Meu artigo saído nodo no novo projecto «Azul» do «Público» (na imagem, quadro de C. Monet):
O azul e o verde são formas de luz visível que apenas diferem no
comprimento de onda: o azul está entre os 440 e os 495 nanómetros (um nanómetro
é a milionésima parte do milímetro), ao passo que o verde está entre os 495 e
os 570 nanómetros. Maior comprimento de onda significa menos energia. Para os
nossos olhos, as cores primárias são o azul, o verde e o vermelho, por dispormos
de três tipos de sensores adequados a essas cores: combinando-as conseguimos
obter todas as outras cores. Vemos o azul, o verde e o vermelho porque os
nossos olhos se desenvolveram, num longo percurso de evolução natural, para
captar ao máximo a luz que o Sol emite, que inclui todas as cores do arco-íris
do violeta ao vermelho (foi Newton quem descobriu, no século XVII, que a junção
de todas elas dá o branco). Somos o resultado da nossa circunstância cósmica: se
o nosso planeta estivesse perto de uma estrela mais fria do que o Sol, uma
estrela que tivesse um pico de luz infravermelha, os nossos órgãos de visão captariam
bem esta forma de luz. E conseguiríamos ver de noite...
E, apesar de o azul e o verde estarem uma ao lado da outra no arco-íris
(pela sua proximidade, nalgumas línguas não são distinguidas) há uma enorme
diferença cultural entre o azul e o verde. O azul está ligado à paz, à ordem, à
harmonia: não é por acaso que está nas bandeiras da União Europeia e das Nações
Unidas. É, em todo o mundo, a cor preferida pela maioria das pessoas (assim o
dizem 40-50% dos respondentes a repetidos inquéritos em numerosos países), pelo
que não é de admirar o seu uso generalizado no vestuário, tanto masculino como
feminino. Por seu lado, o verde está ligado à Natureza, à vida, à saúde, à
juventude e à esperança: é, naturalmente, a cor dos movimentos e dos partidos
ecologistas e, por convenção, a cor usada na sinalização para autorizar a
passagem. O verde é a segunda cor na apreciação popular (15-20% das pessoas preferem-na).
A acreditar nesses inquéritos, azul e verde dispõem de uma maioria absoluta.
No entanto, nem sempre foi assim. Os gregos antigos eram praticamente
«cegas» ao azul e ao verde, no sentido em que não descrevem essas cores nos
escritos que chegaram até nós. O léxico grego para designar cores é escasso e
impreciso, nem sequer têm termos para essas duas cores. Quem chama a atenção
para esse facto é o historiador francês Michel Pastoureau, autor de uma série
de livros que apresentam a história cultural das várias cores (publicados entre
nós pela Orfeu Negro, em edições com o texto impresso em cada cor). Tal atraso
na recepção do azul e do verde (o verde em menor escala) deveu-se à dificuldade
de produzir e fixar essas cores. Escreve Pastoureau: o azul e o verde são «cores
que o ser humano reproduziu, fabricou e dominou tarde e com dificuldade». De
facto, nas pinturas rupestres pré-históricas encontramos vermelhos, pretos,
castanhos e ocres, mas não há nem azul nem verde. A ignorância do azul e do
verde prosseguiu na Alta Idade Média. As cores com maior força simbólica eram o
preto, o branco e o vermelho, as cores fundamentais das culturas antigas (ainda
hoje são usadas nas vestes clericais da Igreja Católica, sendo o vermelho a cor
dos cardeais). Porém, a Virgem Maria começou na Idade Média a ser pintada de
azul, que é evidentemente a cor do céu, uma cor que também passou a surgir nos
vitrais dos grandes templos, pela arte dos mestres vidreiros. O azul também passou
a aparecer nas representações heráldicas dos nobres, particularmente em França.
No Renascimento o azul ganhou alento. No tempo de Newton, grandes pintores como
Vermeer usaram-no, retirando-o do lápis-lazúli. No século XVIII, pelo engenho dos
químicos, surgiu o azul-da-prússia. E os tintureiros aperfeiçoaram a aplicação
do índigo. O azul começou então a ser moda no vestuário, tanto nos ricos como nos
pobres (o azul dos ricos mais vivo e o dos pobres mais desbotado). No final do
século XVIII, o herói de Os Sofrimentos do Jovem Werther, o famoso romance
de Goethe (que se opôs à herança newtoniana, propondo uma errada teoria das
cores), vestia um casaco azul. O azul já estava na moda, mas o êxito do livro
reforçou a moda. A Revolução Francesa criou a bandeira tricolor, com o azul a
designar a liberdade. Os soldados de Napoleão vestiam casacas azuis. O século
XX assistiu ao triunfo do azul, manifesto na arte no «período azul» de Picasso e
no comércio nas vendas dos jeans, que já vinham do século anterior.
O verde, também difícil de fabricar como o azul, foi nomeado pelos romanos,
superando os gregos. Consta que Maomé gostava do verde e, talvez por isso,
verde foi a cor do Islão. Os cruzados iam de vermelho e branco enfrentar os «infiéis»,
mas, na Idade Média cristã, o verde passou a ser uma cor cavalheiresca e cortês
ou não fosse ela associada à Primavera e ao amor. Na Idade Moderna o verde
passou a ser uma cor mal amada: a cor do imprevisto, do veneno e do diabo. O
verde foi sempre uma cor ambígua. O lado romântico do verde floresceu no Romantismo,
quando alastrou o culto da Natureza (sem esquecer que o Romantismo tinha um
lado sombrio, negro mesmo). No século XIX o verde ligou-se à higiene e saúde,
ganhando fama de cor calmante. Os pintores, incluindo os impressionistas, experimentaram
dificuldades com o verde por ele ser instável à luz. No século XX, Kandinsky
detestava o verde, que considerava uma cor amorfa e apática. Mas essa cor acabou
por cair no agrado geral. Significa hoje natural, abundando nos logotipos e na
publicidade. Pastoureau diz: «outrora menosprezado e rejeitado, mal-amado, o
verde tornou-se uma cor messiânica. Ele vai salvar o mundo.»
O certo é que a Terra, vista ao longe, é azul. Foi Carl Sagan que lhe
chamou o «ponto azul-claro», quando virou as câmaras da Voyager 1 para a
Terra para tirar uma selfie de nós todos. Tal se deve ao facto de 70% da
superfície terrestre estar coberta por oceanos. Os continentes são, em geral,
verdes, já que a sua superfície está repleta de vegetação e a fotossíntese
impera nas plantas (já dizia Goethe que «todas as ideias são cinzentas, verde é
a frondosa árvore da vida»). Como é que os gregos não viam nem o azul da água nem
o verde das árvores? Nos dias de hoje, num mundo ameaçado pelas alterações climáticas,
o azul simboliza o nosso planeta enquanto o verde simboliza a vida que triunfou
nele, espraiando-se numa extraordinária biodiversidade. Que a associação das duas
cores, no Azul, seja um
meio para não só informar, mas também para promover a salvação da vida no
planeta, que é como quem diz a nossa salvação.
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