QUERO
Que deixes de fumar
Que uses o cinto de segurança
Que comas legumes
Que não te ponhas ao Sol
Que emagreças
Que garantas a segurança aos teus filhos no banco traseiro
Que fales de questões raciais
Que uses preservativo
Que te ofereças como voluntário
Que comas menos carne vermelha
Que deixes de fumar
Que uses o cinto de segurança
Que comas legumes
Que não te ponhas ao Sol
Que emagreças
Que garantas a segurança aos teus filhos no banco traseiro
Que fales de questões raciais
Que uses preservativo
Que te ofereças como voluntário
Que comas menos carne vermelha
In Jacques Barzun, 2003, 763 (cartaz do Tio Sam, 1997)
A pouco e pouco, os Estados de países democráticos (não falamos dos outros) têm, por sua iniciativa ou por cedência a pressões várias, instituído o que as pessoas devem pensar, sentir e fazer em questões que são inteiramente da sua esfera de decisão
Isso começa bem cedo, quando se entra no sistema de ensino, na educação de infância, aos três anos, ou no primeiro ciclo, aos seis anos, e acompanha toda a escolaridade. Aos dezoito anos, os jovens adultos saberão o que devem e não devem comer a cada refeição, que não devem fumar, nem beber em demasia, nem consumir qualquer substância que provoque adição, quantas vezes devem lavar os dentes e como o devem fazer, quanto devem poupar do seu dinheiro e onde o devem aplicar, como devem gerir os seus afectos e emoções, aumentar o seu auto-conceito e auto-estima, como conseguem obter sucesso na vida e competir no mercado de trabalho, etc. etc. etc. Serão, enfim, sujeitos exemplares (sujeitos não cidadãos, pois o que dá substância à cidadania é a liberdade de decidir com a responsabilidade que lhe é inerente).
De qualquer maneira, até agora esta determinação estatal tem ficado mais ou menos circunscrita aos currículos escolares, localizada sobretudo na área da "educação para a cidadania" (que o não é), nas designadas "educações para...", que são cada vez em maior número, mais prescritivas e mais intrusivas.
Estão localizadas aí mas não se dirigem apenas às crianças e aos jovens (sem esquecer os adultos escolarizados ou em planos de formação), dirigem-se também às famílias e às comunidades, pois, na perspectiva da "abertura da escola a...", toda a população deverá, através dos alunos, ser instruída na mesma cartilha, na cartilha de uma falsa cidadania.
De qualquer maneira, os Estados confiantes da sua missão de salvar os cidadãos (de si mesmos) de os tornar todos felizes e plenamente realizados, dá mais um passo em frente e passa a legislar noutros contextos além da escola. Começou pelo Serviço Nacional da Saúde mas não há-de ficar por aí...
A este propósito reproduzo abaixo um artigo muito esclarecedor do médico psiquiatra Pedro Afonso, intitulado A proibição dos croquetes nos bares do SNS (aqui)
Num ímpeto reformista, o Estado pretende agora controlar as calorias dos cidadãos, privando-os de pequenos prazeres alimentares. O governo, através de despacho, criou uma série de restrições à venda de produtos alimentares nos bares do SNS, elaborando para o efeito um autêntico Index com os alimentos proibidos: hambúrgueres, cachorros quentes, pizas ou lasanhas, rissóis, croquetes, pastéis de bacalhau, etc.
Esta iniciativa legislativa é excessiva, infantiliza os portugueses, e tem no seu espírito um fundamentalismo perigoso: obriga a que sejamos todos saudáveis, através do cumprimento de um modelo alimentar.
Com esta imposição o homem fica impedido de usufruir de alguns prazeres alimentares; de tal forma impedido, que deixa de ser humano.
Ora, este paternalismo de Estado conflitua com a liberdade individual. Neste caso, o Estado retira aos cidadãos a liberdade de, num espaço público e sem prejudicar terceiros, comer um croquete ou um pastel de massa folhada.
Vivemos num tempo confuso e repleto de contradições. Alternamos entre um Estado que legisla em nome de um homo indvidualis — que decide o que fazer da sua própria vida, liberto das imposições morais coletivas —, e um Estado que legisla em sentido oposto, publicando uma lista de alimentos proibidos, pondo de parte a liberdade individual.
Afinal em que é que ficamos? Permitimos, em nome da liberdade individual, algumas das pequenas satisfações da vida ou impomos aos portugueses uma verdadeira vida monástica dominada por renúncias alimentares?
Recentemente foram denunciados vários casos de refeições servidas nas escolas a crianças em más condições e sem o mínimo de qualidade. É justamente nestes casos, em que existem interesses económicos e corporativos de empresas do sector, que o Estado tem de intervir e zelar pela alimentação de quem não tem alternativa. Torna-se necessário garantir o mínimo de qualidade das refeições fornecidas às crianças e também nos hospitais aos doentes, pois ambos correspondem a grupos fragilizados.
E poderíamos continuar com mais exemplos, para chegarmos à conclusão de que o Estado perdeu uma certa racionalidade ética. Do meu ponto de vista, aquilo que está aqui em causa não é a necessidade de defender bons hábitos alimentares e a educação da população nesse sentido. Julgo que este aspeto é consensual.
A procura de uma vida saudável através da alimentação, infelizmente já há muito tempo que deixou de ser uma recomendação com bases científicas para se tornar numa autêntica religião com fiéis seguidores.
É preciso denunciar a idolatria da saúde e do bem-estar, o fundamentalismo em redor de uma vida castradora, cheia de hábitos saudáveis, mas que conduz todos os anos milhares de pessoas à depressão (...).
Precisamos urgentemente de mais bom senso na vida social e política.
Não faz mal à saúde comer de vez quando um croquete e um pastel de bacalhau. O que é perigoso são os excessos, sejam eles alimentares ou legislativos.
4 comentários:
Viver num mundo sem regras seria um inferno para todos, antes de morrermos. Os mandamentos bíblicos, as virtudes cristãs, as obras de misericórdia, etc, impostas ao povo pela imperial Igreja Una Santa Católica e Apostólica também são regras de convivência social que, nos nossos dias, cada vez são menos cumpridas porque a igreja tem vindo a perder muito do seu poder político estatal de outrora. Mas o homem tem necessidade de regras. Então, os estados laicos mais poderosos têm vindo a impor estas novas regras científicas que têm vindo a ocupar o lugar das velhas regras religiosas. Curiosamente, verifica-se que a nova educação para a cidadania estabelece umas normas de comportamento, que vão ao ponto de proibir determinados alimentos, que são muito parecidas com as prescritas pelos sacerdotes das antigas grandes religiões.
Quem tem razão é o povo francês, quando diz:
Plus ça change, plus c' est la même chose!
eu
que pago o SNS
acho muito bem que haja medidas de indução de redução de excessos
sem proibir o croquete nem os pasteis de bacalhau
(que vou continuar a consumir de quando em vez)
ah , mas a violação as regras do estado implica logo taxas e taxinhas multas coimas e dinheiros variados enquanto que a violação de regras religiosas implica uma penitência baratinha aquando da confissão ou uma ida para o virtual inferno :) :) preferia as regras religiosas , dão muito mais liberdade para as violar.
Concordo com o essencial, mas não meto tudo no mesmo saco.
Qual o problema de se pressionar as pessoas a...
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... garantirem a segurança dos seus filhos no banco traseiro?
E a usarem preservativo, nomeadamente em relações de risco?
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Será que, para combater idiotas, temos de o ser também?
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