Primeira:
Era
uma vez um menino português filho de pais brasileiros—do Paraná.
O
ponto de partida deste menino foi a maternidade Alfredo da Costa. O mesmo de
uma data de outros lisboetas.
O
percurso também foi o mesmo de uma data de outros lisboetas, até ao 1.º ano de
escolaridade: creche, jardim de infância; e continuou no 1.º ano de
escolaridade, numa escola pública.
Ora
a mãe é inteligente, e ficou perplexa porque o menino não estava (1) a aprender
a ler, pois estava (2) a decorar umas palavras nuns contextos.
A
mãe lembrou-se dum sobrinho, mais velho que o filho um ano: frequentou a mesma
escola (com outra professora), e passou para o 2.º ano (1) sem saber ler, e (2)
sabendo de cor umas palavras nuns contextos.
Ainda
não sabe ler, vai a caminho dos 7 anos, e estamos em outubro: parece membro do
governo de um país esquisito.
Ora
a expectativa da mãe e do pai do menino relativamente à escola é que esta (1)
ensine o menino a ler e (2) não precise do n.º 2 para coisa alguma.
O
menino poderá um dia reconhecer as silhuetas do Jaguar tipo E, ou da namorada,
se for caso disso; para já, a silhueta de um coelhinho a agitar as orelhas na
parede—nas sombras chinesas. Não precisa de decorar o nome da terra dele como
se fosse o logótipo da CP. O nome da terra deve lê-lo:
-->
Lis—bo—a.
Estava
a mãe do menino a queixar-se da vida a alguém da minha família, quando esse
alguém pensou com os seus botões (é figurado): isto é um caso para o Sr. João
de Deus, poeta delicado e pedagógico.
Vai
daí aos pois, entra este vosso amigo em cena, da esquerda alta, a recitar
pentágonos regulares e planos de rampa, e diz: caramba!, tipicamente um caso
para o poeta de Deus.
E
presto!, ida à Pedro Álvares Cabral,
longa conversa com uma amável professora da escola superior de educação, e
saída pela direita alta sobraçando a Cartilha Maternal, o Guia Prático de apoio
e o caderno de escrita.
Ah,
3 tiros e o prazer de torpedear o navio de 3 canos! Ah, o gozo de fintar o
sistema! Ah, que isto é por onde a escola deveria ter começado, e mais uma vez
é onde soçobra.
Moral da estória: ó senhor ministro da educação, olhe bem, que, apesar das
«metas», está o 1.º ano do básico ainda à deriva. Repare bem, escrupulosamente,
que o nosso ensino continua a projetar analfabetos. Qual é a parte, como dizia
o outro, que ainda há quem não tenha entendido?
Segunda:
Recentemente,
numa escolinha (adoro «escolinha»…) que eu cá sei, um senhor inspetor chumbou
uns quantos horários: horários do secundário, de professores com ombros largos,
em fim de carreira (uma espécie de brucewillies
do secundário).
A
dita escolinha decidiu, em remate de silly
season, acabar com dias sem carga letiva: ter a certeza de que não havia
nenhum professor que estivesse mais de 2 dias sem ir à escola—o sábado e o
domingo. Mas apesar deste esmero, deste zelo administrativo (de troika local), com resultados
engraçadíssimos nos professores mais antigos e com cargas letivas mais pequenas
(por via da antiguidade e dum alívio—confesso, discutível—da carga estritamente
de aulas), apesar, dizia eu, deste zeloso delírio—o senhor inspetor chumbou!
Os
horários deviam ter 14 horas letivas, mas as disciplinas dadas proporcionavam
horários de 13 (em Geometria Descritiva) ou 12 (em Matemática). As horas que
faltavam eram completadas com componentes de horário equiparadas a tempos
lectivos. Isto proporcionava algumas manobras interessantes, mas uma misturadora
de betão conhecida por direção geral entreteve-se a baralhar e criar restrições
às possibilidades, de forma que ninguém consegue acertar esse tipo de equação.
Consegue-se empatar o professor na escola todos os dias da semana, consegue-se
as horas de trabalho semanal que mandam os cânones, consegue-se tudo menos acertar
a coisa para o senhor inspetor.
Parece
idiota?
Emudeço
de pasmo.
Perguntou
o inspetor: porque foi que a escola fez estes horários com estas disciplinas,
níveis e professores? Respondeu a escolinha: porque temos professores mais
hábeis do que outros a dar estes níveis e disciplinas.
(Vantagem
para o aluno…)
Retorquiu
o inspetor: não quero saber disso para nada—o meu ponto de vista é
administrativo, não pedagógico; reformulem-se os horários, ou há processo
disciplinar.
Assim
vai o ensino secundário neste país?
É
de crer que sim…
Sabe
«ler», o senhor inspetor?
Sabe:
nós é que ainda não percebemos que estas duas estórias são versões da mesma, e
espelham, não um exemplar, mas um ror de governações. O único que sabe ler é o
senhor inspetor (decorou a silhueta da coisa), e quem não acreditar leva um
processo disciplinar.
Moral da estória: cada ministro que chega que se cuide: isto está repleto
de candidatos ao título de «O Piorrrr De Sempre», o próprio ministro é
concorrente, e não dá para todos—há percentis.
Terceira:
Adoeci
este ano. Nunca acontece; aconteceu.
Fiz
o que mais detesto: faltei a aulas.
Ignorante
de novidades neste domínio, de que não ando a par, pus-me ao telefone para
tomar previdências: avisar o coordenador da ausência de uma semana e pedir-lhe
que tomasse algumas medidas para esse período; avisar o representante dos pais
de uma turma de que sou diretor, dar-lhe uma satisfação e pedir alguma
continuidade no trabalho pessoal dos alunos; avisar a direção e saber, da
secretaria, se o certificado médico de doença que tinha em meu poder era
suficiente, e em que prazos deveria proceder à respetiva entrega.
Da
secretaria deram-me os esclarecimentos necessários, e acrescentaram: sabe que
não vai receber o ordenado dos três primeiros dias e, de seguida, só recebe
90%?
Não
sabia.
Quando
voltei à escola, tinha a vida atrasada uma semana. Ora se, numa repartição de
finanças, um funcionário faltar—o que acontece?: o atendimento é feito pelos
colegas.
O
patife é penalizado financeiramente, porque o trabalho dele foi garantido por
outros.
Se,
na limpeza de ruas, faltar um funcionário, que é que se passa?: a recolha é
dividida por colegas.
O
marau leva um chumbo no ordenado, porque a limpeza ficou feita, e ele não
esteve presente.
Se
um médico, num hospital do estado, baquear, o que é que se segue?: os doentes
são tratados na mesma, e o país segue, imperturbável.
O
tratante nem sequer devia estar doente—é médico, que diabo!—e os colegas é que
asseguraram a saúde pública.
Ora:
a mim ninguém me substituiu. Cheguei à escola e lá estavam, todos juntos, os
meus alunos, com os conhecimentos no mesmo estado.
Que
posso concluir? Que o ordenado que me foi retirado me dispensa de dar a matéria
que estava prevista para essa semana.
Que
o ministério vai pegar no carcanhol—enfim, na massa—e dirá a um colega com a
minha experiência e careca: "ó rapaz, vai ali àquela escola dar esta
matéria assim assim, que o biltre adoeceu—mas já lhe sacámos o nosso!, e alea iacta est."
Estou,
portanto descansado: essa semana de matéria será garantida—por outro
funcionário.
Moral da estória: pfff, sei lá!
António Mouzinho