sexta-feira, 31 de março de 2023

BALANÇO SEVERO

Tanto tempo que, na vida, perdemos.
Tantos gestos lindos que não fizemos.
Tanta boa dádiva que não demos.
Tanto que quisemos e não quisemos.

Tanta desatenção, tanto não ver.
Tanta luz que ficou por acender.
Tanto que morreu antes de nascer.
Tanto fogo que ficou por arder.

Tanta vida sempre tão mal vivida.
Tanta ardência, mas sempre mal ardida.
Tanta esperança tão mal cumprida.

Tanta coisa que tanto se sonhou.
Tanto que se perdeu e não achou
ou, antes de começar, acabou. 

Eugénio Lisboa

O PODER DA EDUCAÇÃO FACE À IMPOSIÇÃO DE TECNOLOGIAS QUE NÃO BENEFICIAM A HUMANIDADE

Em Janeiro de 2015, algumas dezenas de grandes nomes ligados à inteligência artificial (IA) apresentavam ao mundo, depois de um longo trabalho de bastidores, uma carta aberta na qual faziam sobressair a necessidade de se estudarem as consequências sociais desta tecnologia: podendo trazer grandes benefícios à humanidade poderia também trazer malefícios incalculáveis. 


Algures na nossa memória terá ficado a sombra de uma ameaça, talvez mais ameaçadora do que aquela que se colou ao nuclear e que o físico Stephen Hawking, na voz que a tecnologia lhe proporcionou, tão bem enunciou: a IA tem o poder para acabar com a própria humanidade, não por morte física, mas por a destituir de sentido, por permitir que o ser humano desinvista de si mesmo, abandonando-se como coisa sem préstimo.

O contexto de trabalho que conduziu à carta foi o Future of Life Institute, que se dedica a estudar como a tecnologia pode beneficiar a vida em vez de a colocar em risco. Uma das suas funções é informar, de modo objectivo, políticos e sociedade em geral, para que possam tomar decisões conscientes. O mote que fixou é que os seres humanos não podem perder o controlo das tecnologias e que esse controlo deve nortear-se pela ética.

Como bem sabemos, tal princípio pouca capacidade tem para deter uma ideia, que se saiba, de antemão, rentável e/ou com potencial para exercer controlo. Nestes casos, a ética mais não é do que um empecilho, talvez nem isso. E, assim, chegámos à versão mais recente do famoso ChatGPT, que nos alicia a entrar num mundo esplêndido, onde não precisamos de pensar nem de fazer, pois a máquina executa isso por nós. Falo de tarefas exigentes sob o ponto de vista intelectual, aquelas que requerem anos e anos de aprendizagem, com tudo o que isso implica, aquelas que sempre supusemos derivarem da "essência humana", seja ela designada por alma, espírito, mente... Escrever um artigo ou um livro, fazer um poema ou desenhar uma flor.

O mencionado Instituto, na sua linha de missão, publicitou agora uma nova carta aberta onde se pergunta, muito directamente: podendo o ser humano fabricar "mentes" não-humanas, que abrem a possibilidade de o tornar obsoleto e substituí-lo, deve fazê-lo? Como se percebe, a questão não é de ordem técnica, mas de ordem ética. 

A carta foi assinada por quase dois milhares de pessoas com o mesmo perfil das que assinaram a anterior. Nela se pede, sobretudo às empresas de tecnologias que suspendam por um período de seis meses os ensaios que estão a fazer dos mais recentes sistemas de IA. Isto para que o mundo possa pensar nos riscos que acarretam para todos nós, para a humanidade.


Li a carta e diversas notícias sobre a mesma, mas deixo aqui o excelente artigo de Hugo Séneca, saído no jornal Expresso e que a seguir identifico.

O jornalista dá destaque à contribuição de um dos seus signatários, Luíz Moniz Pereira, que trabalha há meio século em IA. Segundo este professor emérito da Universidade Nova de Lisboa é de pôr a hipótese: "quando vemos as consequências já é tarde de mais para fazer algo". Parece-me uma hipótese razoável, mas, como se adivinha, não consensual. O jornalista ouviu investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que consideram a referida suspensão inviável: os mecanismos estão em franca evolução, já chegaram ao comum dos mortais e estes não parecem estar especialmente incomodados com as distopias que já fazem parte do normal.

Julgo, a partir do que tenho observado, que isto é verdade: entre a curiosidade e o deslumbramento parece não existir espaço para a óbvia interrogação que a carta regista. Talvez quando percebermos as consequências nefastas da IA (que as há) seja demasiado tarde para reencontrarmos a nossa humanidade; talvez na corrida sem paragens, a que assistimos mais ou menos impávidos, não demos conta dessas consequências por seremos já algo de diferente do que julgamos ser...

Uma coisa é certa: o futuro está nas nossas mãos, nas mãos de todos e não apenas daqueles que, por dominarem as tecnologias e os lucros que elas proporcionam para uns poucos, se respaldam no argumento de que qualquer tecnologia sempre trouxe benefícios e malefícios. Nada de novo, nada a fazer, os riscos são inevitáveis.

Chegámos a um ponto em que precisamos de exigir que as tecnologias, desde as mais rudimentares às mais sofisticadas, só terão pertinência, só deverão ter lugar no mundo se concorrerem para o bem comum, para uma existência digna. E isso cabe à educação, muito particularmente à educação escolar. 

Aposto muito, aposto quase tudo, na sensibilidade, saber e responsabilidade de directores, professores, educadores para passarem às gerações seguintes o testemunho (possível) do que fomos, do que somos e do que poderemos ser, mantendo-nos simplesmente... humanos. Sim, com tudo o que de bom e de mau, de forte e de fraco a condição humana encerra, mas na esperança, sempre na esperança, de que poderemos torná-la um pouco melhor.

quinta-feira, 30 de março de 2023

ELOGIO DO PERGUNTAR

Descobrir o princípio de Arquimedes
é fácil: basta saber estranhar.
Se, à curiosidade, tu cedes,
não hás de hesitar em perguntar.

Perguntar é o começo de tudo.
O que pergunta quer sempre resposta
e o universo não fica mudo
a quem, na curiosidade, aposta.

Todos os cientistas perguntaram,
todos os filósofos o fizeram:
todos, com paciência, aguardaram

até que, dos segredos, dispuseram!
Perguntar é dar saber ao futuro,
porque é deitar abaixo um muro.

Eugénio de Almeida

A COMUNICAÇÃO SOCIAL E NÓS

Por A. Galopim de Carvalho

Por motivos sempre relacionados com a defesa e salvaguarda do nosso património geológico e paleontológico, na década de 90 do século passado, convivi, menos ou mais próxima e demoradamente, com dezenas de jornalistas dos principiantes e esforçados estagiários, “paus para toda a obra”, a mando das redacções, aos experientes e respeitados seniores, mais autónomos, mas, também eles, muitas vezes, no cumprimento de orientações vindas de cima.

Vivia-se um tempo em que os dinossáurios estavam na ordem do dia. Lutava-se pela valorização e salvaguarda da jazida com pegadas de Pego Longo (Carenque) e pela construção do Túnel da CREL, descobria-se a grande jazida com pegadas de dinossáurios da Pedreira do Galinha, de Ourém-Torres Novas, lutava-se e conseguia-se classificar como Monumentos Naturais estas e as do Avelino, Lagosteiros e Pedra da Mua. Foi o tempo das grandes exposições de dinossáurios robotizados e dos grandes esqueletos oriundos da China e outras mostras (uma dezena) no Museu Nacional de História Natural (era eu o director), com centenas de milhar de visitantes vindos de todo o País. Foi ainda o tempo do Jurassic Park, de Steven Spielberg, em exibições ao longo de meses de Norte a Sul de Portugal e das Ilhas.

Neste quadro, foi a Comunicação Social, de sua iniciativa, a bater-nos à porta. Convivemos, muito e bem, não só com jornalistas, mas também com apresentadores, entrevistadores, produtores e realizadores da Rádio e da Televisão. 

Elementos importantes na vida democrática, são, todos eles, detentores de um real poder na sociedade. Poder que eles sabem que têm, sabem usar e usam, de facto. Poder que também todos lhes reconhecemos e a quem recorremos, quando deles precisamos, muitas das vezes, em vão. De há muito que se lhes chama o 4.º Poder. Como é natural, no desempenho do seu trabalho, estes homens e estas mulheres recorrem ao cidadão, qualquer que seja a sua posição ou importância no tecido social, sempre que isso lhes interessa profissionalmente. E fazem-no, sem qualquer dificuldade, tantas vezes quantas forem precisas. É esse o seu trabalho. 

Têm artes de conhecer o seu (dele) número de telefone e não pedem licença para telefonar, sendo que a inversa já dificilmente se verifica. Sempre que nós, cidadãos, conseguimos aceder-lhes, na perspectiva ou na esperança de obter a sua ajuda numa dada situação, só a conseguiremos se isso for do seu interesse profissional (o que é humano e compreensível) do da redacção, da produção ou da tutela, o que tem a ver com aspectos de oportunidade, do foro económico e/ou político, o que também tem a sua justificação.

Um qualquer cidadão que, ao longo da vida, tenha estado ou esteja no centro de acontecimentos de inegável interesse mediático, entrou e entra em convívio fácil, sempre simpático, amistoso e aprazível, com dezenas de profissionais da Rádio, da Televisão e dos Jornais. Viveu e continua a viver, com isso, momentos entusiasmantes e de plena satisfação. Nestes convívios, ele deu e dá o seu melhor. Foi e é, por assim dizer, um voluntário. Para os ditos profissionais, isto é, quase sempre e apenas, trabalho, o que é normal e, quanto a isto, nada há a dizer.

Nestes convívios, o cidadão escancara-lhes portas e janelas. Permite, com toda a simplicidade e alegria, que lhe invadam e revolvam o seu mundo. Fica feliz com a atenção, a simpatia e a aparente amizade com que estes o tratam e, ingenuamente, acredita ter feito amigos que o ajudarão quando precisar. Mas engana-se redondamente. Muitos deles ficam na sua vida, alguns no coração, mas, via de regra, a inversa não se verifica, o que é natural.

Esses homens e essas mulheres estão, pura e simplesmente, a fazer o seu trabalho. Eles e elas sabem, por experiência e por regra, que o seu labor é tanto mais facilitado quanto maior for a simpatia e o sentimento de afecto que consigam inspirar no dito cidadão. Repito, eles e elas estão, pura e simplesmente, a fazer o seu trabalho e são tanto melhores profissionais, quanto mais rigorosos forem. E é isso que se lhes exige. Ponto final. Findo esse trabalho, já têm outro à espreita, na hora ou no dia seguintes, que lhes pede toda a atenção e profissionalismo. 

O anterior trabalho já passou e deu lugar a outro. É e será sempre assim, todos os dias…

A. Galopim de Carvalho

Será isto água a correr

Será isto água a correr,

Ó rosto tão triste?!

Ou a luz do entardecer

Nos juncais em riste.

quarta-feira, 29 de março de 2023

OMNIS GLORIA LABILIS EST

Tanto cálculo, por causa da glória,
tanto gesto – e tão deselegante! –
para algo que não terá história
e é mais carvão do que diamante!

Que cegueira, trocar a amizade
pela glória vã, que tanto engana!
Ó cegueira, ó estúpida vaidade,
não chegarás nunca à Taprobana!

Tentar, à força, a ilusiva glória
e, com esse alvo, pisar toda a folha,
dá a mais enganadora vitória

a quem, enviesadamente, olha!
Não perceber quão tudo dura pouco,
neste mundo arbitrário e louco!

Eugénio Lisboa 

terça-feira, 28 de março de 2023

Nunca esquecerei o menino

Nunca esquecerei o menino,

A biografia de Adolf Hitler,

E a indagação: - O que pensa?

Siderado, permaneci em mutismo.

Depois, pensei no silêncio,

Na minha sepultura,

Nos caminhos de ferro de Linz,

E na meninice de alguém

Que nunca fora à sua procura.



A Lei da Gravitação como Exemplo de Uma Lei Física

Extracto de «O que é uma Lei Física?», recente reedição da Gradiva, tradução e prefácio de Carlos Fiolhais  (sem notas nem figuras):

«É estranho que, nas raras ocasiões em que me pedem para tocar bongo em público, o apresentador nunca ache necessário referir que também trabalho em física teórica. Penso que, provavelmente, a razão se deve ao facto de respeitarmos mais as artes do que as ciências. Os artistas do Renascimento diziam que a preocupação central do homem devia ser o homem. Existem, contudo, outras coisas interessantes no mundo. Os próprios artistas apreciam o pôr do Sol, as ondas do mar e o movimento das estrelas nos céus. Há, portanto, boas razões para falar, por vezes, de outras coisas. Basta contemplá‑las para sentir um certo prazer estético. Mas existe também um ritmo e um padrão nos fenómenos naturais que não é evidente para toda a gente, mas apenas aos olhos do cientista: a estes ritmos e a estes padrões chamamos «leis físicas». Pretendo discutir nesta série de palestras as características gerais das leis físicas, colocando‑me num nível mais geral do que o estudo das próprias leis. De facto, vou considerar a Natureza em resultado de uma análise pormenorizada, mas desejo analisar principalmente os seus aspectos mais gerais. 

Contudo, um tema tão geral tende a tornar‑se demasia‑ do filosófico. Para se ser considerado um filósofo profundo é necessário tão‑só dizer generalidades compreensíveis por toda a gente. Gostaria de ser bastante específico e de ser compreendido de uma maneira honesta, e não de uma maneira vaga. Assim, nesta primeira palestra vou tentar apresentar, em vez de generalidades, um exemplo de uma lei física, de modo a que fiquem com um exemplo, pelo menos, das coisas sobre as quais vou falar em geral. Posso voltar mais tarde a utilizar este exemplo para descer ao pormenor ou para tornar mais concreto algo que de outro modo permaneceria demasiado abstracto. Como exemplo particular de uma lei física escolhi a teoria da gravitação, isto é, dos fenómenos da gravidade. Não sei por que razão fiz esta escolha. De facto, tratou‑se de uma das primeiras grandes leis a serem descobertas e tem uma história interessante. Podem dizer‑me: «Sim, mas então trata‑se de algo antiquado. Preferia aprender alguma coisa da ciência mais moderna.» Ciência mais recente talvez, mas não mais moderna. A ciência moderna segue exactamente a mesma tradição da descoberta da lei da gravitação. Poderia falar apenas de
descobertas mais recentes. Não me sinto, porém, mal a discutir a lei da gravitação, porque, ao descrever a sua história e os seus métodos, o modo como foi descoberta, a sua essência, estou a ser totalmente moderno. 

Esta lei tem sido considerada «a maior generalização alcançada pela mente humana». Podem adivinhar já, a partir da minha introdução, que estou mais interessado na maravilha de uma Natureza que obedece a uma lei tão elegante e simples do que propriamente na mente humana. Deste modo, preocupar‑me‑ei, não tanto com o facto de sermos tão inteligentes para a termos descoberto, mas  mais com a inteligência que a Natureza tem de possuir para lhe obedecer. 

A lei da gravitação afirma que dois corpos exercem um sobre o outro uma força que é inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles e directamente proporcional ao produto das suas massas. Matematicamente, podemos traduzir essa grande lei pela seguinte fórmula:

 F = G m m' / r^2 

A força é igual a uma determinada constante multiplicada pelo produto das duas massas e dividida pelo quadrado da distância. Se acrescentar agora que um corpo responde a uma dada força acelerando, ou melhor, que a taxa de variação da velocidade é directamente proporcional à força e inversamente proporcional à massa (a velocidade variará tanto mais quanto menor for a massa), então disse tudo o que é preciso dizer sobre a lei da gravitação. O resto é uma consequência matemática destas duas coisas. Sei, no entanto, que as pessoas que não dominam a matemática não conseguem descortinar imediatamente todas as consequências destas duas afirmações. Por isso, quero contar‑lhes sucintamente a história dessa descoberta, quais são algumas das suas consequências, qual foi o seu efeito na história da ciência, que mistérios essa lei encerra, que aperfeiçoamentos Eins‑ tein lhe introduziu e qual a relação dessa lei com outras leis da física. 

A história é, resumidamente, a seguinte: os antigos começaram por observar o movimento aparente dos planetas no céu e concluíram que todos, incluindo a Terra, giravam à volta do Sol. Esta descoberta foi mais tarde efectuada independentemente por Copérnico, depois de as pessoas a terem já esquecido. A questão que então surgiu foi esta: como é exactamente o movimento dos planetas em torno do Sol, isto é, qual é o seu tipo de órbita? Será que se movem ao longo de uma circunferência com o centro no Sol ou ao longo de uma outra curva qualquer? Qual é a sua velocidade? Etc. As respostas a estas perguntas não foram imediatas. Depois de Copérnico houve grandes discussões sobre se, de facto, os planetas, incluindo a Terra, andavam à volta do Sol ou se era a Terra o centro do Universo, etc. Nessa altura, um sujeito chamado Tycho Brahe arranjou uma maneira de responder à questão. Pensou que talvez fosse boa ideia observar o céu com muita atenção e registar as posições exactas dos planetas. Talvez assim as teorias concorrentes pudessem ser comparadas. É esta a chave da ciência moderna. Foi este o início da verdadeira compreensão da Natureza — da ideia de observar as coisas, registar os pormenores e esperar que, com base na informação as‑ sim recolhida, seja possível uma decisão em favor de uma ou de outra interpretação teórica. Assim, Tycho, que era rico e possuía uma ilha perto de Copenhaga, instalou nessa ilha grandes círculos metálicos e observatórios especiais, tendo registado, noite após noite, as posições dos planetas. Só por meio de um trabalho árduo como este podemos descobrir qualquer coisa. 

Esses dados foram todos reunidos, tendo ido parar às mãos de Kepler, que tentou analisar o tipo de movimento dos planetas em torno do Sol por um método de tentativa e erro. A certa altura, julgou que tinha sido bem‑sucedido; pensou que os planetas descreviam órbitas circulares centradas no Sol. Mais tarde, Kepler reparou que um planeta, creio que Marte, estava deslocado de oito minutos de arco e pensou que Tycho Brahe não podia ter efectuado um erro desse tamanho e que a conclusão encontrada não devia estar certa. Assim, em virtude da grande precisão das experiências, foi capaz de avançar com uma nova tentativa, tendo acabado por descobrir três coisas. Em primeiro lugar, descobriu que os planetas se moviam em elipses à volta do Sol, ocupando o Sol um dos focos. Uma elipse é uma curva que todos os artistas conhecem, pois trata‑se de um círculo alongado. As crianças também a conhecem, já que lhes foi ensinado que, se colocarem um anel numa corda, com as duas pontas fixas, um lápis metido no anel permitirá desenhar uma elipse (fig. 1). 

Os pontos A e B são os focos. A órbita de um planeta em torno do Sol é uma elipse com o Sol num dos focos. Pode‑se perguntar em seguida: como é que o planeta se move ao longo da elipse? Anda mais depressa quando está perto do Sol? Ou anda mais depressa quando está longe? Kepler também encontrou a resposta a esta questão (fig. 2).

Descobriu que, representando a posição de um planeta em dois instantes, separados por um determinado intervalo de tempo, digamos, três semanas, marcando a seguir noutro sítio duas outras posições do planeta, separadas igualmente por três semanas, e, finalmente, desenhando linhas (em linguagem técnica, chamadas «raios vectores») do Sol para o planeta, a área delimitada pela órbita do planeta e pelos dois raios vectores separados por três semanas é a mesma em qualquer parte da sua órbita. Assim, o planeta tem de andar mais depressa quando está próximo do Sol e mais devagar quando está afastado, de modo a que a área varrida seja sempre a mesma. 

Muitos anos mais tarde, Kepler descobriu uma terceira lei, que não dizia apenas respeito ao movimento de um planeta à volta do Sol, mas relacionava os vários planetas uns com os outros. Segundo esta regra, o tempo que um planeta demora a dar uma volta completa ao Sol está relacionado com o tamanho da órbita; esse tempo varia com a raiz quadrada do cubo do tamanho da órbita, entendendo‑se por tamanho da órbita o eixo maior da elipse. Kepler tinha, portanto, descoberto três leis, que podem resumir‑se, dizendo que a órbita é uma elipse, que áreas iguais são varridas em intervalos de tempo iguais e que a  duração de uma volta completa varia com a potência três meios do tamanho da órbita, isto é, com a raiz quadrada do cubo do eixo maior. Estas três leis de Kepler fornecem uma descrição completa do movimento dos planetas em torno do Sol.

 A questão que se colocou a seguir foi: qual é a causa do movimento dos planetas em torno do Sol? No tempo de Kepler, algumas pessoas responderam a esta pergunta dizendo que, escondido atrás de cada planeta, havia um anjo, que, ao bater as asas, o empurrava ao longo da órbita. Como vamos ver, esta resposta não está muito longe da realidade. A única diferença reside no facto de os anjos estarem numa posição diferente e de as asas empurrarem o planeta para dentro. 

Entretanto, Galileu estudava as leis do movimento dos objectos vulgares existentes na Terra. Ao estudar estas leis e ao fazer um certo número de experiências para saber como é o movimento de bolas em planos inclinados, a oscilação dos pêndulos, etc., Galileu descobriu um grande princípio, o chamado «princípio da inércia», que consiste no seguinte: se nenhuma força actuar num objecto a mo‑ ver‑se em linha recta com uma determinada velocidade, o objecto continuará a mover‑se eternamente na mesma linha recta e à mesma velocidade. Por muito inacreditável que tal possa parecer a alguém que já tenha tentado fazer rolar indefinidamente uma bola, no caso ideal, em que não há influências estranhas, tais como o atrito do solo, etc., esta continuaria eternamente a rolar com uma velocidade constante. 

O passo seguinte foi empreendido por Newton, que considerou o caso em que o objecto não se move em linha recta, concluindo ser então necessária uma força para alterar a velocidade. Por exemplo, uma bola acelerará se for empurrada na direcção em que já se move. Se se observa uma mudança de direcção, é porque foi exercida uma força lateral, a qual pode ser medida como o produto de dois factores: um é a taxa de variação de velocidade com o tempo, chamada «aceleração»; o outro é um coe‑ ficiente chamado «massa», ou «coeficiente de inércia». É fácil medir uma força. Por exemplo, se se fizer girar à volta da mão uma pedra atada a um fio, verificar‑se‑á que é necessário puxar o fio. A razão desse facto é que, embora a grandeza da velocidade não mude enquanto a pedra dá a volta, muda a respectiva direcção; tem, portanto, de existir uma força a puxar sempre para dentro, sendo esta proporcional à massa. Se pegarmos em dois objectos diferentes e fizermos girar primeiro o mais pequeno e depois o maior com a mesma velocidade em torno da cabeça, concluiremos que a segunda força é maior do que a primeira, sendo tanto maior quanto maior for a massa. Esta é uma maneira de medir as massas: só se tem de ver qual é a força necessária para mudar a velocidade. A partir daqui, para dar um exemplo simples, Newton verificou que não é necessária qualquer força, para fazer com que um corpo se mova tangencialmente: se não houver qualquer força, o corpo continuará em linha recta. Mas, de facto, os planetas não se movem em linha recta; encontram‑se, passado algum tempo, não nas posições onde estariam no caso de não haver forças, mas mais próximos do Sol (fig. 3). Por outras palavras, a sua velocidade, o seu movimento, foram deflectidos para o Sol. Assim, tudo o que os anjos
têm de fazer é bater as asas sempre em direcção ao Sol.

(...)»

Dicionário Biográfico de Cientistas, Engenheiros e Médicos em Portugal

 Neste Dicionário

https://dicionario.ciuhct.org/index/

escrevi a biografia de Bento de Moura Portugal, o homem formado em Direito em Coimbra que desenvolveu o gosto por invenções , mas que acabou por morrer nas prisões do Marquês de Pombal.

https://dicionario.ciuhct.org/portugal-bento-de-moura/

NEW ATLANTIS

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à informação.

Imprensa da Universidade de Coimbra, Atlantís - review, v. 50 (2023)

Sumário https://impactum-journals.uc.pt/atlantis/index

[Recensão a] CISNEROS, Miguel (ed.), Imitaciones de piedras preciosas y ornamentales em Época Romana: color, simbolismo y lujo. Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Anejos de Archivo Español de Arqueología, XCIII, Madrid, 2021. 299 pp. ilustradas, ISBN: 978-84-00-10896-0

    Mário da Cruz

[Recensão a] ALTMAN, WILLIAM, Ascent to the Beautiful: Plato the Teacher and the Pre-Republic Dialogues from Protagoras to Symposium. Lanham: Lexington Books, 2020. 618 pp. ISBN: 978-1-7936-1595-4

    Maicon Reus Engler

[Recensão a] VOLPE CACCIATORE, Paola, A Life Devoted to Plutarch: Philology, Philosophy, and Reception. Selected Essays by Paola Volpe Cacciatore. Edited by Serena Citro and Fabio Tanga, Brill’s Plutarch Studies 8, Leiden-Boston, Brill, 2021. Pp. xiv + 222, colour ills. ISBN: 978-90-04-44845-2

    Vicente Ramón, Fabio Tanga

[Recensão a] LEÃO, Delfim & GUERRIER, Olivier (eds.), Figures de sages, figures de philosophes dans l'oeuvre de Plutarque, Humanitas Supplementum, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, (2019). 221 pp. ISBN: 978-989-26-1639-1

    Maria Aparecida de Oliveira Silva

AS EXPLICAÇÕES DOS GATOS

Porque os gatos têm esse prodígio de reconduzir à vida.
Sobretudo em tempos em que a vida deixa de se reconhecer como tal.

GATO À JANELA

Explicou-me tudo a minha gatinha:
o sol que, ao meio dia, vem à janela,
traz uma caloria bem quentinha,
prá gatinha se poder deitar nela!

A gatinha percebe muito bem
que o universo esteja ao seu serviço:
o sol, a Via Láctea, são refém
do que manda o felino feitiço!

O gato sabe que tudo lhe obedece,
que tudo dança à ordem da batuta,
que, de caprichos, não se compadece!

Ao sol que aquece, o gato imputa
que seja assíduo à janela,
para que se possa aquecer nela.

Eugénio Lisboa


MONÓLOGO DO GATO, EM VOZ BAIXA 

Estes bípedes são tão previsíveis!
inventaram carros e aviões,
submarinos, balões dirigíveis, 
e, com isso, ficaram fanfarrões.

Mas qualquer gato os vira do avesso,
fazendo-se muito engraçadinho,
com arzinho dengoso e travesso,
deixando-os mesmo pelo beicinho!

Os coitados julgam que nos dirigem,
pensam que, com eles, nós aprendemos!
Mas, francamente, eles só nos afligem,

se se derretem, quando os lambemos.
É tão fácil enganar um humano,
que se baba todo, ao ver um bichano! 

Eugénio Lisboa

O ESTRANHO SORRISO DE QUEM SE FAZ PASSAR POR ESCRITOR-RELÂMPAGO

"Com a tecnologia da criatividade, podemos dar textos a um computador 
e ele consegue gerar um texto relativamente diferente 
sobre uma determinada temática, 
os escritores podem vir a perder o emprego".
Paulo Novais (2022, 13).
(Presidente da Associação Portuguesa de Inteligência Artificial)

Tem vindo em quase todos os jornais: "já há muitos livros «escritos» pelo ChatGPT à venda na Amazon", noticia a Agência Lusa, com base na Agência Reuters. Seriam, em finais de Fevereiro, aproximadamente duzentos, mas como se diz que um livro demora cinco minutos a escrever, neste momento o número será muito mais elevado. As categorias são diversas: auto-ajuda, receitas e dietas, para miúdos, ficção científica, mas também contos e romances e... poesia!

Exemplos:

- "ChatGPT on ChatGPT: The AI Explains Itself" ("ChatGPT sobre ChatGPT: A Inteligência Artificial Explica-se"). O título diz tudo!
- "The "Wise Little Squirrel" ("O Esquilozinho Sábio"), "assinado por um vendedor de Nova Iorque, que tinha o sonho de escrever um livro (ao lado). 

Li que os programas de "inteligência artificial generativa", geram (convém distinguir "gerar" de "criar"), a partir de instruções breves e simples textos na estrutura pretendida e com a prosa afinada. Geram de tudo: documentos de estudo, planificações e exames para todas as áreas e níveis de ensino, bem como sumários; teses, monografias, ensaios e outras exigências académicas do nível superior; mas também artigos "científicos" e de "opinião; não faltando peças jornalísticas, recensões críticas; e, como se previa, livros. Tudo isto consta despudoradamente na internet, sublinhado por expressivos sorrisos, como os das fotos abaixo.

Imagem recolhida aqui (vídeo)
Bem podem sorrir os fotografados: sem sentido do que é a criação humana, sem consciência do que significa negá-la, sem experiência do penoso e moroso exercício que é a escrita, e sem exigência na apreciação da mesma, obter um livro, com imagens e capa sugestivas, no tempo em que o comum dos mortais demora a tomar um café, só pode conduzir ao contentamento ingénuo.

Diz-se nas notícias que quem usa este tipo de programas não são os escritores-escritores. Percebe-se! Será quem, por lhe faltar "engenho e arte", nunca conseguiria ser escritor, acrescendo que não tem a mais pálida noção do que isso é. Mas, tem, em contrapartida, o descaramento para se fazer passar por tal. O mesmo vale para os (pseudo) professores, investigadores, jornalistas...  Na posse dos meios, a legitimidade dos fins não interessa, avancemos! Até porque o negócio promete.

Mas a questão também se coloca da parte dos compradores-leitores. O nível de exigência de uma boa parte é raso ou pouco mais do que isso. Tenho por critério de avaliação os livros que se anunciam como muito vendidos: os títulos pirosos e as capas garrido-florescentes com que somos "atacados" à entrada de certas livrarias, mais parecem a aura dos seus autores, muitos deles "autores". Lembro que os "escritores fantasma" não são invenção recente.

Voltando às notícias que motivaram este texto, no que respeita aos escritores, lê-se: a "situação é vista como uma ameaça para os escritores", "estes livros inundarão o mercado e muitos autores ficarão desempregados". Reconhecem-no o acima citado professor universitário português e Presidente da Associação Portuguesa de Inteligência Artificial, bem como uma directora executiva da maior e mais antiga organização de escritores profissionais dos Estados Unidos. 

Deixando de lado a questão de se ser escritor é um "emprego", termino dizendo que talvez seja assim, mas não tem de ser assim: em nome da honestidade e da inteligência, em nome do pensamento livre e criativo, os políticos, os legisladores e os professores podem - e, portanto, devem - fazer alguma coisa. A primeira coisa que têm de fazer, de modo empenhado e consistente, é interrogar o que é ser-se humano e como, na medida das suas atribuições e possibilidades, são capazes de preservar a humanidade do humano.
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Citação in Prospecto do 2.º Congresso das Escolas, Conferência I (Paulo Novais), página 13.

sexta-feira, 24 de março de 2023

«ABERTO TODOS OS DIAS» DE JOÃO LUÍS BARRETO GUIMARÃES

 


 

Meu artigo no último As Artes entre as Letras:

O livro Aberto todos os dias (Quetzal) é o mais recente do médico-poeta portuense João Luís Barreto Guimarães, distinguido no final de 2022 com o prémio Pessoa. Confirma o que já se sabia: o autor é um dos mais originais poetas portugueses da actualidade. Os leitores que, levados pela leitura deste livro ou dos outros mais recentes (Mediterrâneo, 2016; Nómada, 2018; e Movimento, 2020, todos do prelo da Quetzal e todos não só premiados como objecto de traduções noutras línguas), queiram conhecer a obra integral de um autor que ensina poesia aos estudantes de Medicina tê-la-ão no volume de poesia reunida a sair muito em breve. O tema maior do seu discurso poético é o tempo. O poeta serve-se de momentos do quotidiano para, usando por vezes fina ironia, falar da condição humana no tempo que corre.

A capa - lindíssima -  do livro é a Vista de Delft do pintor holandês Johannes Vermeer. Pintou um panorama da sua cidade, segundo um físico que estudou o assunto, às 8 h da manhã do dia 3 de Setembro de 1659, deixando-nos uma obra prima que pode ser vista na Mauritiushuis em Haia (ou, por estes dias, na grande exposição de Vermeer no Rijksmuseum de Amesterdão). Trata-se de um quadro famoso na história da literatura pois o escritor francês Marcel Proust estava apaixonado por ele a ponto de o ter referido num dos volumes (A Fugitiva) de Em busca do tempo perdido. Ele conta aí um episódio autobiográfico: quando foi visitar uma exposição em Paris que exibia o referido quadro com o intuito de observar um pedaço de muro amarelo que lá aparece, sentiu-se indisposto. No romance, o narrador descreve um escritor nessa situação que coloca num dos pratos de uma balança esse bocadinho de muro, magnificamente pintado, e no outro prato toda a sua vida, e a seguir falece repentinamente. Esse pedacinho de muro pode representa os pormenores  da vida que Barreto Guimarães observa e transmuta em poesia tal como Vermeer transformou um muro em arte pura.

Escritos em tempos de Covid (a nuvem negra paira por cima do quadro!), os poemas deste livro celebram o regresso à vida «aberta todos os dias». Divide-se em quatro partes, retiradas de locuções latinas usadas no Renascimento como máximas: «locus amoenus», lugar ameno; «beatus iles», bendito aquele; «tempus fugit», o tempo voa; e «carpe diem», goza o dia. ´É precisamente nesta última arte que aparece o poema que dá o título ao livro. É bem representativo da poesia do cirurgião plástico que, sem pertencer a nenhuma escola literária, tem projectado no estrangeiro a poesia em português. Vale a pena ler o seu início:

«O mundo/ aberto lá fora. Difícil cansar-me dele/ O céu/ a entrar pela janela. O músculo do homem comum./ As laranjeiras de Córdova. Brindar com/ água da/ chuva. Os peixes do Nilo urinando na/ mesma água onde nadam. O vinho que fez/ um estágio nas caves do Douro/ e passou./ A lua a quem eu uivo cada noite/ (em segredo). Um relâmpago à janela:/ electrocardiograma/ de Deus (…).»

Chama deste logo a atenção os diferentes tamanhos dos versos que assinalam um ritmo variável, num poema que é afinal uma lista de coisas do mundo, erguidas, como o poema diz no final, «com a luva/ da linguagem.» A ironia sobre o vinho do Porto exemplifica o humor do poeta (o humor não passa de uma maneira de resistir ao tempo, isto é, de ignorar a morte). O uso de parêntesis, como na frase sobre o uivo é um dos seus artifícios (há mesmo um poema intitulado «entre parêntesis») ) E a metáfora do electrocardiograma é uma imagem forte, que serve para mostrar como é forte o coração de Deus.

Mais adiante no mesmo poema cruzam-se duas famosas estátuas: «(…) A Vitória de Samotrácia parecendo atrasada/ perguntando quelle haure est–il? à estátua da/ Vénus de Milo.» Não se deixar de sorrir, em primeiro lugar por as duas serem motes literárias – a Vitória de Samotrácia equivale a um automóvel de corrida para Filipo Marinetti no seu Manifesto Futurista e a Vénus de Milo equivale à Vénus de Milo para Álvaro de Campos; depois, porque nenhuma das Vénus pode usar relógio de pulso por não terem braços: e, finalmente, por as duas, feitas de puro mármore de Paros, serem perfeitamente intemporais. Como podem quaisquer estátuas gregas querer saber das horas?

O tempo é um dos grandes mistérios do mundo e, por isso, um tema cont8nuado da poesia. Na Segunda Lei da Termodinâmica, a única lei física que permite distinguir entre passado e futuro, aparece uma grandeza chamada entropia que cresce inexoravelmente nos sistemas isolados.  Charles P. Snow disse, na sua famosa conferência de 1959 sobre «as duas culturas», que não conhecer Shakespeare era tão grave como não conhecer a Segunda Lei. A entropia é uma medida da desordem, isto é, o futuro distingue-se do passado por ser mais desordenado. O poeta do Porto joga com o tema universal da desordem quando refere a desordem dos «barcos na Cantareira», das árvores de fruta no pomar ou dos amigos sentados a uma mesa, em três dos poemas. A tensão entre ordem e desordem está, de resto, omnipresente.

Para os seres humanos, o grande problema do tempo é não serem eternos. O tema da morte é eloquentemente tratado no poema «Comentário sobre os velhos» (o poeta é irónico: «Alguém tem de/ ir à frente. a ir alguém/ que vão/ os velhos (…) ) ou no poema «Auto-retrato (ao cinquenta e cinco anos)» (“A/ cada noite que passa os pés/ensaiam no leito/ a sua/ posição final. A estátua definitiva (…)».  A ironia aqui é o poeta dizer que acordamos, normalmente, com os pés em forma de V de vitória (ou em forma de W, se há dois corpos, acrescenta num parêntesis).

Um grande poeta a seguir com grande atenção. Ainda tem muito tempo pela frente…

"ENSAIOS SOBRE O DIA SEGUINTE" DE DAVID JUSTINO

 


Meu artigo no último JL:


O professor de Sociologia David Justino, que muitos conhecem devido à sua actividade política (foi deputado, ministro da Educação em 2002-2004, vice-presidente do PSD com Rui Rio), deu a sua «última lição», sobre «A Nova Era da Incerteza», na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa no passado dia 24 de Janeiro. Saiu também nessa altura um livro, que é uma reflexão alargada sobre os temas académicos que o têm ocupado ao longo de décadas: Ensaios sobre o Dia Seguinte (Edições 70). O subtítulo O Mundo, Portugal e a Educação reflecte as três partes em que a obra se divide: «O mundo incerto», «Portugal confinado» e «Educação sem utopia». É um volume indispensável para quem pretenda conhecer melhor os estados do mundo e do país.

Na primeira parte, a maior de todas, o autor discorre sobre grandes temas da actualidade mundial: o abrandamento da globalização, a incerteza que é a única coisa que por estes dias damos como certa, a «nova era dos extremos» (radicalismos, fundamentalismos, nacionalismos, etc., os opostos das posições moderadas de um social-democrata), o contínuo progresso das tecnologia e da inovação, a sociedade da informação e do conhecimento, os Estados e as democracias (liberais e iliberais) e a  emergência  de paises asiáticos como a China e a Índia. É um texto bem pensado e escrito, que nalguns pontos solicita o debate, como a tentativa de olhar o mundo pelas teorias dos ciclos económicos de Kondratieff e Braudel (segundo elas, estaríamos no fim de um ciclo).

Para mim, o capítulo mais interessante é o segundo, em que Portugal é visto, numa perspectiva de longa duração, por um historiador económico experiente (Justino doutorou-se em economia e sociologia históricas na Universidade Nova em 1987 com a tese, orientada por Vitorino Magalhães Godinho, Formação do Espaço Económico Nacional 1810-1914, que recebeu o prémio Gulbenkian de Ciência em 1987 e foi publicada pela Vega em 1988). O autor cita alguns académicos que tentaram explicar o atraso da sociedade portuguesa, por exemplo o sociólogo Adérito Sedas Nunes, que lhe chamou uma «sociedade dualista em evolução», para referir o contraste entre tradicionalismo e modernidade. Mas o dualismo em Portugal é também espacial, com a oposição entre litoral e interior, e também económico e social, com a desigualdade entre ricos (poucos) e pobres (muitos). Justino refere a chegada tardia da Revolução Industrial no século XIX, o que causou um desenvolvimento bem menor do que o dos países que então se industrializaram. E fala da dependência económica do estrangeiro, que hoje subsiste. A situação de periferia na Europa é naturalmente abordada.

O autor analisa os constrangimentos portuguesas, a começar pelo «definhar demográfico»: a demografia é um dos mais graves problemas nacionais, uma vez que a imigração está longe de compensar a queda de natalidade e a emigração, designadamente de jovens qualificados seduzidos por maiores salários. Seremos, neste canto da Europa, cada vez menos e cada vez mais velhos. À assimetria entre o literal e interior junta-se a assimetria causada pela polarização da população nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Retratando o crescimento económico através do PIB per capita ao longo de séculos, o gráfico da p. 250 mostra que o crescimento em Portugal foi anémico no século XIX (com um mínimo histórico nas vésperas da Revolução Liberal), que a Primeira República foi um tempo de estagnação económica e que só no Estado Novo se assistiu a continuado crescimento económico (com o alto preço da falta de liberdade), um crescimento que, embora com soluços, continuou após 1974, com a ajuda da Europa, até ao ano 2000. Porém. os últimos vinte anos têm sido de estagnação. No gráfico da p. 251, que compara os PIB per capita português e espanhol, podemos ver como, no século XVIII, estávamos muito acima, passando nos séculos XIX e XX a estar abaixo. E o gráfico da p. 260 mostra como Portugal, Espanha e outros países do Sul não conseguem competir no crescimento económico com os países europeus do Centro, do Norte e do Leste. David Justino fala, para resumir, de um «labirinto» de que não conseguimos sair. Comenta, não apenas como um académico, mas também como um politico desiludido: «Melhor seria que se colocasse a questão: onde e quando pretendemos chegar? O que precisamos de mobilizar e porfiar por o conseguir? O que é necessário mudar para que tudo não fique na mesma? Mas este exercício está afastado dos membros mais proeminentes das elites políticas e intelectuais. Tudo se esgota no efémero, no imediato, no mediatizado, e tudo o que for além disso é tarefa inglória que se pode sujeitar ao ridículo.» Diz, para fechar o capítulo sobre Portugal, que não se enxerga «uma saída, um rumo e um propósito».

Na terceira parte, Justino passa em revista as questões, internacionais e nacionais, da educação, que tem estudado em profundidade. Para além do défice económico, Portugal tem um grande défice educacional. A questão impõe-se: Será a aposta na educação o elixir de uma vida colectiva mais próspera? Será que o investimento na educação conduz necessariamente ao desenvolvimento? Há alguma controvérsia entre os economistas. Mas o curioso é que estes querem mandar na educação. Afirma Justino com sagacidade: «O que se observa é a tendência para que as políticas nacionais se orientem por directivas transnacionais, especialmente as propostas e recomendadas pelas organizações internacionais, como é o caso da OCDE, do Banco Mundial ou da UNESCO. A sua acção, ao contrário das autoridades nacionais, não tem poder coercivo para impor uma determinada concepção curricular, mas detém o poder de indução para condicionar e orientar as políticas nacionais». Justino é inequívoco: ele valoriza o conhecimento em vez das competências apregoadas pela OCDE e outros. A fechar o livro, Justino apresenta  uma proposta de organização de sistema educativo, que essencialmente visa melhorar a articulação entre os ensinos básico e o secundário, e sugere uma instância independente do governo para tratar as questões curriculares.

O tom geral é de algum pessimismo. O autor não está a ver saídas para as crises do mundo e de Portugal. Mas, como vivemos na «era da incerteza», pode ser que haja surpresas positivas. Não sabemos quais nem quando.

quinta-feira, 23 de março de 2023

Não precisas de mo dizer

Não precisas de mo dizer.

Sorri, apenas. as faces

Sabem tudo o que fazer.

Não precisas de me chamar.

Sorri, apenas. e ainda

Às faces voltarás para amar.

quarta-feira, 22 de março de 2023

Os Diários de Viagem de Albert Einstein

  • Edição Março 2023
  • Colecção Ciência Aberta, Gradiva
  • ISBN 978-989-785-203-9
  • Páginas 432
  • Capa Brochada / capa mole
  • Dimensões 13,50 x 21,00
€25,00 €22,50

No Outono de 1922, Albert e Elsa Einstein embarcaram numa viagem de mais de cinco meses ao Extremo Oriente, que o famoso físico desconhecia, tendo, no regresso, visitado a Palestina e a Espanha. O longo itinerário incluiu uma estadia de seis semanas ao Japão, de doze dias à Palestina e de três semanas a Espanha, além de paragens em Hong Kong, Singapura e Xangai. Uma viagem memorável que foi registando no seu diário. As entradas em estilo telegráfico contêm as reflexões de Einstein sobre a geografia, história, ciência, filosofia, arte e política, bem como as suas impressões imediatas sobre o que viu e pensamentos relativos a alguns eventos. Algumas passagens revelam os estereótipos de Einstein quanto aos nacionais de várias nações e levantam questões sobre as suas atitudes sobre a raça.

Uma obra que integra fac-símiles das páginas do diário, acompanhadas da tradução, uma introdução histórica, textos adicionais, ilustrações e anotações. Uma viagem terminada há precisamente cem anos, durante a qual o sábio recebeu a notícia do prémio Nobel. O diário revela a pessoa de Einstein para lá das suas teorias científicas; por vezes irónico, outras vezes feliz, sempre profundamente humano.

O diário fornece-nos percepções emocionantes sobre a experiência da viagem de Einstein, registada pelo próprio. Ele escrevia diariamente, acompanhando por vezes o seu texto com desenhos de coisas interessantes que viu, como vulcões, barcos e peixes. Registou tanto as suas impressões imediatas da viagem como reflexões mais longas sobre as suas leituras, as pessoas que foi conhecendo e os lugares que ia visitando.

Entre outros temas, também anotou, ocasionalmente, acontecimentos mundiais contemporâneos.

«A viagem é esplêndida. Estou encantado com o Japão e com os japoneses e tenho a certeza de que também ficaria. Além do mais, uma viagem marítima como esta é uma magnífica experiência para um pensador — tal como um mosteiro. Acresce o calor acariciante perto do equador. A água morna escorre languidamente do céu e espalha a paz e uma sonolência calma e vegetativa — esta pequena carta testemunha isso.»

Albert Einstein para Niels Bohr, perto de Singapura, 10 de Janeiro de 1923.

«[…] Qualquer pessoa interessada no carácter complexo, por vezes contraditório, de Einstein será agradavelmente seduzida pela leitura dos seus estimulantes Diários de Viagem.»

Andrew Robinson, Science.

NOVOS CLASSICA DIGITALIA

NOVIDADES EDITORIAIS

Série “Mundos e Fundos” [Mundos Metodológico e Interpretativo dos Fundos Musicais]

- Catarina Costa e Silva, Estudos Coreológicos 2016-2020. Contextos da Dança e Música Antigas (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2022).  158 p. DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2330-6%20

[A presente publicação (fruto da vertente investigativa da Portingaloise – Associação Cultural e Artística em parceria com a Kale Companhia de Dança e sob a chancela do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra) pretende contribuir para a expansão da produção científica na área da coreologia em Portugal. Acompanhando o crescente desenvolvimento de estudos académicos na área da dança, da performance ou das artes cénicas, os estudos em coreologia histórica informam sobre a prática da dança em contextos específicos, privilegiando o contacto com fontes de época e observando a sua relação com as demais artes, assim como com o contexto filosófico, social e político em que se insere. Este volume pretende acompanhar o empenho da Universidade de Coimbra na promoção da investigação na área das artes performativas, numa lógica simultaneamente especializada e interdisciplinar.]

Série “Ideia” [estudos]

Davide Eugenio Daturi, Merleau-Ponty y el cuestionamiento de la Metafísica del sujeto (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2023).  262 p. DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2428-0

[¿En qué sentido las primeras obras de Merleau-Ponty representan un parteaguas en la historia de la filosofía de los últimos trecientos años? Para contestar a esta pregunta, el autor nos introduce al paradigma de la “Metafísica del Sujeto” que modernamente queda disfrazado detrás y debajo de aquella “filosofía de la reflexión” que desde el pensamiento de Descartes caracteriza tanto el intelectualismo como el empirismo. Dentro de esta perspectiva, la propuesta contenida en las primeras obras del filósofo francés, Maurice Merleau-Ponty, representará una clara tentativa de cuestionar las explicaciones epistemológicas que vinculan a una suerte de ojo trascendental (un Yo, una subjetividad) con todo tipo de experiencia, real y posible, y contemporáneamente pondrán las bases para una ampliación ontofenomenológica del horizonte filosófico, más allá de la tradición y en directa conexión con la revolución que viven el arte y la ciencia del siglo XX.]

FÍSICA DE PARTÍCULAS EM PORTUGAL - NOVO LIVRO LANÇADO EM COIMBRA EM 23 DE MARÇO, 18H

segunda-feira, 20 de março de 2023

IMPÉRIOS, IMPERADORES E SUAS "AMIZADES SEM LIMITES"

Aos imperadores havidos e a haver.
Quando os imperadores afirmam 
uma “amizade sem limites”, 
todos sabemos como se acaba…

A DOENÇA DE SER IMPÉRIO

Há uma doença de ser império,
que é parecida com um carcinoma:
o império acresce, sem critério,
ao que originalmente foi Roma.

Império é doença prolongada,
que se arrasta, com muito sofrimento.
Tem vida longa e degenerada
e só a morte põe fim ao tormento!

Possuir tanto poder enlouquece
imperadores e quem lhes obedece.
O carcinoma, dentro deles,

tece teia mortal que se não compadece.
Ser império é autodevorar-se,
com bárbaros à porta, a preparar-se!

Eugénio Lisboa

FUGIDO À JUSTIÇA

O Putin anda fugido à justiça, 
indo esconder-se em Mariupol.
Está sem motorista, grande injustiça,
e conduz com maus ares de mongol!

Se sair da Rússia, será fisgado
e mandado curtir no Tê Pê I:
ficaria em Haia, mal amanhado,
e iria portar-se como uma Fifi!

Vai ter saudades do Kapa Gê Bê,
onde tinha os orgasmos que sabia:
fazer tortura com creme flambé!

Gozava, digamos, como podia,
mas resta-lhe agora comer borche
e guiar a versão russa do Porche! 

Eugénio Lisboa

domingo, 19 de março de 2023

OS PODERES DO GATO E OS SEUS DIREITOS

Por Eugénio Lisboa

Na falta de tema, recorro ao gato. O gato é inesgotável e os outros temas disponíveis, no mercado, não são. Como é que os grandes poetas passaram a vida a esbanjar talento com temas de carregar pela boca, havendo o gato?! Isto só confirma uma suspeita que sempre tive: os grandes poetas serão grandes, mas não são inteligentes. Ainda bem: deixaram o gato para eu recorrer a ele, sempre que me não apeteça falar de coisas menores e áridas.

Depois dos Poderes do Gato, vieram os Direitos do Gato. E ainda a procissão vai no adro…

OS PODERES DO GATO

Os gatos olham-nos com uma atenção
que só mesmo os gatos conseguem ter:
olhar de cognição ou de paixão?
Olhamos e ficamos sem saber!

Tudo, no gato, é misterioso:
o que ele faz e também o que não faz!
É inteligente e ardiloso
e nada de que não seja capaz!

Quando o gato decide o que quer,
não adianta nada resistir-lhe: 
o gato acaba sempre por vencer, 

como se fôssemos nós a pedir-lhe!
Os gatos têm poderes ocultos,
que dominam vontades e tumultos!

Eugénio Lisboa 


OS  DIREITOS DO GATO 

Se a Declaração Universal
dos Direitos do Gato é pra valer,
isso quer dizer que em Portugal 
todo o gato tem muito a haver!

Ela garante comida e colo,
bom aquecimento e também cama
e tudo conforme o protocolo
que o gato impõe e proclama!

Com Declarações destas, não se brinca
e, desta, o gato nunca se esquece:
lê-a com atenção e logo vinca

o parágrafo que mais lhe apetece!
Direitos são direitos e o gato ganha,
em direitos, o campeonato!

Eugénio Lisboa 

A GENEROSIDADE DO GATO

Aos meus gatos todos, antigos e recentes. 

Nenhum animal foi tão caluniado
como o gato: que é egoísta,
que é arrogante e malcriado,
só falta dizer que é Maoísta!

Que é amado mas não sabe amar.
Que gosta de receber mas não dá!
Se o maçamos, manda-nos bugiar.
Que se julga oriundo de Bagdá!

Mas do que toda a gente se esquece
é de que o gato, como ninguém,
sem nunca pestanejar, nos oferece

sem “mas”, sem “se” e sempre sem “porém”,
a majestade e a esbelteza
da sua inconfundível beleza!

Eugénio Lisboa

Sim, queridos destinatários deste soneto, nunca se esqueçam do sumptuário cadeau royal que é um gato! É como possuir um Leonardo que nos tivesse sido oferecido e não comprado. Nunca se distraiam a não devidamente avaliarem o tesouro que não merecem!

Eu não posso olhar para ti

Eu não posso olhar para ti,

Sem que o coração seja o mesmo.

Até o sangue é outro

E parece quebrar o silêncio.

quarta-feira, 15 de março de 2023

O perdão maior está em dar a mão

O perdão maior está em dar a mão

Ao corpo que a pede e parte o rosto

Por não ter a mão nem ter o corpo

Que sofreu outrora com coração.

 

O perdão maior está em dar o pão

À boca que o pede de olho no corpo

Que lágrimas trouxe à boca e ao rosto

Por só para si querer todo o chão.

 

A justiça imane, o perdão maior,  

Está em perdoar quem foi injusto,

Num instante que seria de amor,

 

Em dar o coração, sem qualquer custo.

Do nosso corpo dar o astro melhor

Ao corpo que volta em sagrado lustro.

A história global da ciência em Portugal


 

Prefácio a Física de Partículas em Portugal (Origem e Desenvolvimento) (Gradiva)

 


Prefácio  (sem as notas)

A Génese da Física de Partículas em Portugal de Gustavo Castelo-Branco, Margarida Nesbitt Rebelo, João Varela

Nas últimas três a quatro décadas a ciência em Portugal cresceu muito. Hoje, é frequente lermos notícias sobre a ciência que fazemos. Não era assim há 35 anos. Praticamente não havia investigação científica nas Universidades e eram raros os doutoramentos feitos em Portugal. Alguns recém -licenciados conseguiram bolsas de investigação e realizaram o doutoramento no estrangeiro. Muitos regressaram e tiveram um papel pioneiro na modernização da ciência no país.

 Este livro incide sobre um campo específico da ciência e pretende descrever e ajudar a compreender a origem e desenvolvimento da Física de Partículas em Portugal. É um relato em forma de testemunho de acontecimentos e experiências vividas pelos autores. Simbolicamente, associamos a adesão de Portugal ao CERN em 1985 à génese da Física de Partículas no País. De forma a situar este evento no contexto internacional, consideremos a data da formulação do Modelo Padrão (em inglês Standard Model)  das Interacções Electromagnéticas, Fracas e Fortes como ponto de partida. Este modelo tem tido um enorme sucesso na descrição das partículas elementares e das suas interacções e ainda hoje constitui a base teórica neste domínio. Essencialmente o Modelo Padrão  acabou de ser construído por volta de 1967. A pergunta que se pode fazer é: o que se fazia em Portugal em Física de Partículas nessa altura? A resposta a esta pergunta é: muito pouco, quase nada.

 A Física de Partículas, cuja  origem reside na Física Nuclear,  é o ramo da ciência que estuda os componentes fundamentais da matéria. À medida que se foram conhecendo os constituintes elementares da matéria, a Física de Partículas constituiu -se como um domínio novo de investigação, distinto da Física Nuclear, da mesma forma que a Física Nuclear nasceu depois da Física Atómica. Pode considerar -se que a Física de Partículas como disciplina independente se iniciou com a descoberta do muão por Carl Anderson e Seth Neddermeyer em 1936 no âmbito dos estudos da radiação cósmica. O muão foi a primeira partícula descoberta sem relação com os constituintes do átomo. O ciclotrão fora inventado uns anos antes e as pesquisas em Física de Partículas passaram progressivamente a ser realizadas em aceleradores que permitiam colisões a energias consideradas elevadas. As experiências de Física de Partículas requerem energias mais elevadas que as de Física Nuclear para aceder a escalas mais pequenas. Por esta razão este domínio foi inicialmente denominado de Física de Altas Energias. É esse ainda actualmente o nome da Divisão da EPS (European Physical Society) que agrega os Físicos de Partículas: High Energy Physics (HEP). 

Para se compreender a ausência de desenvolvimento desta área fundamental da Física em Portugal nos anos 1960 e 1970, há que ter em conta que, em  três universidades portuguesas - a  Clássica de Lisboa, a  de Coimbra e a  do Porto - havia vários físicos  nucleares, mas a transição para a Física de Partículas nunca se tinha dado de modo significativo. Acima não referimos a Universidade Técnica porque o IST - Instituto Superior Técnico nesse tempo nem sequer tinha um Departamento de Física. Claro que o fraco desenvolvimento científico em Portugal contribuía para esta situação da Física de Partículas. No entanto, o país tivera várias oportunidades para se desenvolver. Por exemplo, durante o período da Segunda Guerra Mundial Portugal podia ter captado vários dos cientistas que tiveram de abandonar a Alemanha e outros países europeus para escaparem à barbárie nazi. Não só não captámos estes cientistas como perdemos alguns dos nossos melhores cientistas que tiveram de sair do país para escapar da ditadura salazarista.

 Do ponto de vista da Física Experimental de Partículas, a situação em Portugal era desoladora, sobretudo por Portugal não ter aderido ao CERN, o grande laboratório europeu de Física de Partículas, quando criado em 1954. Nesse ano, doze países europeus incluindo a Grécia, país com riqueza equivalente a Portugal, fundaram o CERN. O desenvolvimento da Física de Partículas em Portugal está muito ligado à adesão ao CERN cerca de 30 anos mais tarde. Portugal começou assim com um grande atraso em relação ao mundo, mas podemos orgulhar -nos de, hoje em dia, já no século XXI, Portugal estar plenamente inserido na comunidade internacional de Físicos de Partículas. Para que isso pudesse ter acontecido foi instrumental a adesão de Portugal ao CERN. Contudo, é notável o facto da International Conference on High Energy Physics da EPS em 1981 ter tido lugar. O Departamento de Física do IST foi criado em 1980. Até essa data havia apenas a secção de Física.  em Portugal  o que se deveu em grande parte ao regresso a Portugal de vários físicos que fizeram carreira no estrangeiro e à existência de vários jovens acabados de formar. Isto contrasta com o cenário nacional aquando da conferencia desta série que teve lugar em Viena em 1968. Nesta conferência não participou nenhum físico com afiliação numa universidade ou centro de investigação português Vê -se, porém, na lista de participantes quase 20 físicos que vieram a receber o Prémio Nobel em Física. 

O objectivo dos autores deste livro é por um lado o de descrever na primeira pessoa a nossa experiência do que tem sido fazer Física de Partículas em Portugal desde a sua génese e por outro lado contribuir com alguma informação rigorosa e documentada para uma futura história desta disciplina em Portugal. Este não é um livro de História da Ciência ainda que os autores tenham tido o cuidado de fornecer uma lista de referências tão detalhada quanto possível de todas as fontes usadas para os factos e as descrições históricas apresentadas. Grande parte da experiência profissional internacional dos autores desenvolveu -se na Europa em  estreita relação com o CERN. Por outro lado, a sua vida profissional em Portugal esteve ligada ao IST em Lisboa. Também é importante referir que os EUA -  Estados Unidos da América contribuíram para a formação científica de dois dos autores numa fase inicial e crucial das suas carreiras. A Universidade de Coimbra tem também uma história rica e com impacto na Física de Partículas feita em Portugal. Este facto não se reflecte neste livro simplesmente porque os autores não têm competência para o descrever. Esperamos que outros testemunhos venham preencher esta lacuna. 

Assim, neste livro contamos os detalhes deste desenvolvimento, incluindo a Física Experimental e a Física Teórica. Considerámos relevante incluir no livro as nossas experiências pessoais como alunos de doutoramento, como posdocs5 e depois como professores e investigadores na área da Física de Partículas. Claro está que estas apresentações têm inevitavelmente algo de subjectivo, mas procuramos dar uma visão tão correcta quanto possível da origem e desenvolvimento da Física de Partículas em Portugal.

NOVIDADES DA GRADIVA EM MARÇO

 

NOVIDADE




Uma edição publicada no âmbito das comemorações do Centenário do Nascimento de Eduardo 



Lourenço que decorrerão em 2023.

 

Eduardo Lourenço, Correspondência com Jorge de  Sena


«O que não hesito chamar amizade, ainda que apenas epistolar, destes dois camaradas de letras iniciou-se, creio, com o envio, por Jorge de Sena, do inquérito sobre André Gide que se destinava e foi publicado em Unicórnio, em Maio de 1951. Quando ou como se conheceram pessoalmente não sei exactamente, mas sei que se dedicaram amizade, respeito e admiração mútua por cerca de 28 anos. Para mim, Eduardo Lourenço começou por ser o ‘Faria’, ainda meu contemporâneo na Faculdade de Letras de Coimbra, finalista quando eu, tardiamente ‘caloira’, começava a minha via-sacra de aluna ‘voluntária’, enquanto ele se desenhava já como diferente dos demais.»

Mécia de Sena, «Acerca desta correspondência»

Já disponível: "O que é uma lei física", de Richard P. Feynman. De €14,00 por €12,60.

Uma série de fascinantes palestras de Richard Feynman sobre a Natureza e a Ciência, recolhidas ao vivo pela BBC em 1964.

 

Richard Feynman foi um dos professores de Física mais originais de sempre. Nesta série de conferências, que é intemporal, oferece-nos um panorama da Física, clássica e moderna, enfatizando o que as leis físicas têm em comum. Trata-se de uma descrição simples, clara e elegante, recolhida ao vivo em 1964 pela BBC, de um conjunto de palestras sobre o que é a Natureza e o que é a Ciência. Um livro fascinante e eterno, pelo brilho e pelo entusiasmo do autor. Inimitável: só Feynman, que além de professor de Física foi arrombador de cofres e músico no Carnaval do Rio de Janeiro, pode ser Feynman!

Para esta edição, o físico Carlos Fiolhais, autor do prefácio, reviu a sua tradução. Para ele, «Feynman deve ser conhecido pelas novas gerações, porque a sua inteligência continua hoje a iluminar-nos».

Destaques e Relançamentos
"O Significado de Tudo", de Richard P. Feynman.


O Significado de Tudo
Richard P. Feynman

 

€9,59 8,63


Em três conferências inesquecíveis, Feynman - o cientista e o cidadão - reflecte sobre a ciência e a sociedade, o conflito entre a ciência e a religião, sobre a guerra e a paz, o nosso fascínio universal pelos discos voadores, a fé nas curas milagrosas e na telepatia, as desconfianças do povo em relação aos políticos - sobre as grandes preocupações do cidadão-cientista moderno.
"O Prazer da Descoberta", de Richard P. Feynman.


O Prazer da Descoberta
Richard P. Feynman

 

€12,11 10,90


Das reflexões sobre o lugar da ciência na nossa cultura às descrições das propriedades fantásticas da física quântica ou ao discurso de aceitação do Prémio Nobel, este livro vai fascinar qualquer pessoa interessada em Feynman e no mundo das ideias. Quase todos os textos agora publicados são, pela primeira vez, tornados acessíveis ao grande público.
"QED - A estranha teoria da luz e da matéria", de Richard P. Feynman.


QED - A estranha teoria da luz e da matéria
Richard P. Feynman

 

€14,00 12,60


Richard P. Feynman, um dos físicos teóricos mais célebres do mundo, apresenta aqui a teoria da electrodinâmica quântica com a clareza, o rigor e a perfeição que tornaram famosas as suas conferências. Pressupondo que os leitores possuem poucas bases científicas, procura sempre ilustrar as interacções da luz com exemplos de fenómenos que todos podemos observar no quotidiano.
"Antero ou a Noite Intacta", de Eduardo Lourenço.


Antero ou a Noite Intacta
Eduardo Lourenço

 

€13,63 12,27


«Não há na nossa literatura, nem mesmo Camões, poeta tão naturalmente universal como Antero de Quental, dada a natureza ideal e intemporal da sua inspiração e o conflito que a alimenta, pura interpretação do espírito por si mesmo no meio de um mundo incompreensível. Nenhum objecto empírico, natural ou histórico, é, ao menos nos Sonetos, matéria determinante da sua poesia. Os Açores como qualquer outro. É como se estivesse só no Universo, ilha pura, sem qualquer arquipélago.»
"Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista", de Eduardo Lourenço.


Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista
Eduardo Lourenço

 

€13,63 12,27


«O neo-realismo de que nos ocupamos é, antes de tudo, um fenómeno cultural, ideológico e literário, português. Quer dizer, encontra-se inserto como actor e sujeito de drama num contexto preciso que é o da nossa específica história desde 1936 até aos dias de hoje. Este dado é mais relevante que a referência, mesmo a menos abstracta e eivada de ilusões, a uma superestrutura ideológica condicionante. Para os autores neo-realistas (e não só para eles) essa casa habitável nunca existiu nem pôde existir senão como sonho recusado ou mito encarnado algures, sobre o qual a sua pessoal experiência de portugueses não tinha apoio algum.»
"A Conspiração", de Will Eisner.


A Conspiração
Will Eisner

 

€14,64 13,18


Will Eisner, o grande mestre da banda desenhada americana, concluiu A Conspiração no seu último mês de vida, considerando-a a obra mais poderosa de toda a sua carreira. Profundamente perturbado pelo facto de os Protocolos dos Sábios de Sião - um alegado plano de domínio mundial escrito por líderes judeus - continuarem a ser publicados e distribuídos em todo o mundo, Eisner esperava que o seu relato gráfico desta injuriosa fraude pudesse alcançar uma audiência muito mais alargada do que a de qualquer obra académica sobre o assunto.

Nesta história extraordinária, Eisner leva o leitor numa viagem que tem início na Paris de finais do século XIX, onde um agente da polícia secreta russa plagia uma velha obra filosófica francesa, fabricando um documento com o qual se pretendia provar a existência de uma conspiração judaica contra a civilização cristã. Concebido como um esquema antissemita para desviar as atenções do regime repressivo do czar, o texto dos Protocolos foi inicialmente publicado na Rússia em 1905. E o sucesso da falsificação superou em larga medida as ambições propagandísticas dos seus criadores.
"História da Cultura em Portugal, vol. 1", de António José Saraiva.


História da Cultura em Portugal, vol. 1
António José Saraiva

 

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António José Saraiva foi professor e historiador de Literatura portuguesa. Publicou uma vastíssima e importante bibliografia, considerada uma referência nos domínios da História da Literatura e da História da Cultura portuguesas, amadurecida quer na edição de obras e no estudo de autores individualizados, quer através da publicação de livros de grande fôlego como a História da Cultura em Portugal (uma obra em quatro volumes) ou, em parceria com Óscar Lopes, a História da Literatura Portuguesa.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...