quarta-feira, 19 de junho de 2024

EINSTEIN DE NOVO E SEMPRE

Meu artigo no último JL:

Há muitas biografias de Albert Einstein (1879-1955): uma das mais difundidas é a do jornalista norte-americano Walter Isaacson (Einstein: a Sua Vida e Universo, Casa das Letras, 2008). Mas a biografia definitiva do grande sábio nascido na Alemanha, naturalizado primeiro suíço e depois norte-americano, é da autoria do físico nascido nos Países Baixos tornado norte-americano Abraham Pais (1918-2000). Pais (o nome denota a origem: descende de judeus lusos que emigraram para Amesterdão no século XVII) foi preso pelos nazis, quase no final a Segunda Guerra Mundial. No pós-guerra foi assistente de Niels Bohr em Copenhaga e depois colega de Einstein no Instituto de Estudos Avançados de Princeton. A biografia - Subtil é o Senhor. Vida e pensamento de Alberto Einstein, agora reeditada pela Gradiva, é uma descrição até agora inultrapassada da vida e obra e Einstein. O título remete para a frase de Einstein: «Subtil é o Senhor [Deus]. Mas não é malicioso».  A interpretação não pode ser literal, pois ele não acreditava no Deus bíblico. Significa antes que as leis do Universo são intrincadas, mas é possível encontrá-las. Pais é também autor de biografias de Niels Bohr e de Julius Robert Oppenheimer, outros grandes físicos com quem conviveu.

O original do livro de Pais foi publicado em 1982 pela Oxford University Press, ganhando nesse ano o prémio do melhor livro americano de ciência. Em 1993, a Gradiva publicou uma tradução em português da autoria de Fernando Parente e Viriato Esteves, professores de Física da Universidade de Lisboa, como o n.º 59 da colecção Ciência Aberta (fundada por Guilherme Valente, que dirijo desde o n.º 200). A mesma editora acaba de lançar uma nova edição enriquecida por dois prefácios: um do físico inglês Roger Penrose, Prémio Nobel da Física de 2020, e outro do português Vítor Cardoso, professor no Instituto Superior Técnico e no Instituto Niels Bohr em Copenhaga. Quem quiser conhecer a vida e obra de Einstein encontrará neste livro, há muito esgotado, uma «bíblia». A biografia resistiu completamente à passagem do tempo. O Einstein que aí está de novo é o Einstein que ficará para sempre.

O livro começa com um passeio de Einstein com Pais em Princeton, em 1950, quando o primeiro aponta a Lua e pergunta ao autor: «Acredita que só existe quando se olha para ela?».  A questão remetia para um dos problemas filosóficos da teoria quântica: Einstein, um realista, tinha dificuldade em aceitar que o acto de observar determinasse o resultado de uma medida, como estabelecia a teoria quântica que ele próprio tinha ajudado a criar em 1905 com a sua proposta da existência de um «grão de luz», o fotão, para explicar o efeito fotoelétrico. Foi por esta explicação que Einstein ganhou o Nobel de 1921, do qual  tomou conhecimento no ano seguinte em Xangai numa longa viagem ao Oriente (a Gradiva publicou os seus Diários de Viagem ao Extremo Oriente, Palestina e a Espanha, num livro que traduzi). Já se sabia que a luz é uma onda, mas Einstein acrescentou que também era uma partícula. Surgiu a dualidade onda-partícula, coroada em 1924, há cem anos, com a ideia do francês Louis de Broglie, que Einstein logo apoiou, de que as partículas, como os electrões, também exibiam essa dualidade.

De certo modo, Einstein «repudiou» a teoria quântica. Não duvidando da validade dos resultados que ela fornecia, não a considerava a última palavra. Por detrás das previsões probabilísticas deveria haver uma ordem escondida: «Deus não joga aos dados», disse ele numa das suas famosas tiradas.  Quem quiser saber a posição de Einstein sobre a teoria quântica não deve hesitar em embrenhar-se na leitura deste livro de 690 páginas (não tenha medo das fórmulas, pois a física é mais simples com elas).

A tabela cronológica no final informa que Einstein fez, em 1924, a sua última grande prestação científica. Num artigo submetido à Real Academia Prussiana das Ciências, previu que os átomos de certos gases se podiam acumular no mesmo estado – formavam o «condensado de Bose-Einstein», do nome do físico indiano, nessa altura obscuro, Satyendra Bose, autor de trabalho independente nessa área (Einstein deu-lhe o devido crédito). A descoberta do condensado de Bose-Einstein valeu o prémio Nobel de 1997 aos físicos norte-americanos Eric Cornell, Carl Wieman e Wolfgang Ketterle. São várias, de resto, as previsões de Einstein, que deram o Nobel: além dessa, o laser, as ondas gravitacionais e os buracos negros.

No entanto, a vida científica de Einstein não parou nessa altura, quando ele tinha 45 anos. Em 1927 embrenhou-se numa célebre polémica com Bohr na Conferência Solvay em Bruxelas (foi talvez a maior disputa intelectual do seculo XX).  Na sequência, num artigo de 1935, já em Princeton, Einstein apresentou, em colaboração com dois jovens, Boris Podoslky e Nathan Rosen, uma forte crítica à teoria quântica: cogitou uma experiência, na altura apenas conceptual, que ficou conhecida por «paradoxo EPR», dos nomes dos autores. Parecia haver em certas circunstâncias uma interacção fantasmagórica à distância que «entrelaçava» um par de partículas. Medindo uma propriedade de uma, ficava-se de imediato a saber o resultado da medida da mesma propriedade na outra, ainda que estivesse muito afastada. O New York Times noticiou: «Einstein ataca a teoria quântica. O cientista e dois colegas descobriram que ela não é ‘completa’, apesar de estar ‘correcta’». O paradoxo EPR desencadeou uma discussão que chegou aos dias de hoje. O francês Alain Aspect (n. 1947), Nobel da Física de 2022, veio há dias dar uma palestra a Lisboa sobre as experiências que fez relacionadas com esse paradoxo. A sua conclusão foi que Einstein não tinha razão:  o fenómeno de entrelaçamento é mesmo real. Com base nisso, estão a surgir novas proezas tecnológicas como a criptografia quântica e a computação quântica, que prometem ter aplicações revolucionárias. Uma teoria com mais de um século continua, assim, a dar frutos. Aspect salientou que a crítica de Einstein, ainda que infundada, foi essencial não só para compreendermos melhor o nosso mundo, mas também para vivermos melhor. A Natureza é subtil, mas, conhecedores das suas subtilezas, podemos mudar a nossa vida.

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