Na minha última contribuição para
As Artes entre as Letras, deixei o registo de meia dúzia de livros sobre
a pandemia que nos últimos meses invadiu o mundo. O número de infectados com o
coronavírus e de vítimas mortais tem crescido de modo impressionante. À hora a
que escrevo esses valores são, respectivamente e em números redondos, quinze
milhões e seiscentos mil. Vivemos num tempo de incerteza: quando a primeira vaga
assola com muita força países como os Estados Unidos, o Brasil e a Índia, cada
um deles com mais de um milhão de casos de infecção, multiplicam-se as vozes
sobre uma eventual segunda vaga. Não sabemos como vai ser.
A pandemia tem facetas
científicas e sanitárias, mas também económicas, sociológicas, políticas e
filosóficas. A crise vai continuar connosco durante mais algum tempo e com ela
a necessidade de reflectir sobre algumas mudanças sociais e políticas. Embora a
doença tenha felizmente diminuído em Portugal, ela ainda nos dá razões para preocupação. E o impacto económico, sendo já claro que é
enorme, tem ainda uma amplitude bastante incerta. Está a crescer, como é
natural, o número de livros sobre a pandemia. Venho acrescentar mais alguns
títulos que entretanto vieram a lume em português e que aqui ordenarei por
ordem alfabética do apelido do autor.
- Donatella Di Cesare, Vírus soberano? A asfixia
capitalista. Edições 70. A autora, professora de Filosofia na Universidade
“La Sapienza” de Roma e intelectual pública que tem estudado a violência, os
emigrantes e a identidade, reflecte sobre o impacto do vírus, que ela designa
de “soberano” devido à sua “corona”, nas nossas vidas. Apesar de Di Cesare estar
amplamente traduzida, é o seu primeiro livro em português europeu. A tradução é
de António Guerreiro, o crítico cultural do suplemento ípsilon do jornal
Público e da revista Electra
da Fundação EDP. O livro foi, de resto, distribuído com o Público.
- Daniel Defoe, Diário da
peste, Clássica Editora. Um clássico literário sobre epidemias do autor de Robinson
Crusoe. O escritor e jornalista inglês foi testemunha da peste negra de
Londres de 1665, que ele aqui descreve
num livro cuja primeira edição é de 1722. Existe uma edição portuguesa
deste livro com tradução do escritor João Gaspar Simões (Diário da Peste de
Londres, Presença, 1964), mas só se encontra, e com muita sorte, nos
alfarrabistas. A tradução da nova edição é de Maria João Bento, sendo a
introdução do escritor inglês Anthony Burgess, o autor de Laranja Mecânica.
- Miguel Valle de Figueiredo (fotografias)
e Bruno Vieira Amaral (texto), Cidade
suspensa. Lisboa em estado de emergência. Fundação Francisco Manuel dos
Santos. Uma obra, da colecção “Retratos” daquelas Fundação, de algum modo
semelhante à que a Guerra e Paz publicou da autoria de Inácio Ludgero
(fotógrafo) e José Jorge Letria (escritor), pois se trata de documentar o vazio que se
abateu subitamente sobre os espaços urbanos. As legendas de Vieira Amaral
começam como na Bíblia: “Naquele tempo,….” O valor da venda do livro reverte
integralmente para o livreiro, constituindo uma pequena contribuição para um
sector em crise.
- Bernard-Henri Lévy, Este vírus
que nos enlouquece, Guerra e Paz. Mais um “livro vermelho” da Guerra e Paz,
pequenos textos de pensadores conhecidos, em que o filósofo francês, nascido na Argélia como Albert Camus, cujas posições têm suscitado ampla polémica
(incluindo ataques com uma torta na cara), se insurge contra aqueles “que
querem aproveitar o coronavírus para arrasar o que a civilização ocidental tem
de melhor” (da sinopse). A tradução
é de João Luís Zamith e André Tavares Marçal
- Igor Prokopenko,
Coronavírus, um vírus assassino. Vírus desconhecido ou arma biológica? Marcador.
Este livro de um jornalista televisivo russo que é responsável por um programa sobre
“segredos militares” é lixo. Mete invasores do espaço e tudo… O leitor não
acredita? Pois na p. 26, pode ler-se: “Os cientistas encaram seriamente a
origem extraterrestre do novo coronavírus chinês”. É uma vergonha para a Marcador,
que pertence ao grupo Presença, ter publicado esta obra. O tradutor António
Pescada é um bom profissional, que já nos
tem dado o melhor da literatura russa
(venceu o Grande Prémio de Tradução da Associação Portuguesa de Tradutores de
2018 por traduções suas de Dostoievski e Soljenitsin), mas isto é do pior que a
Rússia de Putin nos pode dar: desinformação, ou, como agora se diz, “fake
news.”
- Vários, Bode Inspiratório,
Escape Goat, Um folhetim criado por 46 escritores durante a pandemia de
Covid-19, Relógio d’Água. As regras deste jogo literário, que tem uma
edição bilingue, são simples: um começa e o seguinte tem de continuar. Começou
Mário de Carvalho e acabou Luísa Costa Gomes, passando a corrente por Afonso
Cruz, Cristina Carvalho, José Mário
Silva, Gonçalo M. Tavares, Rui Zink, etc. Deve ter sido uma boa reinação,
durante o confinamento, a escrita de uma história a várias mãos, com cada autor
a tentar dificultar a continuação pelo seguinte. A introdução é da escritora
Ana Margarida Carvalho filha do primeiro (“filha de peixe…”).
- Vários, Ressurgir, 40
perguntas sobre a pandemia, Paulinas, coordenação de Artur Morão, Diana Ferreira,
Mendo Henriques e Nuno André. Trata-se de um grande conjunto de depoimentos de
vozes nacionais, alguns co-autores e outros ditos colaboradores especiais, organizadas
por cinco temas: Vida, Saúde e
Solidariedade; Pessoal - Familiar; Ciência, Informação e Cultura; Economia Sustentável; e Espiritualidade.
A capa traz um quadro renascentista da arca de Noé.
- Ivan Krastev. O Futuro por Contar.
Como a pandemia vai mudar o nosso mundo, Objectiva. Da autoria de um
conceituado cientista político búlgaro, investigador do Instituto de Ciências Humanas
de Viena, que tem uma coluna na edição internacional do New York Times,
e autor entre outras obras de After Europe. Neste seu primeiro livro em
português, analisa o impacto do vírus na globalização, na geoestratégia mundial
e, em particular, no projecto europeu.
Tanta coisa dita e tanta coisa
ainda por dizer. Fico com a ideia de que esta biblioteca, a que chamo por
simplicidade “Corona,” ainda vai no seu início.
Boas férias e muita saúde!
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