sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A imaginação, a ciência... e as crianças


Meu artigo na última revista PAIS:

Perguntaram um dia a Einstein se “ele confiava mais na sua imaginação ou no seu conhecimento”. A resposta foi rápida: “A imaginação é mais importante do que o conhecimento. O conhecimento do mundo é limitado. A imaginação dá a volta ao mundo.” Esta resposta merecia ser mais conhecida, pois, para muita gente, a imaginação é estranha à ciência. Nada mais falso: a imaginação é, afinal, o meio que os cientistas usam para fazerem as suas viagens mentais ao mundo todo. Ao contrário do que é pensamento comum, não são só os artistas que recorrem à imaginação para criarem, mas são também os cientistas. Poder-se-á pensar que, se a missão do cientista é descrever e explicar o mundo, então eles não poderão ter mais do que a “imaginação do mundo,” isto é, só terão que imaginar como é o mundo, ao passo que os artistas podem, mais livremente, imaginar “outros mundos.” Acontece, porém, que o mundo em que vivemos tem muita imaginação, no sentido em que não tem sido fácil chegar às leis do funcionamento do mundo. Por outro lado, a liberdade dos artistas também não é tanta como em geral se crê, porque os mundos que imaginam estão obviamente limitados pela sua familiaridade com o mundo real.

O nosso cérebro, sendo parte do mundo, é fruto de um longo convívio com ele. Imaginar é, segundo os dicionários, a faculdade que a nossa mente tem de criar imagens, representações, fantasias. A imaginação consiste sempre em dar um salto mental, um salto que pode ser maior ou menor conforme a imaginação nos levar mais perto ou mais longe. O que acontece no cérebro humano, essa prodigiosa conexão de neurónios, quando imagina é algo que ainda desafia as neurociências, apesar de todos os progressos que estas têm realizado nos anos mais recentes. Mas o certo é que os grandes cientistas, como Einstein, foram grandes imaginadores. Em busca de uma melhor compreensão da realidade, criaram imagens, representações, fantasias, que têm à partida de ter alguma coerência. E, depois, tiveram de escolher, entre essas imagens, representações e fantasias, aquela ou aquelas que melhor se ajustavam ao que eras observado e experimentado. O confronto com a realidade é obrigatório para os cientistas.

Imaginar o mundo 

A ciência consiste, assim, em imaginar o mundo. Não é tanto um corpo fixo de conhecimentos, mas mais a capacidade  de alargar continuamente esses conhecimentos, usando em primeiro lugar a imaginação, e depois o raciocínio lógico, a observação cuidadosa, o pensamento adequado. Usando o chamado método científico, um método que tem dado resultados extraordinários.

 Um exemplo do uso da imaginação encontra-se em Arquimedes, o maior cientista da Antiguidade. Conta a lenda que, um dia, ele desatou a correr nu pelo centro da cidade de Siracusa, na Sicília, porque, estando a tomar banho, imaginou que ele próprio era um barco: dentro de água uma força opunha-se à força da gravidade ou peso, fazendo-o flutuar. Arquimedes era pesado, mas dentro de água era como se não pesasse. Formulou então a lei que tem o seu nome: todo o corpo mergulhado num líquido está sujeito a uma força, dirigida de baixo para cima, cujo valor é o do peso do volume de água deslocada. Isto é, Arquimedes dentro da banheira imaginou que o volume de água que deslocava tinha um peso igual ao seu. Eureka!

Outros exemplos de leis físicas podem ser dados. Por exemplo, desde temos imemoriais que se sabe que uma pedra de uma certa região da Ásia menor (a Magnésia, na actual Turquia) tem a propriedade de atrair pequenos corpos metálicos. Só mais tarde – aconteceu na China – se percebeu que uma agulha feita desse material, um magnete ou íman, apontava sempre para a mesma direção, a direção aproximada do pólo norte, o que permitia a orientação na Terra. O instrumento inventado pelos chineses e depois usado pelos descobridores portugueses chama-se bússola. Foi preciso, mais tarde, um salto mental para se perceber que a Terra é, ela própria, um grande íman. Concluiu-se que a bússola funcionava porque o pólo norte da agulha aponta para o pólo sul magnético da Terra, que está perto do pólo norte geográfico.

Curiosidade natural 

As crianças são curiosas a respeito do mundo. Nascem com uma curiosidade natural. Olham para o mundo logo desde que nascem, começam por agarrar os objectos à sua volta para melhor para ganharem uma compreensão do mundo. Logo que o seu cérebro, ligado aos olhos e às mãos, tenha o desenvolvimento necessário, colocam perguntas, primeiro “o quê?” e depois “porquê?”. O seu cérebro faz representações que a sua experiência vai confirmar ou desmentir. Muitas vezes as coisas são como a criança pensa que são e outras vezes não são. Neste quadro, podemos dizer que as crianças são “pequenos cientistas”: elas querem saber como é o mundo, querem compreender o mundo.

É, portanto, fácil, pelo menos em princípio, levar a ciência às crianças, mesmo pequenas. Isso consegue-se fazendo experiências simples, que permitem aos infantes uma percepção cada vez maior do mundo à sua volta. Por exemplo, podem ver se um objecto flutua ou afunda em água e até classificar objectos entre aqueles que flutuam e aqueles que afundam. A seguir vem o “porquê”: o que é que determina que umas coisas se afundem e outros flutuem? Podem pensar que é o peso, mas a realidade é um pouco mais complicada: uma bola de plasticina afunda-se em água, mas o material da mesma bola já flutua se lhe for dada a forma de um barco. O segredo está na lei de Arquimedes: a bola transformada em barco desloca mais água! A criança pode usar o conhecimento adquirido para melhorar o seu barco. E passa a ver os barcos de uma outra maneira.

 Uma semelhante aproximação à ciência pode ser realizada com ímanes: as crianças são fascinadas por eles. Há muitas experiências simples de magnetismo que podem ser feitas por crianças sobre magnetismo. Podem verificar que pólos do mesmo tipo se repelem e que pólos de tipos diferentes se atraem e podem também verificar que alguns objectos são atraídos por ímanes e outros não.

A propósito, recomendo a série “Ciência a Brincar” (Bizâncio), 10 livros que ajudei a preparar com o apoio de sociedades científicas, há alguns anos, mas que não se desactualizaram, pois a ciência que apresentam não mudou. E recomendo também a rede de Centros Ciência. Viva, espalhada pelo país, onde se podem fazer muitas actividades de experimentação a brincar. Sim, a brincar, pois a ciência pode começar como jogo.

Exercitar desde cedo

Os educadores - pais ou professores - devem estimular a imaginação das crianças, proporcionando-lhes contextos para exercitar o pensamento: uma maçã e uma batata terão destinos diferentes quando colocadas na água? Conseguir-se-á pôr um íman a flutuar no ar só com outros ímanes? As crianças adoram experimentar e essa sua atitude deve ser aproveitada, desde cedo, para lhes inculcar a noção de que há uma diferença entre o certo e o errado. Caberá naturalmente à escola promover o desenvolvimento intelectual, de modo a que a sua interação com o mundo seja cada vez mais elaborada.

Einstein passou a sua tenra idade no meio estimulante da sua família, antes de ir para a escola (onde, ao contrário do que é voz corrente, teve boas notas). Numa fase final da vida, contou uma das suas recordações mais antigas relacionadas com a ciência: “Observei um milagre […] quando em criança, com quatro ou cinco anos, o meu pai me ofereceu uma bússola”. O pequeno Einstein, conforme ele disse, “tremeu e arrepiou-se.” Acrescentou: “Por detrás dos objectos deve haver algo que permanece profundamente oculto […] o desenvolvimento do nosso mundo de pensamento é, num certo sentido, uma fuga ao milagre”. Que força misteriosa era essa que impelia a agulha de bússola, uma e outra vez sempre para o mesmo lado?

Einstein acabava de observar uma lei física – a lei das ações magnéticas à distância – e começou a imaginar o que seriam essas acções. A imaginação foi a chave da sua vida científica. Para chegar à sua teoria da relatividade, começou por pensar como veria o mundo alguém que viajasse à velocidade da luz? Como essa experiência é impossível, Einstein só podia imaginar. A imaginação, que o acompanhava desde criança, levou-o muito longe…

Em resumo: a entrada na ciência deve fazer-se estimulando a imaginação infantil através de actividades interactivas e lúdicas. A ciência pode começar a brincar. Exercitar desde muito novo, e sem receios, a imaginação é a chave para uma vida criativa, alicerçada na família e na escola e posta em prática na sociedade.

2 comentários:

Anónimo disse...

O "princípio de Arquimedes" não é uma designação de homenagem àquele sábio?
O conhecimento da gravidade, naquela altura, seria um conhecimento "avant la lettre", não?! O que ele teria descoberto teria sido de caráter tecnológico: como medir o volume de um objeto de forma intrincada, uma coroa, e, com o "peso" da dita, decidir se era de ouro. O resultado parece ter sido trágico para o ourives que fez a coroa!

Anónimo disse...

Deus foi a primeira Teoria de Tudo; e ainda é a Teoria de Quase Tudo. Não nos falta imaginação!

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