As crenças constituem juízos não
conscientes com raízes em experiências anteriores, os quais permanecem latentes
e, quando ativados por acontecimentos críticos, se transformam, por processos
cognitivos (normalmente de modo deficiente), em juízos conscientes. Estes, por
sua vez, determinam emoções, que fazem emergir novos juízos, em círculo
vicioso. As crenças mágicas, nomeadamente em poderes paranormais ou virtudes
curativas, assentam na necessidade de conhecer e controlar uma realidade
adversa. Ao tornarem “inteligíveis” fenómenos misteriosos, isto é, darem
sentido ao desconhecido, exercem por vezes função adaptativa com efeitos
tranquilizadores e de bem-estar. Outras vezes, quando são interpretações de
poder maléfico ou carácter nocivo, podem provocar ansiedade ou mesmo terror. Apesar
do avanço científico e tecnológico da sociedade atual, persistem de modo
significativo, não só na infância e em algumas perturbações mentais, bem como em
pessoas ditas “normais”, até com formação superior. Fazem parte do conteúdo do
pensamento primitivo que envolve distorções cognitivas correspondentes a erros
de raciocínio, que “turvam” a visão da realidade.
Para o crente, segundo o seu ponto de
vista, as suas crenças são verdadeiras, o que as torna praticamente
insuscetíveis de correção pela argumentação lógica, quando reforçadas ao longo
dos anos quer por desvio confirmatório, como tendência a selecionar informações
favoráveis e a ignorar as desfavoráveis, quer por apelos à autoridade, à
maioria e também à falta de provas da inexistência de forças ocultas, cabendo a
prova da sua existência ao próprio crente.
De facto, acontecem por vezes fenómenos
estranhos e curas extraordinárias, mas atribuíveis a causas diferentes das
supostas pelo crente. Promover o pensamento crítico, que privilegia o método
científico, permite focar primeiro na busca de explicações naturais antes de
recorrer às sobrenaturais. Para tal é útil ter algumas noções, por um lado, de
ilusionismo, que consegue reproduzir todos os fenómenos alegadamente paranormais,
e, por outro lado, de efeito placebo, sugestão e remissão espontânea de certas
doenças, motivos por que “funcionam” às vezes as denominadas “medicinas não
convencionais”.
O ilusionismo, através de artefactos,
prestidigitação, ventriloquia e mentalismo, oferece as explicações necessárias
para desvendar alegados poderes de telepatia, clarividência, psicocinese,
levitação, materializações, curas psíquicas, comunicação mediúnica e leituras
psíquicas. Por exemplo, para o sucesso das putativas leituras psíquicas, como
astrologia, cartomancia, quiromancia, clarividência, comunicação mediúnica,
contribui, em grande parte, a técnica de “leitura fria” do mentalismo para
criar a ilusão de conhecer a personalidade, o passado e o futuro duma pessoa,
com utilização ardilosa de frases declarativas vagas e gerais e de outras em
tom declarativo, mas interrogativas, imperativas e exclamativas, nem
verdadeiras nem falsas. Todas estas frases, formuladas de modo ambíguo, levam a
pessoa a admitir como verdadeiras e exatas a descrição da personalidade e a
visão do passado e do futuro por efeito de validação pessoal combinada com
desvio confirmatório, erro cognitivo em que se recordam os palpites certos e se
esquecem os errados.
O placebo (agente desprovido de ação terapêutica)
produz efeitos inespecíficos resultantes das crenças do doente acerca do seu
poder curativo. Os ensaios clínicos comparam grupos experimentais com grupos de
controlo (que recebem placebo) para verificar a eficácia real do tratamento, a
qual se restringe à resposta terapêutica subtraída do efeito placebo. Ora, os
tratamentos das “medicinas alternativas” (caso ilustrativo dos produtos
homeopáticos) não apresentam provas de eficácia superior ao placebo e os seus
resultados devem-se também à sugestão e à evolução natural de certas doenças,
com exceção da eficácia devida às propriedades intrínsecas dalguns tratamentos
naturais já conhecidos da medicina. Mesmo falsos diagnósticos, baseados em
teorias exóticas, têm efeito placebo com melhoria do estado do doente, mas
possíveis consequências deletérias pelo atraso no adequado tratamento da
verdadeira doença. Obviamente que a regulamentação das “medicinas não
convencionais” não confere validade científica.
Perante a alegação de poderes paranormais ou de virtudes curativas exigem-se provas inequívocas, mediante ensaios controlados, aleatorizados e duplamente cegos, com revisões sistemáticas por grupos de investigação independentes. Reduzir a credulidade implica a procura de explicações racionais através da experiência. Para desenvolver o pensamento crítico, na escola desde a adolescência, não basta conhecer as descobertas da ciência e realizar experiências de comprovação, torna-se necessário aprender a distinguir a ciência das suas imitações.
Nuno Pereira (psiquiatra)
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