, a par dos hieroglifos egípcios, o mais antigo tipo conhecido de escrita. Acrescente-se que o adjectivo cuneiforme decorre do nome dos referidos objectos.

Muito mais tarde, já no período histórico, descobriu-se que, em excesso de água e um tratamento adequado, a argila se desagrega, formando barbotinas (do francês barboter, verbo que refere o agitar de um líquido), termo técnico da indústria cerâmica, dado às suspensões algo viscosas (do tipo de uma lama muito fluida), mantidas por tempo suficiente para fazer moldes por vazamento, cuja estabilidade depende das dimensões das partículas e das suas características físico-químicas, bem como das do meio líquido, a água, à qual foi adicionado um desfloculante necessário para manter as referidas suspensões.

Desde os vasos mais frustes dos nossos ancestrais, à mais fina porcelana, passando pela indústria de barro vermelho, pela faiança e pelo grés, a cerâmica dos dias de hoje assenta nas caraterísticas físicas e químicas dos argilominerais (minerais próprios das argilas, com destaque para caulinite, ilite e esmectite) presentes, hoje bem conhecidas em grande pormenor, mas que extravasam os propósitos generalistas deste texto. Na imagem: vaso campaniforme encontrado na Quinta do Anjo, Palmela. O vaso contém uma vértebra humana e um fémur. A datação de radiocarbono do fémur deu o seguinte resultado: GrN -10744, 4040+/-70 anos BP (Cardoso & Soares, 1990-1992). Museu do LNEG. Arquivo João Luís Cardoso/O. da Veiga Ferreira.

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