segunda-feira, 25 de abril de 2022

BALANÇO FINAL

Novo poema de Eugénio Lisboa:

BALANÇO FINAL 

Num dia, já há muitos, muitos anos, 
à beira de uma enorme baía,
dei comigo a fazer grandes planos, 
sem nada subtrair à fantasia. 

Os anos foram passando depressa, 
trazendo desilusões e sucessos, 
cumprindo uma ou outra promessa, 
outras mais, morrendo, à míngua de excesso. 

Dos sonhos, só muito pouco se cumpre
e também nós só pouco nos cumprimos: 
o que não se fez não se fez para sempre 

e tudo perdemos se desistimos.
É muito a pensar que não fizemos
tudo o que sonhámos, que nós morremos. 

Eugénio Lisboa

N. B. Se o leitor suspeita que aquele “à míngua de excesso” foi roubado ao Mário de Sá-Carneiro, suspeita muito bem. Os grandes poetas também servem para que lhes furtemos um ou outro tijolo que falta ao nosso edifício. Camões roubou Virgílio, Eliot roubou Dante e todo o poeta consciente, quando isso lhe dá jeito, faz mão baixa de propriedade alheia. Mel Brooks pilhou uma passagem de OS PÁSSAROS, de Hitchcock, para uma cena irresistivelmente cómica de um filme seu. Foi Eliot, provavelmente para legitimar os pilhanços que fez, quem declarou que os poetas imaturos imitam, mas os poetas maduros roubam. Eu tenho idade suficiente para legitimar os meus furtos. E tenho suficiente conhecimento da literatura universal, para saber que engenho e arte se alimentam destas coisas. Racine fartou-se de pilhar Eurípedes e Shakespeare pilhava onde podia. Portanto, se houver aí menino ignorante que se prepare para me abocanhar, acusando-me de furto, digo-lhe que não seja parvo e que vá dar uma curva.

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