terça-feira, 25 de setembro de 2018

PREFÁCIO DO AUTOR, LUÍS MIGUEL BERNARDO, A "VISÃO, OLHOS E CRENÇAS" (GRADIVA, 2018)


"Os animais, na sua generalidade, incluindo os humanos, obtêm a maior parte da informação do mundo exterior através da visão. A sua sobrevivência e bem‑estar dependem absolutamente dela e, durante a evolução, a Natureza criou as mais variadas e estranhas formas de a implementar. Para isso produziu uma grande variedade de olhos — detectores luminosos, capazes de captar a informação transportada pela luz — e sistemas de visão para processar essa informação.

 Como transportadora de informação, a luz é de fundamental importância para a visão e, através da sua permanente presença em todos os estágios da evolução da vida, impulsionou e condicionou o desenvolvimento dos olhos e dos processos visuais. Sem ela, a visão não existiria mas, se não houvesse olhos, a luz não teria adquirido a extraordinária relevância que tem no contexto geral da vida. Esta mútua interligação entre a visão e a luz é uma das mais interessantes manifestações dos condicionamentos evolutivos.

Neste livro aborda‑se o tema da visão e dos olhos sob os mais variados aspectos: físicos, fisiológicos, funcionais, históricos, etnográficos e culturais. Para além dos relatos históricos, das explicações científicas e das análises sobre a evolução das ideias, será dada grande relevância às crenças que em torno da visão e dos olhos se criaram em variados povos, culturas e civilizações, e, particularmente, em Portugal.

 No capítulo 1, trata‑se a visão animal, sendo descritas as características visuais de vários seres implementadas por diversos tipos de olhos, entre as quais a visão cromática. Dar‑se‑á uma particular relevância àquelas características que distinguem a visão animal da humana, como é o caso da visão ultravioleta ou da visão polarizada.

 No capítulo 2, discorre‑se sobre a visão humana, cujo estudo ocupou as mentes mais brilhantes de todos os tempos, desde os antigos filósofos aos cientistas actuais. Serão tratadas, neste capítulo, as várias teorias sobre a visão e as respectivas evoluções históricas, desde a Antiguidade até aos nossos tempos. Enquanto na ciência antiga a visão era abordada sob um ponto de vista holístico, na ciência moderna ela foi dissecada nas suas várias componentes: orgânica, funcional, sensorial e percepcional. Esta abordagem analítica, ao nível macroscópico e microscópico, produziu um vasto conjunto de conhecimentos. Estes abriram novas e amplas áreas de investigação que continuam actualmente a ser exploradas. Todos estes aspectos serão expostos neste capítulo.

 No capítulo 3, trata‑se o olho humano, nos seus aspectos fisiológicos e funcionais, e expõe‑se a história do conhecimento que sobre ele se foi adquirindo ao longo do tempo. No âmbito do ensino e da divulgação em Portugal dos assuntos relacionados com a visão e os olhos, dá‑se algum realce ao manuscrito Tratado de Óptica do jesuíta P.e Inácio Vieira que ensinou ciências matemáticas no Colégio de St.o Antão em Lisboa, no início do século xviii. Apresentam‑se algumas notas históricas sobre a oftalmologia em Portugal, realçando a prática clínica e cirúrgica de alguns médicos e cirurgiões estrangeiros, a influência que estes exerceram sobre o desenvolvimento da oftalmologia nacional e o aparecimento de alguns oftalmologistas portugueses que granjearam fama e prestígio.

Quando se perde um olho, perde‑se um elemento importante na estética facial e a capacidade visual que ele proporcionava. Para compensar estas perdas usaram‑se desde há séculos olhos artificiais, como os «olhos de vidro» e, mais recentemente, os «olhos fotónicos». Realizaram‑se esforços para produzir olhos artificiais tão semelhantes quanto possível aos naturais e até com algumas funcionalidades superiores. A história e o desenvolvimento tecnológico destes olhos protésicos são expostos neste capítulo 3.

O olho humano foi considerado um órgão de especial complexidade e perfeição. Criaram‑se à sua volta mitos, lendas, alegorias e superstições e atribuíram‑se‑lhe poderes extraordinários. Os sinais fisiognómicos foram particularmente explorados desde a Antiguidade até ao Renascimento. Através da configuração, forma e expressão dos olhos, procurou‑se descobrir as características interiores das pessoas.

Segundo se dizia, haveria homens e animais com capacidades visuais extraordinárias, que lhes permitiam ver o invisível e causar nos outros doenças e a morte. Os fluidos visuais, que supostamente saíam pelos olhos, seriam responsáveis por poderes maléficos, mas serviriam também para encantar. Para nos livrar de tão nefastos efeitos ou para nos curar das mazelas oculares, nada melhor do que fazer um pedido, sincero e cheio de fé, aos santos patronos que terão realizado muitos e extraordinários milagres.

 Os olhos tiveram significados alegóricos muito especiais na cultura popular, servindo como fonte de inspiração para poemas e canções. Muitas foram as superstições e receitas criadas e inúmeros foram os milagres que se contaram, envolvendo os olhos e os mais variados deuses e santos patronos. Muitas destas crenças do passado continuam ainda presentes em várias culturas por todo o mundo.

 Como portas de entrada de imagens sedutoras, que podiam despertar tentações diabólicas, os olhos foram subordinados aos preceitos da moralidade cristã, chegando a pensar‑se que a cegueira poderia ser um meio seguro para atingir a santidade. Toda esta temática maravilhosa, supersticiosa e milagrosa, envolvendo os olhos, está descrita com algum detalhe no capítulo 4.

 Por fim, na breve conclusão, sublinha‑se o elevado número e a complexidade das soluções adoptadas pela Natureza para implementar a visão nos seres vivos, o paralelismo entre a evolução dos conhecimentos oftalmológicos e o progresso científico global e a importância dos olhos nas tradições culturais, tão bem retratada nos estudos etnográficos de todo o mundo.

 O objectivo deste livro é apresentar a evolução dos conhecimentos sobre a visão e os olhos, em termos históricos, socioculturais e científicos, utilizando uma linguagem acessível de modo a servir um conjunto vasto de leitores, com diferentes formações, que se interessem pelas ciências e humanidades. Espera‑se que a opção de apresentar textos antigos na versão gráfica original contribua para despertar a curiosidade dos leitores e possa mais facilmente situá‑los no ambiente cultural das épocas em que foram escritos."

 Porto, Março de 2018

 Luís Miguel Bernardo

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