A primeva seara dourada e ondulante anuncia a civilização Humana.
Desde há cerca de dez mil anos que o trigo, então domesticado pela
sedentária agricultura que espigava em prosperidade civilizacional, tem sido
amparo para a alimentação de uma população humana sempre crescente. O trigo
tornou-se, e ainda é, um dos principais cultivos para a alimentação da
Humanidade.
Mas, o exponencial crescimento da população humana cria uma enorme pressão
para o aumento da produção do trigo, seu sustento. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO), o trigo é cultivado em cinco continentes tendo sido
produzidas, só em 2016, 749 milhões de toneladas. Contudo, a produção actual
será de todo insuficiente para sustentar a futura necessidade Humana: por
exemplo, estima-se que em 2050 a população atinja as 9600 milhões de pessoas, o
que faz com que a FAO calcule que seja necessário um aumento em cerca de 60% na
produção de trigo, para amainar a fome.
Para resolver este problema, um dos aspectos a considerar é o integral
conhecimento do genoma deste cereal, por forma a tornar mais produtivas as
espécies de trigo actualmente existentes. E os cientistas tem trabalhado
intensivamente na procura deste conhecimento, no mapeamento mais completo
possível de todos os genes trigueiros.
Numa investigação que começou há 13 anos, uma equipa de
202 cientistas, provenientes de 73 instituições científicas de todo o mundo,
conseguiu obter uma versão mais actualizada, e com uma notação de qualidade mais
pormenorizada, do genoma do trigo. Este resultado foi publicado recentemente no
número 6403 da prestigiada revista Science. Este trabalho foi possível graças à
criação do Consórcio
Internacional de Sequenciação do Genoma do Trigo (IWGSC), que reuniu mais de
2400 participantes de 68 países durante a investigação.
Para além do artigo que apresenta a anotação mais completa do genoma deste
cereal (http://science.sciencemag.org/content/361/6403/eaar7191),
foram ainda publicados outros seis artigos (outro
na revista Science,
um na Science
Advances e quatro na Genome Biology) que interpretam as potenciais
aplicações deste conhecimento novo, e de como ele pode ser potencialmente determinante
para o desenvolvimento de novas variedades mais resistentes a pragas e com
possibilidade de cultivo em climas extremos. O desenvolvimento de novas
variedades produtivas em climas extremos é visto com particular interesse num
planeta em plena alteração climática de origem antropogénica. Os resultados
permitem também compreender certas doenças que afectam este cereal e a sua
relação com a alimentação e saúde humanas.
A
espécie de trigo estudada foi a Triticum aestivum,
da variedade Primavera Chinesa (Chinese Spring). Esta espécie de trigo possui sete cromossomas repetidos três vezes, pelo
que são 21 cromossomas no total. Esta repetição no trigo moderno reflecte a sua
hibridização a partir de três espécies ancestrais. É uma história inscrita nos
genes que agora se lê melhor.
Neste trabalho, é apresentada a localização genómica exacta de 107 891
genes. Para comparação, refira-se que este genoma é cinco vezes maior do que o
humano, e 35 vezes maior do que o do arroz. Esta dimensão e a complexidade
encontrada no genoma, que tem 85% de ADN repetido, explicam os 13 anos de longa
investigação.
Em particular, uma equipa da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida, liderada
por Odd-Arne Olsen, investigou os genes que codificam proteínas responsáveis
por reacções alérgicas nos humanos, como a doença celíaca entre outros
problemas imunitários advindos do consumo de trigo. Os resultados obtidos estão
no artigo publicado na Science Advances (http://advances.sciencemag.org/content/4/8/eaar8602). “Com toda esta nova informação, sabemos exactamente quais os genes do glúten
que estão a causar reacções alérgicas, dando-nos uma ferramenta para remover ou
modificar as sequências que codificam essas proteínas”, refere Odd-Arne Olsen, citado pelo jornal Público.
Com este conhecimento, novas searas
continuarão a compaginar esta relação milenar do trigo e do Homem.
António Piedade
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