domingo, 30 de junho de 2024

A CONDIÇÃO DOCENTE REVISITADA: DE 1966 a 2024

Em 1966, realizou-se, em cooperação com a Organização Internacional do Trabalho, a Conferência Intergovernamental Especial sobre a Condição dos Professores, convocada pela UNESCO, organismo da Organização das Nações Unidas. Daí saiu uma Recomendação na qual se estabelecem padrões mundiais para a profissão docente (ver aqui).

Em concreto, nesse documento, que vale muito a pena ler ou reler, organizam-se, entre outros os seguintes aspectos:
- direitos e deveres dos professores, destacando-se a alusão à sua autonomia e responsabilidade educativa;
- padrões desejáveis para a sua formação inicial e continua, bem como para o seu recrutamento;
- circunstâncias de trabalho favoráveis ao ensino e à aprendizagem;
- possibilidades de participar nas decisões educativas através de consultas e negociações com as autoridades políticas. 

A Recomendação, ainda que sem carácter vinculativo, é tida como um marco fundamental no delineamento da "condição docente" e na afirmação do "estatuto do professor".

Ainda assim, é um marco que se distancia da realidade: passadas quase seis décadas, mesmo na Europa, onde nos situamos, a situação do ensino afigura-se de sentido contrário. Vemos a desinteletualização declarada dos professores, a menorização da sua capacidade deliberativa, a negação da sua autonomia, a sua formação débil, desadequada e apropriada por interesses vários, as circunstâncias de trabalho que lhe negam a liberdade de ensinar, tornando-o um funcionário, a falácia que é a sua chamada a participar no debate educativo...

Eventualmente por estas e outras razões, nomeadamente a falta de professores a nível mundial, o Secretário-Geral das ONU, António Guterres, entendeu promover a “Cimeira para a Transformação da Educação” que se realizou em finais de 2022. Dela saiu a resolução de criar o que foi designado por Painel de Alto Nível sobre a Profissão Docente, o qual reuniu um conjunto de especialistas que, com base na auscultação de professores, apurou recomendações para os Estados-Membros,

Passados dois anos, em 2024, o Painel apresentou essas recomendações para as quais António Guterres pediu a maior atenção a governos, mas também a agentes educativos directamente ligados ao ensino, no sentido de se encontrarem caminhos capazes de contribuírem para a dignificação da profissão docente e se construir uma "educação de qualidade para todos.

No documento, que se pode consultar aqui, diz-se, a abrir, o seguinte: "Os professores são fundamentais para potenciar o maior recurso de cada país: as mentes do seu povo. O nosso mundo entrou num período de mudanças dramáticas – crise climática, revolução digital e aumento das desigualdades. Mais do que nunca, as pessoas precisam de competências e de conhecimentos relevantes e de qualidade que somente (...) os sistemas educativos transformados podem proporcionar. Logo, acima de tudo, estes sistemas precisam dos melhores professores possíveis. Porém, hoje enfrentamos uma escassez dramática de professores em todo o mundo e milhões de professores não têm o apoio, as competências e a formação contínua de que precisam para responder às exigências dos sistemas educativos em rápida mudança. 
 
Num momento de indefinição quanto aos desígnios da formação de professores e aos requisitos de acesso à profissão, seria importante que quem está envolvido em ambas as matérias, assim como os próprios professores, analisassem os dois documentos, ainda que com o sentido crítico que essa tarefa merece. É que a informação constitui uma base de grande valia para as decisões que venham a ser tomadas.

2 comentários:

António Pires disse...

"direitos e deveres dos professores, destacando-se a alusão à sua autonomia e responsabilidade educativa".

Aquilo a que se assiste "in loco" nas escolas EB 1, 2, 3 + S + JI, cujas siglas pós modernas só fazem sentido no país atrasado, para ser eufemístico, que é Portugal, tem mais a ver com um cenário de manicómio do que com lugares de ensino e aprendizagem como eram as escolas de há cinquenta anos.
Atualmente, os professores do ensino secundário são uns paus-mandados nas mãos do governo, sem autonomia científica nem pedagógica no exercício da sua função primordial que deveria ser ensinar. Para abreviar razões, limito-me a esclarecer muita gente que, não estando dentro do convento, não sabe que no sistema de ensino a que chegámos são mais importantes, mas muito mais importantes, os critérios de avaliação dos alunos, cujo estudo e debate obriga à realização de várias reuniões plenárias de professores, ao longo do ano letivo, do que os conhecimentos escolares propriamente ditos, como a matemática, o português, ou a geometria descritiva, que se ensinam aos alunos! Aliás, neste sistema, quanto menos se ensinar, melhor, desde que "critérios de avaliação" abstrusos garantam a passagem de todos, principalmente dos que mais precisarem, que são sempre os mais pobrezinhos!
Para mim, isto é uma loucura!

Anónimo disse...

Concordo com o leitor António Pires mas vou mais longe: considero que muitos professores têm uma cota parte de culpa no desaire que é a escola pública.
"Os professores são fundamentais para potenciar o maior recurso de cada país: as mentes do seu povo", mas certamente não é com o facilitismo que os professores caucionaram, e acriticamente promovem, que se potenciam as mentes do povo para o esclarecimento e a autonomia!
São precisos professores e, sobretudo, professores que compreendam bem qual a verdadeira missão da escola.
Também estou no terreno, sei o que se passa. A escola pública está a tornar-se uma escola para pobrezinhos.

Num perfeito alinhamento com orientações da OCDE

Num perfeito alinhamento com orientações ( algumas muito recentes ) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o m...