"Pedagogia é a arte de ensinar os meninos, ou de dar-lhes boa educação: arte importante, que exige muito discernimento, luzes, experiência e dedicação. Ensinar os meninos não é unicamente instrui-los, segundo algumas pessoas, confundindo a instrução com a educação: é desenvolver e dar direcção a todas as faculdades que lhe são nativas. Sendo o homem composto não só de um corpo, mas também de uma alma dotada de inteligência e de vontade, segue-se que o menino possui três espécies de faculdades: faculdades físicas, que dizem respeito ao corpo; faculdades intelectuais, que se referem à inteligência; faculdades morais relativas à vontade. Daí três ramos da educação: educação física, educação intelectual e educação moral, com a qual se confunde a educação religiosa." Ver aqui
O texto acima reproduzido consta num livro publicado em 1851, em França, com o título "Curso Prático de Pedagogia Destinado aos Alunos-Mestres das Escolas Normais Primárias e aos Instrutores do Exército". Assina-o Jean-Baptiste Daligault, nascido em 1811 e falecido em 1894 na Normandia. Tendo estudado teologia não seguiu a carreira eclesiástica e tornou-se preceptor. Continuando a estudar, chegou a bacharel em Letras, habilitação que lhe deu acesso à carreira docente no Liceu de Caen, depois à de inspecção de escolas primárias e, finalmente, de director da Escola Normal Primária de Alençon, cargo que indica na capa do mencionado livro (que não foi o único que deixou), logo abaixo do seu nome.
O extracto que acima reproduzi recorda-nos, muito singelamente, algo que, sendo de primordial importância, tem desaparecido do nosso horizonte: a "boa educação" como finalidade última do trabalho educativo.
Instruir sim, mas não apenas, isto porque, nesse trabalho, há que estimular as capacidades com que o ser humano nasce de modo a torná-lo bem educado.
Sabemos que, por múltiplas razões, nem sempre isso é possível de conseguir, mas tal não invalida o propósito.
Ainda que se trate de uma finalidade inscrita no ideal, os educadores precisam de a ter bem presente. Para tanto, diz o Senhor Daligault, requere-se da parte deles discernimento, conhecimento, experiência e
dedicação.
Num momento em que, no nosso e noutros sistemas educativos, se procuram (desesperadamente) pessoas (de diversas proveniências) para "assegurarem aulas", talvez fosse de (voltar a) pensar que isso não basta, que é preciso formar e seleccionar professores capazes de vislumbrar o que é a "boa educação".
2 comentários:
O modelo para uma boa educação e ensino secundário é (vai para mais de vinte anos!) o ensino profissional, conforme nos foi imposto pela União Europeia em conluio com outras instituições internacionais. Para abreviar razões, uma das linhas-mestras de tal "modelo" é o cumprimento escrupuloso, contabilizado ao minuto, de um determinado número de "horas de formação" em cada disciplina. No que diz respeito ao "formador", ele tem de cumprir, ao minuto, as suas horas de formação. Se faltar por motivo de nojo, ou porque o comboio se atrasou, não tem alternativa senão repor mais tarde a aula em falta. Quanto aos "formandos", por cada falta que deem, têm de ser sempre sujeitos a medidas de recuperação das aprendizagens, do tipo das universais e/ou seletivas, que, invariavelmente, são avaliadas positivamente pelo formando, dado o caráter formativo do ensino profissional.
Resumindo, o que se passa no convento, com falta de educação, violência e indisciplina, só sabe quem está lá dentro. Para as autoridades e instituições, nacionais e internacionais, o êxito e sucesso escolar do sistema educativo mede-se pelas avaliações e classificações finais exaradas pelo Conselho de Turma que são, no caso português, excelentes!
Concordo, genericamente, com esses princípios, mesmo velhinhos de 1865. São ideais, e evidentemente é para aí que cada educador se deve esforçar de evoluir, num sentido cada vez mais humanista e universal, com sensibilidade ao seu tempo e mostrando empatia com os jovens que tem de formar.
Esse ideal é como Liberté, Égalité, Fraternité. Deve orientar-nos. Mas se for imposto, ou exigido a todos formalmente e cegamente, leva ao pesadelo soviético e coisas semelhantes. O ser humano não se realiza na colectividade forçada.
Exigir na Educação que todos os professores sejam 'modelo' de discernimento, luzes, experiência e dedicação, plus faculdades morais, é condenar a Educação Pública à extinção. Logo a partida, a maioria dos jovens candidatos recém-formados à profissão sentir-se-iam desmotivados e incapazes frente à exigência de serem super-homens modelo século XXI. As faculdades morais, vou ali e venho já. Toda a gente sabe que não é atributo fácil de encontrar na raça humana um elevado nível de faculdades morais, pelo contrário: tem de haver bons professores que sejam egoístas, retrógrados, materialistas, preguiçosos, comodistas, introvertidos, já para não ir mais longe; se podem ser gays e lésbicas e trans, poderão ser pedófilos passivos? se podem ser comunistas, poderão ser fascistas? Se podem ser cumpridores empenhados dos curricula e da filosofia educativa, poderão ser contestatários e recusar certos conteúdos, certas abordagens? Se em matemática um professor se recusar a debater um assunto de índole sexual ou moral, é condenável?
É fácil, doutora Helena Damião, estabelecer ideais, por isso abundam textos idealistas sobre a Educação. Precisamos de textos realistas e de planos de acção exequíveis, tolerantes e amigos das diferenças humanas dos formadores (como obviamente devem ser dos formandos). Houve dias que me correram mal, tinha dores, estava mal disposto, tive contrariedades, e tratei mal um aluno ou uma turma. É normal. Um professor em processo de divórcio ou de herança conflituosa naturalmente mostra-se irritável e antipático nas aulas. Um professor formado com 10 (dez) ou 11 (onze) comete erros de palmatória e mostra-se incapaz em muitas áreas? É normal. Devia ter sido chumbado e desmotivado desta profissão.
A pretensa 'calamidade educativa' só se atenua na formação inicial dos professores. Toda a culpa é das Universidades , Institutos, Orientadores de Estágio, que usando esses princípios de condescendência e cegueira perante a incompetência deixam sujeitos e sujeitas terminar um curso com sucesso e ir ganhar a vida a 'dar aulas'. O que, aliás, não é condenável. É preciso ganhar a vida.
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