Por Eugénio Lisboa
Os ideólogos absolutos simples têm o hábito nefasto de avaliar o talento e as obras de escritores, artistas e cientistas, não por esse talento, mas por razões em tudo exteriores ao valor intrínseco dessas obras. Um cientista não é válido porque é judeu, um escritor é descartável porque é de direita ou porque é de esquerda ou porque não “se compromete”. Outro é lançado ao inferno porque tem vícios sexuais. Por dá cá aquela palha, lança-se o labéu de “fascista” a gente que simplesmente “se acomodou” como se acomodaram tantos que se dizem de esquerda. É uma avaliação assanhada, intolerante, a preto e branco, como se um grande artista tivesse de ser, ao mesmo tempo, uma virgem impoluta em busca de canonização.
Do que estes robespierres se esquecem é de que, a utilizar esta escala de valores, muito do património cultural da humanidade vai pelo esgoto abaixo, porque, afinal, os heróis eram também vilãos. Os exemplos abundam e temos de viver com eles.
Do que estes robespierres se esquecem é de que, a utilizar esta escala de valores, muito do património cultural da humanidade vai pelo esgoto abaixo, porque, afinal, os heróis eram também vilãos. Os exemplos abundam e temos de viver com eles.
Jean-Jacques Rousseau, que nos legou duas joias literárias – LES CONFESSIONS e RÊVERIES D’UN PROMENEUR SOLITAIRE – foi o mesmo que pôs cinco filhos na roda. Voltaire, destemido combatente pelos direitos humanos e notabilíssimo ficcionista, poeta, dramaturgo, historiador, e excepcional epistológrafo, que pagou as suas ousadias com a Bastilha e com o exílio, praticava desavergonhadamente a agiotagem. O grande Camilo, em muitas das acções da sua vida, não foi flor que se cheirasse. André Gide era pedófilo. Proust sabujava aristocratas, a quem escrevia intermináveis cartas soporíferas. Hemingway, o grande mestre do conto moderno, era um irredimível misógino e um bom sacana. O grande Faulkner, um dos maiores romancistas que a América produziu, tomou, em relação aos negros, atitudes que lhe valeram o epíteto de “racista silencioso”. Wagner foi o monstro que se sabe. Pirandello, um dos grandes dramaturgos do século XX e não menor contista, vestiu a camisa preta dos fascistas. D’Annunzio foi abertamente fascista. O grande Ibsen, autor de algum do melhor teatro do mundo, era perdido e achado por condecorações e ficava muito zangado quando lhas não davam ou lhas davam de pouco valor. Picasso, como ser humano e cidadão, estava também longe de ser flor que se cheirasse. Sartre, durante a ocupação, recusou-se a integrar a Resistência e acomodou-se menos mal com os ocupantes. Céline pactuou abertamente com os nazis e, no final da guerra, para não ser fuzilado, fugiu para o norte brumoso.
Que fazer da obra de toda esta gente e de outra que eu aqui não citei?
Mandá-la para a lixeira? Os ideólogos, provavelmente, acham que sim.
O que prova apenas uma coisa: eles nunca foram realmente capazes de compreender nem apreciar as grandes obras nem o preço alto que se paga a produzi-las.
Mandá-la para a lixeira? Os ideólogos, provavelmente, acham que sim.
O que prova apenas uma coisa: eles nunca foram realmente capazes de compreender nem apreciar as grandes obras nem o preço alto que se paga a produzi-las.
Eugénio Lisboa
2 comentários:
O caso de Almada Negreiros, que foi alguém completamente comprometido com o regime fascista de Salazar... mas ninguém deve por em causa o valor do seu traço, e reconhecê-lo como um grande desenhista que foi.
De outra forma estaríamos a confundir e a não distinguir a obra de arte do artista da sua opção política.
Eugénio Lisboa faz essa confusão frequentemente.
Estranhamente escreve este post!!!
https://dererummundi.blogspot.com/2010/07/uma-carta-de-eugenio-lisboa-enviada.html
https://dererummundi.blogspot.com/2010/07/eugenio-lisboa-e-fonte-luminosa.html
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