Raul da Silva Mendes (imagem recolhida aqui). |
«Agora a escola ativa é que é o paradigma». Continuavam como inspetores, mudava o governo, voltavam a aparecer e diziam «agora é a pedagogia por objetivos».
Eu perguntava-lhes: «mas qual é a diferença?»
Não sabiam".
Raul da Silva Mendes, 2019.
Participei numa mesa de certo congresso sobre o "Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular" na altura em que ele, depois de uma fase de experimentação, era implantado a nível nacional. Nessa mesa, entre outros convidados, estava um representante da direcção de um agrupamento de escolas. O seu discurso, muitíssimo elogioso do dito projecto, centrou-se na medida inovadora proposta pela tutela e, de imediato, adoptada pelos professores: o uso de "métodos activos".
Não tendo entendido como é que na Europa, com uma tradição educativa (considerando apenas a memória escrita) de mais de vinte e cinco séculos, na qual os "métodos activos" ocupam um lugar central, pode haver, em Portugal, um conjunto de escolas que "antes" desta reforma não os usassem? Perguntei-lhe isto mesmo na pausa do café.
Como é costume, a conversa resvalou para os lugares-comuns que se imaginam, mas o resultado foi, de alguma forma, inesperado: "usamos uma nova linguagem", disse-me o meu interlocutor. "Nem a linguagem é nova", disse-lhe eu.
Foi a última vez que me pronunciei, num contexto que não o estritamente académico, sobre a "inovação" designada por "métodos activos" (expressão de finais do século XIX) no novo (mas tão velho) "modelo/paradigma" que se diz ser a base do mencionado projecto.
Desisti tanto deste como de outros diálogos do género por uma razão que me parece ser compreensível: contrapor argumentos de princípio e científicos a dogmas políticos e ideológicos implica sempre um grande esforço, que é proporcional à sua inutilidade.
Veio este texto a propósito da entrevista feita pelo jornalista Carlos Ferro ao autor da frase acima citada, Raul da Silva Mendes, professor reformado, que ao longo dos seus 52 anos de carreira percebeu o "eterno retorno" a um dos grandes atavismos dos sistemas de ensino.
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Nota: A mencionada entrevista - As crianças que não sabiam ler nem escrever eram postas na chamada 'fila dos burros', publicada no Diário de Notícias de dia 13 deste mês pode ser encontrada aqui
Não tendo entendido como é que na Europa, com uma tradição educativa (considerando apenas a memória escrita) de mais de vinte e cinco séculos, na qual os "métodos activos" ocupam um lugar central, pode haver, em Portugal, um conjunto de escolas que "antes" desta reforma não os usassem? Perguntei-lhe isto mesmo na pausa do café.
Como é costume, a conversa resvalou para os lugares-comuns que se imaginam, mas o resultado foi, de alguma forma, inesperado: "usamos uma nova linguagem", disse-me o meu interlocutor. "Nem a linguagem é nova", disse-lhe eu.
Foi a última vez que me pronunciei, num contexto que não o estritamente académico, sobre a "inovação" designada por "métodos activos" (expressão de finais do século XIX) no novo (mas tão velho) "modelo/paradigma" que se diz ser a base do mencionado projecto.
Desisti tanto deste como de outros diálogos do género por uma razão que me parece ser compreensível: contrapor argumentos de princípio e científicos a dogmas políticos e ideológicos implica sempre um grande esforço, que é proporcional à sua inutilidade.
Veio este texto a propósito da entrevista feita pelo jornalista Carlos Ferro ao autor da frase acima citada, Raul da Silva Mendes, professor reformado, que ao longo dos seus 52 anos de carreira percebeu o "eterno retorno" a um dos grandes atavismos dos sistemas de ensino.
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Nota: A mencionada entrevista - As crianças que não sabiam ler nem escrever eram postas na chamada 'fila dos burros', publicada no Diário de Notícias de dia 13 deste mês pode ser encontrada aqui
3 comentários:
Na culinária portuguesa, nas mil e uma maneiras de cozinhar bacalhau há sempre um ingrediente essencial: o bacalhau. Nas ciências da educação, os professores doutores das ditas ensinam-nos mil e uma maneiras de ensinar, mas para além do básico e consensual ler, escrever e contar, a maioria desses lentes dão pouca, ou nenhuma, importância àquilo que ainda é necessário ensinar na escola. Uma educação sem Conhecimento é como um bacalhau à lagareiro, com azeite e alho, e batatas a murro, mas sem bacalhau!...
Estimado Leitor
Por considerar ser verdade, tenho repetido neste blogue o seguinte: a predominância de ideias equívocas (e, mesmo, erradas) nos sistemas de ensino, as quais, eventualmente, se traduzem em práticas lectivas que negam a função da escola, não é apenas da responsabilidade das ciências da educação. Trata-se de ideias largamente partilhadas na sociedade e bem acolhidas nela, sendo, em paralelo, usadas pelos "poderes que podem" (sobretudo político e económico-financeiro) para fazerem valer os seus intentos, que nem sempre são os que apresentam. Certas escolas e professores não ficam de fora desta equação, bem como outros profissionais que estrategicamente se aproximam da educação.
Quem influencia quem? E quem tem mais influência? Eis duas perguntas que remetem para respostas que só podem ser imbricadas, dado o estreito relacionamento que os "agentes educativos" mantêm entre si.
De qualquer maneira, é importante perceber-se que as ciências da educação acolhem diversas posições quanto à matéria em causa: há quem considere absolutamente fundamental aprender a ler, escrever e contar, e que o conhecimento disciplinar não pode ser dispensado, etc.
Cordialmente,
MHDamião
«Agora a escola ativa é que é o paradigma». Continuavam como inspetores, mudava o governo, voltavam a aparecer e diziam «agora é a pedagogia por objetivos».
Eu perguntava-lhes: «mas qual é a diferença?»
Não sabiam".
Esses paradigmas, urdidos na solidão dos gabinetes do ministério da educação, por sábios que, a bem do sucesso escolar dos filhos das classes mais desfavorecidas, dedicaram vidas inteiras ao estudo científico do ensino/ aprendizagem, são, por natureza, de forma variável, dadas as dificuldades sentidas por muitos educadores de infância e professores do básico e secundário em compreender a mensagem simples e objetiva que transportam:
- Vós, senhoras e senhores docentes, atualmente servis, fundamentalmente, para avaliar alunos que, entre si, também já se coavaliam, e desejam, antes de mais, ingressar no ensino superior politécnico e universitário, onde aprenderão as matérias que verdadeiramente lhes interessam, livres para sempre das exigências e dificuldades absurdas que o vosso ensino compartimentado em disciplinas lhes impõe. O Mestre Macaco, da claque dos Super Dragões, é o melhor exemplo de que, ultrapassada a etapa do secundário, cheia de obstáculos colocados no meio do caminho por professores que ainda não se apropriaram da flexibilidade inclusiva, entrar no superior é como entrar no céu! Façam como os vossos colegas dos colégios privados, que entendem como ninguém os novos paradigmas da educação. Se derem notas muito elevadas a todos os alunos, a percentagem destes que entram na Universidade vai aumentar!
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