O Eça no Panteão?
Na companhia de quem?
No Panteão, um gozão?
Ali, que pilhéria tem?
Há risota no Panteão?
Pode xingar-se um ministro?
Ali, come-se faisão?
Que local tão sinistro,
pra escritor tão luminoso!
Quem inventou panteão
era um cara caveiroso,
à procura de prisão.
No Panteão há Paris?
No Panteão diz-se mal
e come-se perdiz?
Existe ali carnaval?
Mandar-se pró Panteão
um Eça pilherioso
é obra de manganão,
de espírito tortuoso!
Ponha-se lá a Agustina
e os livros que escreveu;
junte-se-lhe naftalina
e faça-se um museu!
Mas fique em paz o Eça,
na Tormes que tanto amava,
e com vigor se impeça
que saia de onde estava!
Eugénio Lisboa
sábado, 29 de abril de 2023
EÇA NO PANTEÃO?
sexta-feira, 28 de abril de 2023
O GATO E OS NICHOS
APELO AO PR CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO:
Eu assinei. Para mais informações ver:
https://olugardalinguaportuguesa.blogs.sapo.pt/
Dirigimo-nos a Vossa Excelência apelando à Sua intervenção no sentido da defesa da Língua Portuguesa, tal como esta nos surge definida no n.º 3, do artigo 11.º da Constituição da República Portuguesa.
Permita-nos, Vossa Excelência, o exercício do nosso dever cívico e obrigação de invocarmos a Lei Fundamental, designadamente no que tange aos deveres e obrigações que dela decorrem para todos os agentes do Estado, e, em especial, para o Presidente da República, enquanto primeiro e máximo representante do Estado. Estado a quem cabe, nos termos da alínea f) do artigo 9.º também da Constituição da República Portuguesa “[a]ssegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da Língua Portuguesa”.
Bem sabemos, Excelência, que, nos últimos anos, em concreto desde que o Estado impôs aos portugueses a aplicação de uma grafia que consideramos inconstitucional, tais deveres não têm sido cumpridos.
Esta não é uma questão de somenos importância. É um imperativo de cidadania. É um dever que nos é imposto pela Constituição da República Portuguesa. Trata-se, na verdade, da defesa do nosso Património Linguístico – a Língua Portuguesa – da nossa Cultura e da nossa História, os quais estão a ser vilmente desprezados.
Apelamos a Vossa Excelência que, nos termos consagrados na Constituição da República Portuguesa e no uso dos poderes conferidos ao Presidente da República, diligencie uma efectiva promoção, defesa, valorização e difusão da Língua Portuguesa.
Apelamos a Vossa Excelência que defenda activa e intransigentemente uma Língua que conta 800 anos de História.
Apelamos a Vossa Excelência que contrarie a imposição aos Portugueses da Variante Brasileira do Português, composta por um léxico que traduz acentuadas diferenças fonológicas, morfológicas, sintácticas, semânticas e ortográficas, e essencialmente baseado no Formulário Ortográfico Brasileiro de 1943.
Apelamos-lhe, Senhor Presidente da República, que proporcione às nossas crianças a possibilidade de escreverem na sua Língua Materna - naquela em que escreveram Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, José Saramago e tantos, tantos outros -, ao invés de numa grafia desestruturada, incoerente e desenraizada das restantes Línguas europeias, que também estão a aprender (Inglês, Castelhano, Francês).
Apelamos a Vossa Excelência, ao Presidente da República Portuguesa, mas, também, ao académico e cidadão Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, que recuse deixar às gerações futuras, como legado para a posteridade, a renúncia da nossa Língua, da nossa Cultura, da nossa História, de quase nove séculos.
Apelamos, em suma, a Vossa Excelência, que seja reconhecido e revertido o gravíssimo erro cometido e por via do qual o Estado Português adoptou o Acordo Ortográfico, anulando-o, e restituindo a Portugal e aos Portugueses a sua Língua.
Com os nossos melhores cumprimentos
quinta-feira, 27 de abril de 2023
EÇA NO PANTEÃO NÃO TEM ADESÃO
terça-feira, 25 de abril de 2023
O LIVRE ARBÍTRIO COMO FIM DA EDUCAÇÃO EM DEMOCRACIA
POEMA DO LIVRE ARBÍTRIOHá uma fatalidade intrínseca, insofismávelinerente a todas as coisas e nelas incrustada.Uma fatalidade que não se pode ludibriar,nem peitar, nem desvirtuar,nem entreter, nem comover,nem iludir, nem impedir,uma fatalidade fatalmente fatal,uma fatalidade que só poderia deixar de o serpara ser fatalidade de outra maneira qualquer,igualmente fatal.Eu sei que posso escolher entre o bem e o mal.Eu sei que posso fatalmente escolher entre o bem e o mal.E já sei que escolho o bem entre o mal e o bem.Já sei que escolho fatalmente o bem.Porque escolher o bem é escolher fatalmente o bem,como escolher o mal é escolher fatalmente o mal.O meu livre arbítrioconduz-me fatalmente a uma escolha fatal.António Gedeão, Obra poética, 2001, 211,
NO 25 DE ABRIL, PELO QUE ELE SIGNIFICA, PENSEMOS EM PROFUNDIDADE O DIREITO À EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA
"Estamos no meio de uma crise de enormes proporções e de grave significado global (…) refiro-me a uma crise que, como um cancro, passa em grande parte despercebida: (...) uma crise mundial da educação. Estão a ocorrer mudanças radicais no que as sociedades democráticas ensinam aos seus jovens, e essas mudanças não têm sido bem pensadas (...) estão a descartar, de forma imprudente, competências indispensáveis para manter viva a democracia. Se essa tendência prosseguir, todos os países estarão produzindo gerações de máquinas lucrativas, em vez de produzirem cidadãos íntegros que possam pensar por si próprios, criticar a tradição e entender o significado dos sofrimentos e das realizações dos outros. É disso que depende o futuro da democracia.
Que mudanças radicais são essas? Tanto no ensino básico e secundário como no ensino superior, as humanidades e as artes estão sendo eliminadas em quase todos os países do mundo. Consideradas pelos administradores públicos com enfeites inúteis para se manterem competitivas no mercado de global, estão perdendo rapidamente o lugar nos currículos e, além disso, nas mentes e nos corações dos pais e dos filhos.De facto, o que poderíamos chamar de aspectos humanistas das ciências e das ciências humanas – o aspecto construtivo e criativo, e a perspectiva de um raciocínio rigoroso – está também a perder terreno, já que os países preferem correr atrás do lucro de curto prazo por meio do aperfeiçoamento das competências lucrativas e extremamente práticas adequadas à geração do lucro.
Embora esta crise esteja diante de nós, ainda não a enfrentamos. Seguimos em frente como se nada tivesse mudado (...) ainda não fizemos uma verdadeira reflexão sobre essas mudanças – na verdade, nós não as escolhemos – e, no entanto, elas limitam cada vez mais o nosso futuro (…) parece que nos estamos esquecendo da alma, do que significa para a mente abrir a alma e ligar a pessoa com o mundo de um modo rico, subtil e complexo; do que significa aproximar-se de outra pessoa como uma alma, em vez de fazê-lo como um simples instrumento útil ou um obstáculo aos seus próprios projetos; do que significa conversar, como alguém que possui alma, com outra pessoa que consideramos igualmente profunda e complexa.
A palavra “alma” (…) significa a capacidade de pensar e de imaginar que nos torna humanos e torna as nossas relações humanas mais ricas, em vez de relações meramente utilitárias e manipuladoras (…) se não aprendermos a enxergar tanto o eu como o outro dessa forma, imaginando em ambos capacidades de pensar e de sentir, a democracia está fadada ao fracasso porque ela se baseia no respeito e na consideração, e estes, por sua vez, se baseiam na capacidade de perceber os outros como seres humanos, não como simples objectos (...).
Com a corrida pela lucratividade no mercado global, arriscamo-nos a perder valores preciosos para o futuro da democracia (…). Não devemos ser contra a ciência de qualidade e a educação técnica (...). A minha preocupação é que outras competências, igualmente decisivas correm o risco de se perder no alvoroço competitivo; competências decisivas para o interior de qualquer democracia e para a criação de uma cultura mundial generosa, capaz de tratar, de maneira construtiva, dos problemas mais prementes do mundo.
Estas competências estão ligadas às humanidades e às artes: a capacidade de pensar criticamente, a capacidade de transcender os compromissos locais e abordar as questões mundiais, como um 'cidadão do mundo'; é, por fim, a capacidade de imaginar, com simpatia, a situação difícil em que o outro se encontra (...).
A educação não acontece somente na escola (…) no entanto, justifica-se o foco nas escolas (...) porque é nestas instituições que as transformações mais perniciosas têm ocorrido, à medida que a pressão pelo crescimento económico leva a mudanças no currículo, no ensino e no financiamento (…).
A educação não é útil apenas para a cidadania. Ela prepara as pessoas para o trabalho e, o que é fundamental, para uma vida que tenha sentido (…). Toda s democracia moderna é também uma sociedade na qual as pessoas diferenciam bastante em função de um grande número de parâmetros, entre eles religião, etnia, riqueza e classe, incapacidade física, género e sexualidade (...). Um modo de avaliar qualquer sistema educativo é perguntar quão bem ele prepara os jovens para viver uma forma de organização social e política [em função d]essas características.
Sem o apoio de cidadãos adequadamente educados, nenhuma democracia consegue permanecer estável (...) a capacidade refinada de raciocinar e reflectir criticamente é crucial para manter as democracias vivas e bem vigilantes (…). E a capacidade de imaginar a experiência do outro – uma capacidade que quase todos os seres humanos possuem de alguma forma – precisa de ser bastante aumentada e aperfeiçoada, se quisermos ter alguma esperança de sustentar instituições decentes que fiquem acima das inúmeras divisões que qualquer sociedade moderna contém.
O interesse nacional de qualquer democracia moderna exige uma economia sólida e uma cultura empresarial próspera (…) esse interesse económico também exige que recorramos às humanidades e às artes a fim de promover um ambiente administrativo responsável e cauteloso e uma cultura de inovação.
Portanto não somos obrigados a escolher entre um modelo de educação que promova o lucro e outro que promova a cidadania. Como uma economia próspera exige as mesmas competências que servem de suporte à cidadania, os defensores do que chamei de «educação para o lucro» ou «educação para o crescimento económico» adoptaram uma concepção pobre do que é necessário para alcançar os seus próprios objectivos.
No entanto, uma vez que a economia sólida é um instrumento para alcançar objectivos humanos, e não um objectivo em si, esse argumento deve estar subordinado ao argumento que diz respeito à estabilidade das instituições democráticas. A maioria de nós não gostaria de viver numa nação próspera que tivesse deixado de ser democrática.
(...) Os educadores que defendem o crescimento económico não se limitam a ignorar as artes: eles têm medo delas. Pois uma percepção refinada e desenvolvida é um inimigo especialmente perigoso da estupidez, e a estupidez moral é necessária para executar programas de desenvolvimento económico que ignoram a desigualdade (…)
Todos os indivíduos possuem uma dignidade humana inalienável que precisa ser respeitada pelas leis e instituições, capacidade de reconhecer os seus concidadãos como pessoas com direitos iguais não obstante as suas diferenças.
Nussbaum, M. (2015). Sem fins lucrativos. Por que a democracia precisa das humanidades. São Paulo: Martins Fontes.1. A crise silenciosa
VENHA ABRIL
A FÍSICA DE PARTÍCULAS ENTRE NÓS
Meu artigo no último «As Artes entre as Letras»:
Os físicos teóricos Gustavo Castelo-Branco e Margarida Nesbitt Rebelo, do IST
- Instituto Superior Técnico, e o físico experimental João Varela, do CERN –
Organização Europeia para a Investigação Nuclear resolveram escrever uma
história da física de partículas no nosso país. É uma história recente cujo
início os autores datam de 1985, quando Portugal, sob o impulso do físico José
Mariano Gago, aderiu ao CERN. A capa do livro – intitulado A Física de
Partículas em Portugal. Origem e desenvolvimento e publicado na colecção
«Ciência Aberta» da Gradiva – mostra uma fotografia do dia chuvoso em Genebra,
na Suíça, onde se situa o CERN, com a bandeira portuguesa hasteada pela
primeira vez. Lá estão os três autores e José Mariano Gago, para além de
Eduardo de Arantes e Oliveira, à data Secretário de Estado da Investigação
Científica, e do alemão Herwig Schopper, então director-geral do CERN. A capa mostra
também o grande detector CMS, onde se descobriu a bosão de Higgs há pouco mais
de dez anos (João Varela foi director-adjunto da colaboração CMS, na qual têm participado
vários portugueses, tal como na colaboração paralela realizada com o detector ATLAS).
O livro fornece, depois de uma introdução, um resumo da história da física
de partículas no mundo, que resultou de avanços na física nuclear (o núcleo foi
descoberto por Ernest Rutherford em 1911), e da situação actual desse ramo da
física, tanto na perspectiva teórica como na perspectiva experimental, uma vez que
as duas têm puxado uma pela outra (por exemplo, o bosão do Higgs foi previsto
no início dos anos de 1960, pelo que demorou mais de quatro décadas a ser encontrado!).
Os dois autores teóricos apresentam o quadro actual das partículas fundamentais
e das suas interacções: existem quatro partículas - os quarks up e down,
o electrão e o neutrino (embora haja mais duas gerações de partículas semelhantes,
a energias mais elevadas e instáveis). E existem quatro forças: a força nuclear
forte (que une os quarks nos protões e neutrões e estes entre si no nucleio
atómico), a força nuclear fraca (responsável pela transformação de um neutrão
num protão), a força electromagnética (responsável pela ligação dos electrões no
núcleo atómico e, em geral, de toda a química) e a força gravitacional (responsável
pela atracção entre os astros). Chegámos a esta visão usando aceleradores de
partículas, nos quais há detetores como o CMS e o ATLAS, mas também usando raios
cósmicos, vindos de explosão de estrelas, com detetores colocados acima da atmosfera.
Partículas e forças estão organizados num quadro, conhecido por «modelo-padrão»:
foram unificadas todas as forças, usando considerações matemáticas de simetria,
excepto a gravitacional. A descoberta do
bosão de Higgs foi a coroa de glória desse modelo, que, no entanto, é
insatisfatório: para além da exclusão da gravidade, há outras questões em aberto.
Por isso o grande acelerador do CERN continua a funcionar: aí protões colidem uns
com os outros à velocidade da luz.
No capítulo 3, «Origem da Física de Partículas em Portugal», os autores retratam
a evolução da física de partículas nacional depois da adesão ao CERN.
Enfatizam, como seria de esperar porque conhecem melhor, o trabalho realizado
no IST à volta do LIP - Laboratório de Física de partículas, e do GTAE - Grupo Teórico
de Altas Energias. Decerto que há uma pré-história da Física de Partículas em Portugal
(Castelo-Branco foi aluno no liceu de Lourenço Marques de José Luís Rodrigues Martins,
que tinha feito uma tese doutoral sobre física de partículas na Universidade de
Coimbra em 1945, sob a orientação do austríaco Guido Beck, refugiado de guerra)
e que há outras instituições, como a Universidade de Coimbra, que também
contribuíram para o esforço nacional na compreensão do mundo muito pequeno. Mas
o depoimento agora dado pelos físicos de Lisboa é utilíssimo sobre o trabalho
na área nas últimas décadas. Os protagonistas
directos são vozes indispensáveis para mostrar como foi e é a construção da
ciência. Segue-se um capítulo sobre o
futuro da física de partículas, onde surgem as questões do modelo-padrão e os
planos para novos aceleradores. O assunto é de grande actualidade: desde que
foi descoberto o Higgs, o CERN ainda não conseguiu revelar partículas novas ou
quaisquer outros fenómenos que nos indiquem como poderemos ir além do modelo actual.
A parte que me prendeu mais do livro foi o capítulo final, intitulado «Vidas
de físicos: notas autobiográficas», no qual os autores apresentam breves autobiografias.
Sugiro ao leitor que comece por aí… São documentos
com o seu lado objectivo, contendo relatos factuais, mas também com o seu lado
subjectivo, contendo as impressões sobre a sua vida em vários países ao longo
dos seus bem-sucedidos percursos de aprendizagem. Castelo-Branco esteve nos Estados
Unidos e na Alemanha antes de ficar professor no IST, Nesbitt Rebelo esteve
também nos Estados Unidos e ainda na Espanha e na Áustria. E Varela teve
formação em França e na Suíça antes de se fixar no CERN, mantendo sempre a ligação
com o seu país natal. Na comunicação de ciência tem faltado a transmissão do
modo como se aprende e faz ciência ao mais alto nível, o que é tão interessante
como os resultados da ciência. O livro é completado por notas, índice onomástico,
apêndice, referências e figuras.
É uma obra essencial para quem queira saber como foi a construção da ciência em Portugal no último quartel do século XX e no primeiro deste século. A investigação científica «explodiu» em Portugal nesse período, sendo a física de partículas um dos domínios em que Portugal se internacionalizou fortemente, entrando em laboratórios mundiais. Outros cientistas portugueses, praticantes de outros ramos, podiam pensar em fazer exercícios semelhantes ao que agora fizeram, de forma pioneira, estes três físicos portugueses…
EINSTEIN EM VIAGEM
Fez no dia 21 de Março precisamente cem anos que terminou, com o regresso
de comboio de Zurique para Berlim, a mais longa das viagens de Albert Einstein.
Ele tinha partido de Zurique a 6 de Outubro de 1922 para embarcar em Marselha
no navio japonês S.S. Kitano Maru. Percorreu o Mediterrâneo, até Porto Said, no Egipto, à entrada do Canal
de Suez, que atravessou. Navegou depois pelo
Índico parando em Colombo (Sri Lanka), Singapura e Hong Kong, para depois aportar
a Xangai, na China, e, finalmente, a Kobe, no Japão. Foi na escala em Xangai
que soube, por telegrama, da atribuição do Prémio Nobel da Física de 1921 pela
sua explicação do efeito fotoeléctrico, que contribuiu para o desabrochar da
teoria quântica, e não pela teoria da relatividade, à qual o filósofo francês
Henry Bergson se opunha. Passou mês e
meio no País do Sol Nascente a dar palestras científicas e a fazer turismo. No regresso
visitou a Palestina durante doze dias (foi a Jerusalém e a Telavive) e Espanhadurante
três semanas (foi a Barcelona, Madrid e Saragoça). Einstein estava então no auge
da sua carreira: a teoria da
relatividade geral de 1915 tinha sido confirmada com as observações de equipas
inglesas de um eclipse solar na ilha do Príncipe e no Ceará (Brasil) em 1919. No
Japão, o público encheu anfiteatros para ouvir as suas prelecções, feitas em alemão,
sem que a maioria percebesse o mínimo que fosse. Na estação de comboio de Tóquio
uma multidão reuniu-se para o saudar, tal e qual faria a uma estrela pop
nos dias de hoje. Por vezes admira-se mais o que não se compreende, haveria de notar
Charlie Chaplin quando se encontrou com Einstein aos Estados Unidos em 1931 («o
mundo admira-o sem entender uma palavra do que diz»).
Acabam de sair do prelo da Gradiva os Diários de Viagem de Albert
Einstein. Extremo Oriente, Palestina e Espanha 1922-1923, com edição
de Ze’ev Rosenkranz, judeu tal como Einstein. O sábio, nascido em 1879 em Ulm, na Alemanha,
era um judeu laico, pois nunca entrou numa sinagoga para rezar (de facto, nunca
se sentiu alemão, tendo adquirido a nacionalidade suíça). A obra contém a reprodução
em fac-símile do manuscrito escrito pelo físico e a tradução portuguesa, feita por
mim, a partir da versão inglesa, cotejando com o original alemão. Aos Diários,
que Einstein nunca pensou publicar, acresce uma extensa introdução do editor, alguns
documentos da época complementares, uma cronologia e um pormenorizado corpo de
notas. No seu conjunto, é um livro notável,
pois revela um cientista muito humano, sempre atento ao mundo à sua volta, quer
este fosse natural quer humano. Einstein sentiu-se muito bem no Japão, tendo
gostado da paisagem e dos seus habitantes: diz palavras muito amáveis sobre os japoneses,
em contraste com o que diz dos chineses. Foi recebido como um cientista alemão,
pois ele era afinal professor da Universidade de Berlim. Os seus colegas japoneses
estavam ávidos de aprender a nova física, então em franco desenvolvimento no
Ocidente, e o convite chegou através de uma editora japonesa. Já nessa altura o
Japão era uma espécie de Alemanha do Oriente, pois tinha uma grande cultura organizacional,
que decerto ajuda a explicar o «milagre japonês» após a guerra. Em
contrapartida, Einstein revela-se muito interessado pela cultura japonesa:
aprecia as artes, embora experimente alguma dificuldade com a música.
O físico, que viajou com a sua segunda esposa, Elsa (à primeira, Mileva, ele
tinha prometido, como compensação do divórcio, o dinheiro do na altura
hipotético Nobel). A bordo do navio trabalha numa teoria de unificação da
gravidade do electromagnetismo, que nunca concluiu. Numa carta escrita em Singapura
a 19 de Janeiro de 1923 dirige-se assim ao dinamarquês Niels Bohr, com quem haveria
de ter uma discussão amigável sobre a natureza da teoria quântica em 1927: «Querido,
ou melhor, amado Bohr! (…) o meu amor pela sua mente cresceu ainda mais. (…) A
viagem é esplêndida. Estou encantado com o Japão e com os japoneses e tenho a
certeza de que também ficaria. Além do mais, uma viagem marítima como esta é
uma magnífica experiência como um pensador - tal como um mosteiro. Acresce o
calor acariciante perto do equador»
Na Palestina, Einstein visitou várias colónias judaicas, que estavam a
transformar o deserto em solo arável. Einstein queria ajudar no esforço sionista, em
particular na criação da Universidade Hebraica de Jerusalém, à qual haveria de
deixar o seu espólio.
Em Espanha, foi recebido com pompa e circunstância pela Real Academia das Ciências
e pelo rei. Achou os discursos
gongóricos. Foi três vezes visitar o Museu do Prado. Num passeio a Toledo ficou
deslumbrado pela pintura «Enterro do Conde de Orgaz», de El Greco: «está entre
as imagens mais profundas que já vi em toda a minha vida.»
Nestes Diários Einstein revela o seu carácter humanista quando vê os miseráveis puxadores de riquexós nas ruas de Colombo e os pobres chineses que trabalhavam duramente em Hong Kong, mas diz cobras e lagartos dos mercadores árabes que o assediam à chegada a Porto Said e, pior que tudo, afirma não descortinar a razão da atracção dos chineses pelas chinesas. Alguns trechos são polémicos, designadamente certas afirmações de Einstein, que, nos dias de hoje, podem ser consideradas racistas.
Dá a
entender que há povos com menos aptidões do que outros em certos domínios (professores
portugueses que encontra em Colombo disseram-lhe que os chineses são incapazes
de raciocínios lógicos). Fora da Europa, Einstein descobriu a sua identidade
europeia, tal como Natália Correia, que, quando foi pela primeira vez à América,
descobriu que era europeia. Com a fascinante escrita de Einstein viajamos com
ele ao mundo dos anos de 1920, mas convém fazer um esforço para ver o autor com
os olhos da época.
A viagens seguinte de Einstein seria, em 1925, desde a Alemanha até ao Uruguai, à Argentina e ao Brasil, passando incógnito por Lisboa. Foi na capital portuguesa que ele ficou impressionado pelas varinas que fotografou: «Vendedora de peixe fotografada com um cesto de peixe na cabeça, gesto orgulhoso, maroto.» Os diários de viagem de Einstein à América do Sul já foram publicados em inglês. Oxalá um dia os possamos ler em português.
NOVIDADES DA GRADIVA ABRIL 2013
Já disponível: "A Arte de Argumentar", de Anthony Weston. De €15,00 por €13,50.
segunda-feira, 24 de abril de 2023
VIVER COM UM SÓ LIVRO
sábado, 22 de abril de 2023
VALE A PENA FAZER UM SONETO?
DE QUE POESIA SE GOSTA? QUE POESIA SE ADMIRA?
quinta-feira, 20 de abril de 2023
O CÉU E O INFERNO EUROPEUS
ENSINAR COM SERIEDADE
quarta-feira, 19 de abril de 2023
A INESQUECIDA COMPANHEIRA
num restaurante grego, afastado,
terça-feira, 18 de abril de 2023
QUARENTA E DUAS PLATAFORMAS ou A VIDA ESCOLAR PLATAFORMIZADA
Sumários eletrónicos, portarias, horários, reuniões com colegas e com direções, com pais e com alunos, tudo passa pelo ecrã. Temos o GIAE, o SIGAE/ IGA; ele há o site da DGE, o Extranet e o IAVE; ele é o MEGA (manuais escolares) e o portal dos Recursos Humanos; temos o DGEST/Recorra e o DocGest; não faltam o SIIESTE (edifícios escolares) e o SISE (Segurança Social); e para assuntos relacionados com o acompanhamento psicológico dos alunos, vamos ao Psicólogos POCH e para matricular os estudantes vamos ao Portal das Matrículas; para compras públicas o VORTAL e, se ainda se lembram de bibliotecas, temos o SIRBE...
Enfim, a lista é longa, o tempo para ensinar, de facto, é pouco.Concordo por inteiro. De resto, seria difícil não concordar. O tempo na escola, para professores e alunos, deveria ser, para ensinar e para aprender, no contexto da relação pedagógica ou fora dela, individual e/ou colegialmente. Mas não é assim que acontece, o tempo tem sido aprisionado pela burocratização e pela plataformização, que se associam para perturbar e controlar o trabalho escolar.
- Cortez, A. C. (2023). O digital no ensino: uma fábrica de cretinos. Público, 16 Abril (ver aqui).
- Fernandes, P. & Leite, C. (Coord.) (2022). A utilização das plataformas e tecnologias digitais em escolas/ agrupamentos de escolas: contributos para reflexão. Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. ISBN 978-989-8471-45-1
- Lima, L. (2021). Máquinas de administrar a educação. Dominação digital e burocratização aumentada. Educação e Sociedade. Campinas, v. 42, e249276.
domingo, 16 de abril de 2023
HOJE, AMANHÃ
O que hoje está aqui, tão vivo
recordar-se-á, depois, num divã,
suave tesouro, já mal cativo.
Hoje, é tudo cheio de luz bem clara,
iluminando todos os recantos.
O hoje está cheio de vida rara,
onde tudo são vibrantes espantos!
Amanhã, um suave apagar
irá colocar um mui fino véu,
no que hoje está a fulgurar.
Amanhã, já será um novo céu,
a cobrir uma outra realidade
e os sortilégios de nova cidade!
quinta-feira, 13 de abril de 2023
O ESFINGE-GORDA OU A TRAGÉDIA DE FICARMOS AQUÉM
quarta-feira, 12 de abril de 2023
É o cardume que se refaz
É o cardume que se refaz
E
volta a cruzar o desejo,
Com
esse lume e essa paz
Que
o sal traz na água de um beijo.
terça-feira, 11 de abril de 2023
SONETO DE ESCÁRNIO E MALDIZER
segunda-feira, 10 de abril de 2023
Só posso na lágrima encontrar
Só posso na lágrima encontrar
A luz distante do teu olhar.
E o sol, o sol fulgurante,
Como se estivesse a chorar.
A DUVIDOSA MORTALIDADE DOS GATOS
é uma grande falha do universo.
Se os gatos são os mais belos animais,
serem mortais é muito controverso!
O que foi que criou o universo
é possível que fosse omnipotente,
mas, ou era totalmente perverso,
ou nada tinha de omnisciente.
Conceber um gato que é mortal
é como dizer ao sol que se apague!
A perfeição do gato é imortal,
não sendo, mesmo nada, uma blague.
Dizer que o gato não é imortal
é chamar ao Papa anticlerical!
Eugénio Lisboa
sábado, 8 de abril de 2023
A Faca
Descoberto por Peter Jacob Hjelm, em 1778, o molibdênio, metal prateado, tem um ponto de fusão altíssimo, de 2622 ºC, e baixa volatilidade; não reage com o oxigénio nem com ácidos fracos, sendo usado em ligas metálicas; para além disto, é estável a altas temperaturas e tem uma dureza de 5,5 na Escala de Mohs.
O aço inoxidável é uma liga metálica constituída por ferro e cromo (este último, à semelhança do molibdênio, não reage com o oxigénio, pertencendo, ambos os elementos químicos, aos metais de transição e ao sexto grupo da tabela periódica). A estrutura do aço inoxidável pode também conter níquel (até 30%) e estar dopada com molibdênio (0-2%) que lhe confere uma maior dureza e uma resistência à tração maior (é mais difícil quebrá-lo).
Usado no fabrico de facas,
o aço inoxidável foi inventado em 1913 por Harry Brearley. Pouco tempo depois,
o poeta húngaro, Attila József, escreveu, sobre o facto de, para os seus
conterrâneos, a poesia e uma faca se assemelharem, o seguinte:
Quando
nasci tinha uma faca na mão.
Dizem:
é poesia.
Mas
peguei na pena, melhor ainda que a faca.
Nasci
para ser homem.
Quem também nasceu para
ser homem e poeta foi João Luís Barreto Guimarães. No ano passado, foi-lhe atribuído
o Prémio Pessoa. No último livro, que editou em 2020, Movimento, podemos
ler este poema que contém instruções para o manuseio de facas de aço inoxidável:
A Faca
Lave
e seque
a
faca
quando
a usar pela primeira vez. A faca deve
ser
lavada e enxaguada
à
mão. A faca fica inutilizada se
for
lavada
à
máquina. Limpe muito bem a faca após
cada
utilização. Esse cuidado previne
a
propagação de bactérias. O aço de molibdeno
(de
que é feita a faca) mantém-se
mais
tempo afiado do que
o
aço
normal.
Não use amoladores de faca em
aço
inoxidável. Evite cortar alimentos (se
duros
ou congelados) porque isso pode fazer com
que
a faca se parta. Ao dividir alimentos (num
plano
horizontal) vá oscilando
a
faca (em
movimentos
contidos) sobre a
tábua
de madeira. Guarde muito bem a faca longe
do
uso indevido. Não saia de casa
com
a faca. Não a leve para o trabalho.
Não
mate o seu chefe
Com
a faca.
Assim, devemos nós,
homens, seguir à risca as instruções do poeta, e, nas nossas deambulações, no
asco e angústias, não nos lembrarmos nunca de uma faca, nem sequer em
pensamentos, como Mário Sá- Carneiro: Tenho impressão de ter em casa a faca...
P.S: Santa Páscoa
sexta-feira, 7 de abril de 2023
“Cenários” para a educação global
quinta-feira, 6 de abril de 2023
Só o amor receia
I)
Só o amor receia
Um fio de água!
II)
Numa aplicação,
para conhecer árvores e flores,
Talvez
um salgueiro não seja bem um loendro
Ou pode
estar por aí por detrás de um loendro.
Pelo
menos um dente-de-leão é um dente-
-de-leão.
ainda assim, nunca descures o tempo.
quarta-feira, 5 de abril de 2023
MANUAL DO CALCULISTA
terça-feira, 4 de abril de 2023
ARTE POÉTICA
Às vezes até parece que não.
Dizem que tem pouquíssimo siso
o poeta que se julga artesão.
Porque isso de se ter oficina,
dizem os poetas mais deslaçados,
é fazer ofício de concubina,
com uso de artifícios estafados.
A boa arte é mesmo não ter arte,
mandar bugiar a boa retórica,
que não passa de pífio bacamarte.
é que usa de engenho e arte,
que apenas servem pra causar enfarte!
Eugénio Lisboa
segunda-feira, 3 de abril de 2023
O que se seguirá? O que restará?
Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião
O boneco que se segue apareceu na internet e por aí circula... É uma boa piada!Toca o percurso do (já antigo) movimento do "politicamente correcto", da sua circulação (sem se limitar aos países anglófonos) e agudização. E também como está a tomar conta da arte, da literatura, da história... O que se seguirá? O que restará?
domingo, 2 de abril de 2023
O VENENO DA PRIMAVERA
que o mundo se iluminou de novo!
Parece-nos, então, que nós chegamos
a algo belo e cheio como um ovo.
Teríamos sido nós a criá-lo?
Terá saído de dentro de nós?
Teremos inventado esse regalo?
Teremos sido nós a dar-lhe voz?
O fulgor da primavera é demais,
pra que seja possível acolhê-la!
Por mais que a sintamos, ela sobra,
arrasando com feitiços fatais.
A vida, chega-se, então, a perdê-la,
com este fino veneno de cobra!
Envolvimento dos alunos na escola
sábado, 1 de abril de 2023
QUESTIONAR O ÓBVIO
És um homem inteiro, sem medo
Diz aquilo que o fogo hesita a dizer,
Sol do ar, claridade que ousa,
E morre porque o disseste por todos.
René Char
És
um homem inteiro, sem medo,
Quando retornas ao chão da infância,
Ao
caminho sinuoso, à ervosa brancura,
Às
poças de gelo e de água,
Ao recreio emurchecido, à luz dura
De um seixo e ao cheiro de uma frágua.
És
um homem inteiro, sem medo
De
arrastar as mãos nos limos,
De
pelejar, só com o coração,
Contra o ardil ou a ignorância.
Contra
o vento que obra a lágrima.
Contra
a metáfora do comboio em andamento.
Contra
a inércia
De
falar muito e não dizer nada.
Contra
a verborreia que liquefaz o pensamento,
Rasga a frescura do silêncio
E agrava o astigmatismo.
És
um homem inteiro, sem medo
De
riscar o fundo,
De
deixar a cristalização
Explicar-se,
evaporando-se o solvente no escuro.
De
levar com a areia negra no rosto
E
ser atraído para um canto da Terra noturno.
Quando
retornas ao chão da infância,
És um homem inteiro,
Sem medo
De se arrastar nos limos
E de quem quer quebrar-te a canção,
Assenhorar-se, com exagero,
Sem
moral e amor, de um dia de abril.
Sem medo de quem te quer sem futuro,
Sem a força das mãos, fadadas a quebrar
O chão hexagonal até ao abismo.
O corpo e a mente
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